O incêndio que começou há mais de uma semana, no dia 13 de agosto, à volta da aldeia de Piódão, em Arganil, continua a abrir caminho entre o Fundão e a Covilhã - com consequências como a destruição de pelo menos uma habitação permanente -, deixando, de acordo com dados provisórios do Sistema de Gestão de Informação de Incêndios Florestais (SGIF), a que a Lusa teve acesso, mais de 47 mil hectares de área ardida. Ao DN, o presidente da Liga de Bombeiros Portugueses (LBP), António Nunes, numa conversa que antecedeu o podcast Soberania, que será publicado na sexta-feira, considera que “houve descoordenação” no combate aos incêndios. Entretanto, na sequência da reportagem do DN que incidiu sobre as chamas que consumiram, no passado fim de semana, parte da Lousã e Arganil, uma fotografia de há 20 anos, do fotojornalista José Carlos Carvalho, mostra como a história se repete, no mesmo local - a aldeia de Gramaça -, com as mesmas consequências. “Que sirva para alertar que realmente as coisas acontecem e podem voltar a acontecer”, diz.Há cinco dias, o fotojornalista do DN Leonardo Negrão sentiu o impulso de parar enquanto perseguia incêndios na Serra do Açor, perto de Piódão, e de embalsamar a imagem da aldeia de Gramaça, que, ao longe, mostrava o contraste entre a sobrevivência das casas aparentemente intactas e, à volta, a devastação deixada para trás pelo incêndio que tinha começado ali perto cinco dias antes..Através das redes sociais, José Carlos Carvalho, que há 20 anos tinha captado para o DN o mesmo momento, com o mesmo rasto de destruição ignescente, disse ter ficado “arrepiado” com a imagem agora captada pelo seu antigo camarada de redação. Parecem réplicas do mesmo momento e poderiam ter sido capturadas com um intervalo de segundos. Porém, a primeira foi tirada no dia 22 de julho de 2005. A segunda, no dia 17 de agosto de 2025.José Carlos Carvalho acaba por ficar com mais perguntas do que respostas perante a coincidência dos momentos, cujas variáveis se conjugaram para deixar para a posteridade duas fotografias improváveis, dada a semelhança.“Como é que 20 anos depois isto se repete? Apesar de tudo, há alguma sorte naquela aldeia. Aquelas pessoas, que ao fim destes 20 anos já tinham a sua vida organizada, e aquela vegetação já tinha crescido outra vez, levam exatamente com a mesma situação”, oscila José Carlos Carvalho, antes de concluir que em Gramaça, em ambos os momentos, “houve um controlo não só da população, mas também dos bombeiros para proteger a aldeia”.“Falha na política de resolução dos fogos”O presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, António Nunes, lembrou ao DN que a instituição que representa votou contra a Diretiva Operacional Nacional que estabelece o Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais (DECIR), aprovada em abril deste ano, “porque, nos aspetos organizativos e logísticos, está errada”.António Nunes, para explicar esta ideia, começa por considerar “que tem havido uma falha na política de resolução dos fogos de uma forma integrada”, principalmente porque, sublinha, “há sete ou oito anos, com as alterações climáticas, o mundo mudou. E parece que as pessoas não tiveram essa perceção.”Portanto, agora, o representante dos bombeiros prevê, em tom de crítica, que o resultado vai dividir-se em três elementos: “um relatório de lições aprendidas”, a defesa de que “isto foi muito mau, mas podia ter sido pior”, e a promessa de que “vamos mudar.”António Nunes, em alusão a 2017, quando aconteceu o incêndio em Pedrógão Grande, que matou mais de 100 pessoas, afirma que “foi um aviso da natureza”, que realçou que a forma como estávamos “preparados para enfrentar os incêndios florestais não serve”. De acordo com o líder da LBP, esta falta de preparação acontece “pelo estado da floresta”, “pela mentalidade das nossas comunidades” e “pela forma como o Estado reage” ao risco de incêndios.Depois de 2017, lembra António Nunes, “produziu-se um relatório” que deu origem à Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, I.P. (AGIF), “que mais ou menos nos quis fazer acreditar que, se cumprido tudo aquilo que estivesse no relatório e sob a batuta de uma organização supra de agências, seria possível fazer uma inversão do custo da forma do combate por oposição à prevenção. Erro total”, observa, enquanto aponta o problema de base: “para alterar a nossa floresta, precisamos de 10, 15, 20 anos. Até pelo crescimento das espécies.”Para além de tudo isto, continua o presidente da LBP, à equação juntam-se as tradições das populações, que em determinada altura implicam foguetes, e a desertificação das aldeias, que dificulta a manutenção dos terrenos rurais. Por tudo isto, defende, “é preciso mudar mentalidades”, a começar por uma ideia de base do relatório, que defendia a prevalência na prevenção e menos no combate - “e bem”, diz António Nunes - , apesar de afirmar que não o faz da maneira certa.“Diminuímos o combate para continuarmos com a prevenção”, aponta o líder da LBP, destacando um efeito desastroso: “Aumentou-se a prevenção e abandonou-se o combate.”“As metodologias que foram usadas, ou continuam a ser usadas, provavelmente não previram aquilo que se devia ter previsto: que o fogo ia ser mais intenso, mais rápido, e que as florestas estavam mais secas. Toda a gente fala nas temperaturas, mas esquece que a pior coisa que pode acontecer para os incêndios é o vento”, defende.Sobre a ideia de “que temos o maior efetivo de aviões”, António Nunes diz que “é um mito. Os aviões não servem para nada. Servem para incêndios de um dia ou dois. É inadmissível. Para mim, pior do que a área ardida, é permitir que haja em Portugal incêndios de 11 dias”, até porque, completa, “a dimensão do nosso território não o permite. Nós não estamos nos Estados Unidos ou no Canadá.” Portanto, conclui, “isto só quer dizer que houve descoordenação, incapacidade das forças de combate, sejam elas aéreas, terrestres. Houve incapacidade de interconexão entre agências e houve incapacidade de dar uma resposta às populações”, e tudo isto sem um rosto da Proteção Civil.“Eu quero saber quem é o responsável pela coordenação estratégica do combate aos incêndios”, pede, de forma retórica.Montenegro ouvido no ParlamentoA Assembleia da República, depois de uma reunião extraordinária da Conferência de Líderes, a propósito dos incêndios, aprovou ontem a audição do primeiro-ministro na Comissão Permanente - o órgão que substitui o Parlamento nas interrupções das sessões legislativas -, depois das propostas nesse sentido submetidas pelo Chega e pelo PCP.De acordo com as declarações do presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, Luís Montenegro “manifestou, ele próprio, a intenção de estar” naquela sessão onde será escrutinado pelo povo português.“Noutros momentos passados, onde houve situações também dramáticas, não aconteceram estes debates desta natureza aqui na Assembleia. Portanto, acho que é louvável, é positivo que se possa no parlamento fazer este debate e na próxima semana assim aqui todos estaremos para o mesmo”, acrescentou Aguiar-Branco, depois de questionado sobre se considerava que esta discussão deveria ter acontecido mais cedo..Incêndios de Arganil e Lousã. Um retrato do dia em que “parece que o Diabo andou por ali”.“Reflexão” com fogo sem controlo na Covilhã e “horas difíceis” em Espanha