O caso do médico que recebeu mais de 700 mil euros em dois anos com atividade cirúrgica adicional no Serviço de Dermatologia do Hospital Santa Maria levou a Inspeção Geral das Atividades em Saúde (IGAS) a instaurar uma auditoria global sobre esta matéria às 39 Unidades Locais de Saúde (ULS) e aos três institutos de oncologia (IPO). O objetivo era avaliar o peso da produção adicional, que é realizada fora do horário de trabalho e com incentivos, face à atividade programada, dentro do horário normal de trabalho e se esta é mesmo usada como “um instrumento excecional e complementar à atividade cirúrgica ou se tem vindo a ser acionada de forma sistemática e recorrente”.De acordo com o relatório final, divulgado nesta quinta-feira, dia 13, “concluiu-se que a produção adicional cirúrgica no SNS, muito embora seja definida como excecional e complementar à atividade assistencial regular, é utilizada sistematicamente como instrumento de promoção do acesso a cuidados de saúde”. Na esmagadora maioria dos hospitais, em cerca de 70%, “a produção adicional assume um peso igual ou superior a 30%, chegando mesmo aos 50% nalguns casos, da produção total, o que demonstra a utilização sistemática deste instrumento como forma de resposta às necessidades assistenciais não satisfeitas pela atividade regular das unidades de saúde”.Nas conclusões do documento, as Unidades Locais de Saúde (ULS) Amadora/Sintra, Trás-os-Montes e Alto Douro e Castelo Branco aparecem como sendo aquelas em que a produção adicional até ultrapassa os 50%. “A atividade cirúrgica representa mais de 50% da produção total, ou seja, a atividade realizada em produção adicional é superior à atividade regular realizada (produção base)”.Por outro lado, destaca, que, no período em análise, só duas ULS, das 42 entidades avaliadas, nomeadamente a da Guarda e Loures-Odivelas é que “não efetuaram contratualização interna com os serviços das várias especialidades”.Mas o recurso sistemático à produção adicional, cujos incentivos aos profissionais foram reforçados no período pós-pandemia para com o objetivo a recuperar as listas de espera, fez com que a despesa nesta área tenha disparado entre 2022 e 2024. Segundo a IGAS, nestes dois anos o valor pago em cirurgias adicionas atingiu mais de 600 milhões de euros (627 337, 595), representando “um crescimento de 51%” em relação a anos anteriores. Sendo as especialidades de Ortopedia e de Oftalmologia as que “têm maior peso no valor total a pagar por produção adicional, no conjunto das 42 entidades analisadas, representando 26% e 21%, respetivamente, no período em análise”.Embora não faça recomendações, já que a auditoria instaurada era de caráter exploratório, a IGAS sustenta que o processo de contratualização para esta atividade não é igual em todas as unidades do SNS e que dentro do mesmo hospital também varia entre serviços, o que quer dizer que as regras não são seguidas. “O processo de contratualização interna nas unidades hospitalares não segue um modelo transversal e obrigatório, sendo que, dentro das entidades, o mesmo também não é homogéneo”, destaca no documento, considerando até que as alterações que têm vindo a ser feitas em termos de remuneração a este tipo de atividade têm contribuído para o seu uso “sistemático”. No documento lê-se: “As sucessivas alterações aos diplomas legais que regulam o pagamento da produção adicional no Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente da produção cirúrgica, refletem a importância atribuída à produção adicional como instrumento de promoção do acesso a cuidados de saúde”.Recorde-se que a produção adicional tem vindo a ser realizada no âmbito do programa de gestão de listas de espera (SIGIC) - o qual há muito vinha a ser criticado, precisamente pelas situações detetadas de incumprimento das regras - mas que vai ser substituído pelo SINACC (Sistema Nacional de Acesso a Consultas e Cirurgias), aprovado em Conselho de Ministros a 22 de outubro e que se encontra em processo de promulgação pelo Presidente da República. Este sistema está já a ser testado em duas ULS do país e no IPO de Lisboa, estimando-se que esteja a funcionar em pleno só no próximo ano no SNS. A coordenadora do grupo que liderou esta reforma, Joana Mourão, disse ao DN que o objetivo base foi introduzir mais mecanismos de “transparência”, de "facilitação do processo", mas também mais “responsabilização” dos profissionais e dos utentes, estando este está preparado para identificar situações irregulares como inclusão de doentes fora de data.No seu relatório, a IGAS destaca o facto de não haver “uma gestão mais rigorosa e transparente desta atividade”..Dermatologia. IGAS arquiva processo disciplinar a médico de Santa Maria mas envia pagamentos para Ministério Público .Dermatologia. Ministério Público já anexou relatório da IGAS sobre médico de Santa Maria ao processo criminal