Carta aberta reivindica "ações efetivas contra o racismo no desporto"
Para marcar o Dia Internacional contra a Discriminação Racial, celebrado a 21 de março, 38 entidades assinaram uma carta aberta em que reivindicam "ações efetivas contra o racismo no desporto".
As organizações apelam "a todas as autoridades com competência para investigar, punir, prevenir e legislar de forma a criar uma nova realidade em Portugal no que diz respeito à prevenção e ao combate ao racismo no desporto". O documento foi criado pelo Grupo de Ação Conjunta contra o Racismo e a Xenofobia (GAC).
Na visão dos signatários, "as ações do Estado têm-se revelado absolutamente ineficazes" nesta matéria. De acordo com o último relatório da Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto (RAViD), divulgado em janeiro, das 752 condenações com aplicação de coima, 32 reportam-se a atos ou incitamento à violência, ao racismo, xenofobia e intolerância. Destas, 12 foram punidas com coimas, 14 com coimas com sanção acessória de interdição de acesso a recinto desportivo e seis com admoestação.
Por outro lado, o mesmo relatório indica que, em 2024, houve uma descida dos casos de “incitamento à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância”. O documento destaca 114 episódios, menos 67 do que os registados na época 2022-23 (181).
A carta destaca que, "os eventos desportivos tornam-se espetáculos indignos de um país democrático, onde a igualdade e a liberdade deveriam ser garantidas para todas as pessoas". São citados casos recentes, como o ocorrido no dia 9 de março durante o jogo de futebol entre o Boavista e o Vitória de Gumarães. O guarda-redes Bruno Varela foi alvo de insultos racistas vindos das bancadas. "[O caso] exige uma reação urgente por parte das entidades responsáveis", lê-se no documento.
É citado também o "caso Marega", ocorrido em fevereiro de 2020, quando o então jogador do FC Porto abandonou o campo devido a ataques racistas, além do jogador de basquetebol Ivan Almeida, que sofreu ataques racistas enquanto jogava no Benfica
O documento indica também que o racismo pode levar ao abandono da prática desportiva, especialmente em crianças e adolescentes. "É amplamente reconhecido o impacto da violência racista na vida e na saúde mental de crianças e jovens, o que, muitas vezes, leva ao abandono da prática desportiva".
Os signatários acreditam que "a ascensão da extrema-direita em Portugal tem intensificado os ataques racistas na sociedade e os eventos desportivos tornaram-se, muitas vezes, palcos onde as crenças racistas se manifestam de forma explícita". Como medidas, propõem "jogos à porta fechada, proibição de transmissão televisiva, exclusão de competições desportivas, sanções pecuniárias elevadas, criação de um canal de denúncias eficaz".
A carta apela que "todos os agentes desportivos - clubes, atletas, equipas técnicas, árbitros e entidades responsáveis - que condenem, sem reservas, todos os comportamentos racistas em eventos desportivos, independentemente da modalidade ou escalão". É considerado "urgente que as entidades se posicionem de forma inequívoca, condenando os atos racistas e implementando medidas concretas de combate ao racismo no desporto e na sociedade em geral. A criminalização de todos os ataques racistas será a única forma de travar o ódio discriminatório que invade os eventos desportivos".
Alteração na lei
É citado que, apesar de o artigo 240º do Código Penal punir as práticas discriminatórias, "legislação portuguesa falha ao admitir que, se os insultos racistas não forem proferidos publicamente através de meios destinados à divulgação (como transmissões televisivas), sejam apenas tratados como contraordenações. Esta lacuna legal enfraquece a resposta do Estado e perpetua a impunidade".
A carta lembra que está aberta uma Iniciativa Legislativa Cidadã para criminalizar "todas as práticas discriminatórias", como racismo e xenofobia, que pode vir a preencher "este vazio legislativo é uma demonstração clara de racismo institucional, refletindo a omissão do Estado português em legislar de forma mais contundente".
Em três meses de iniciativa, foram reunidas mais de 4.500 assinaturas. Para que a Assembleia da República analise a proposta é necessário reunir 20 mil assinaturas no total, ou seja, faltam 15.446 apoiantes.
amanda.lima@dn.pt