Regime para cirurgias adicionais existe desde 2004.
Regime para cirurgias adicionais existe desde 2004. FOTO: Arquivo Global Imagens

Cirurgias adicionais usadas “sistematicamente” nos hospitais. Representam 30% a 50% da atividade

Inspeção Geral das Atividades em Saúde revela em relatório que produção adicional já não está a ser um regime excecional na atividade total dos hospitais do SNS e que despesa cresceu 51% entre 2022 e 2024. Ortopedia e oftalmologia são as áreas com maior peso nesta fatura.
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O caso do médico que recebeu mais de 700 mil euros em dois anos com atividade cirúrgica adicional no Serviço de Dermatologia do Hospital Santa Maria levou a Inspeção Geral das Atividades em Saúde (IGAS) a instaurar uma auditoria global sobre esta matéria às 39 Unidades Locais de Saúde (ULS) e aos três institutos de oncologia (IPO). O objetivo era avaliar o peso da produção adicional, que é realizada fora do horário de trabalho e com incentivos, face à atividade programada, dentro do horário normal de trabalho e se esta é mesmo usada como “um instrumento excecional e complementar à atividade cirúrgica ou se tem vindo a ser acionada de forma sistemática e recorrente”.

De acordo com o relatório final, divulgado nesta quinta-feira, dia 13, “concluiu-se que a produção adicional cirúrgica no SNS, muito embora seja definida como excecional e complementar à atividade assistencial regular, é utilizada sistematicamente como instrumento de promoção do acesso a cuidados de saúde”.

Na esmagadora maioria dos hospitais, em cerca de 70%, “a produção adicional assume um peso igual ou superior a 30%, chegando mesmo aos 50% nalguns casos, da produção total, o que demonstra a utilização sistemática deste instrumento como forma de resposta às necessidades assistenciais não satisfeitas pela atividade regular das unidades de saúde”.

Nas conclusões do documento, as Unidades Locais de Saúde (ULS) Amadora/Sintra, Trás-os-Montes e Alto Douro e Castelo Branco aparecem como sendo aquelas em que a produção adicional até ultrapassa os 50%. “A atividade cirúrgica representa mais de 50% da produção total, ou seja, a atividade realizada em produção adicional é superior à atividade regular realizada (produção base)”.

Por outro lado, destaca, que, no período em análise, só duas ULS, das 42 entidades avaliadas, nomeadamente a da Guarda e Loures-Odivelas é que “não efetuaram contratualização interna com os serviços das várias especialidades”.

Mas o recurso sistemático à produção adicional, cujos incentivos aos profissionais foram reforçados no período pós-pandemia para com o objetivo a recuperar as listas de espera, fez com que a despesa nesta área tenha disparado entre 2022 e 2024.

Segundo a IGAS, nestes dois anos o valor pago em cirurgias adicionas atingiu mais de 600 milhões de euros (627 337, 595), representando “um crescimento de 51%” em relação a anos anteriores. Sendo as especialidades de Ortopedia e de Oftalmologia as que “têm maior peso no valor total a pagar por produção adicional, no conjunto das 42 entidades analisadas, representando 26% e 21%, respetivamente, no período em análise”.

Embora não faça recomendações, já que a auditoria instaurada era de caráter exploratório, a IGAS sustenta que o processo de contratualização para esta atividade não é igual em todas as unidades do SNS e que dentro do mesmo hospital também varia entre serviços, o que quer dizer que as regras não são seguidas. “O processo de contratualização interna nas unidades hospitalares não segue um modelo transversal e obrigatório, sendo que, dentro das entidades, o mesmo também não é homogéneo”, destaca no documento, considerando até que as alterações que têm vindo a ser feitas em termos de remuneração a este tipo de atividade têm contribuído para o seu uso “sistemático”.

No documento lê-se: “As sucessivas alterações aos diplomas legais que regulam o pagamento da produção adicional no Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente da produção cirúrgica, refletem a importância atribuída à produção adicional como instrumento de promoção do acesso a cuidados de saúde”.

Recorde-se que a produção adicional tem vindo a ser realizada no âmbito do programa de gestão de listas de espera (SIGIC) - o qual há muito vinha a ser criticado, precisamente pelas situações detetadas de incumprimento das regras - mas que vai ser substituído pelo SINACC (Sistema Nacional de Acesso a Consultas e Cirurgias), aprovado em Conselho de Ministros a 22 de outubro e que se encontra em processo de promulgação pelo Presidente da República. Este sistema está já a ser testado em duas ULS do país e no IPO de Lisboa, estimando-se que esteja a funcionar em pleno só no próximo ano no SNS.

A coordenadora do grupo que liderou esta reforma, Joana Mourão, disse ao DN que o objetivo base foi introduzir mais mecanismos de “transparência”, de "facilitação do processo", mas também mais “responsabilização” dos profissionais e dos utentes, estando este está preparado para identificar situações irregulares como inclusão de doentes fora de data.

No seu relatório, a IGAS destaca o facto de não haver “uma gestão mais rigorosa e transparente desta atividade”.

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