Em Portugal, uma em cada dez crianças sofre de dislexia, uma perturbação específica de aprendizagem, com origem neurológica, caracterizada por dificuldades no reconhecimento adequado das palavras, por um discurso pobre e dificuldades de descodificação, resultantes de um défice na componente fonológica da linguagem. Hoje, data em que se assinala o “Dia Mundial da Dislexia”, Helena Serra, presidente da Associação Portuguesa de Dislexia (DISLEX), pede mudanças para melhorar o desempenho escolar dos alunos com dislexia, bem como o seu bem-estar emocional. “São alunos que perdem a motivação, que são vítimas da falta de informação. Sentem medo de se expor, sentem vergonha e disfarçam as suas dificuldades para evitar essa exposição. Estão num poço de emoções contidas constantemente”, afirma.A DISLEX reclama a obrigatoriedade de identificação do problema na educação pré-escolar, “no referente à idade dos 5 anos, dos pré-requisitos das aprendizagens simbólicas – linguagem, conhecimento fonológico, noções de espaço e tempo, perceção e memória auditiva e visual, motricidade, coordenação viso-motora e atenção – com recurso a prova de avaliação da existência destas competências, antes da iniciação escolar”. Segundo a associação, se a dislexia for identificada no pré-escolar “podem ser melhoradas as competências facilitadoras da leitura-escrita” e tornar o processo de aprendizagem mais efetivo e menos penoso para os alunos. “Esta ideia de identificar no pré-escolar não existe. O que existe, neste momento, é a crença de que a dislexia é uma dificuldade no ato de ler/escrever e como isso só começa no 1.º ano pressupõe-se que, no pré-escolar, não se pode falar de dislexia, o que corresponde à verdade, mas não invalida que se possam ler os sinais aos 5 anos e se possa trabalhar já nestas idades”, explica. Helena Serra defende ser possível perceber dificuldades “ainda no jardim de infância, através de jogos lúdicos”. “Qualquer sala usa atividades (memorização de canções, ritmo, direita e esquerda, ordenar uma história, reconhecer palavras que começam ou terminam com os mesmos sons) que evidenciam problemas característicos da dislexia quando a criança mostra dificuldades nesses aspetos, mas não há o conhecimento nem a obrigatoriedade de estar atento a essas crianças”, sublinha.A presidente da DISLEX acredita que os educadores, quando percebem que há crianças que falham nestas atividades, podem intervir de forma a trabalhar e “treinar o cérebro” ainda antes da entrada no 1.º ciclo. Segundo a responsável, este trabalho atempado assume uma grande importância porque o diagnóstico final só pode ser feito “já no decorrer do 1.º ciclo e a criança tem de apresentar dois anos com desníveis de leitura para se concluir que é mesmo disléxica”. “Não temos dúvidas que é no pré-escolar que o educador pode e deve agir com mais cuidado com as crianças, trabalhando e ginasticando o cérebro para as competências nas quais manifesta dificuldades características da dislexia”, afirma. Questionada pelo DN sobre a eventual necessidade de formação dos educadores de infância, a presidente da DISLEX afirma que os educadores conseguem identificar problemas, embora devesse haver “uma formação complementar para acrescentar conhecimentos que os habilitem a estarem atentos aos sinais”.“Há alunos que chegam ao ensino secundário sem saber que têm dislexia”Não é só a mudança no pré-escolar que Helena Serra procura ver aplicada. A responsável admite falhas do sistema escolar no diagnóstico e no acompanhamento dos alunos, sendo preciso “ um esforço maior nesta matéria”. “Há alunos que chegam ao ensino secundário sem saber que têm dislexia, nos casos menos graves da perturbação. São alunos que vão fazendo o seu percurso escolar com mais dificuldades, muitas vezes entendidas como preguiça ou falta de empenho. Ou seja, não são diagnosticados atempadamente, o que poderia minorar o problema”, explica. Para a presidente da DISLEX, o ideal seria haver, em cada agrupamento escolar, uma equipa especializada, composta por 2/3 professores, um psicólogo e um terapeuta. “Essa equipa poderia trabalhar nos primeiros sinais, avaliar a criança e atuar de forma célere”, garante. Embora a dislexia não tenha cura, a intervenção dos especialistas e professores consegue “melhorar a organização do cérebro”. Helena Serra reforça tratar-se de uma perturbação específica da leitura/escrita que “pode e deve ser trabalhada”.Segundo a associação, “a dislexia afeta 600 milhões em todo o mundo e é mais comum do que se julga, afetando caras mundialmente conhecidas que se destacaram na comunidade e que evidenciam o lado positivo da patologia, nomeadamente Einstein, Picasso, Da Vinci, Agatha Christie, Van Gogh, Churchill, Spielberg, Jamie Oliver, ou o judoca português, Nuno Delgado”. Medidas em vigorA legislação da Educação Inclusiva (Decreto Lei. n.º 54) prevê as medidas de que os alunos com dislexia devem beneficiar (universais e seletivas, de acordo com a gravidade do caso). Nos testes, por exemplo, não são penalizados pelos erros específicos e característicos da dislexia. Na avaliação externa, os alunos beneficiam da “Ficha A – Apoio” para classificação de provas e exames. Trata-se da única adaptação ao processo de avaliação que altera os critérios de classificação de provas e exames. Para além da aplicação da “Ficha A”, nas situações de dislexia moderada ou grave pode também ser autorizada a utilização de computador, a leitura de enunciados, a consulta de dicionário de língua portuguesa, enunciados em formato digital com figuras e a realização de exames em sala à parte.