As pegadas culturais dos macaenses em Macau
Estima-se que haja mais de 10 mil macaenses com ascendência luso-chinesa em Macau. Embora representem uma pequena parcela da população total, são uma componente essencial da História singular e do património multicultural desta cidade. Eu, como membro desta comunidade única, cresci numa família de raízes mistas - entre Oriente e Ocidente -, que trouxe muita cor e diversidade à minha infância.
O meu avô paterno, português, foi um conhecido advogado em Macau. No entanto, não guardo muitas memórias diretas dele; a impressão que tenho do avô foi formada a partir de fotografias antigas e das histórias que o meu pai me contou. Nas fotos, vejo um homem de feições europeias, elegante e distinto, como um cavalheiro saído de um filme.
A minha avó, por outro lado, era chinesa, o que deu ao meu pai uma ascendência meio portuguesa e meio chinesa. Já a minha mãe é chinesa de origem. Então, só tenho um quarto de ascendência lusitana, mas os traços culturais desta mistura ainda são visíveis no meu rosto. Curiosamente, quando uso óculos, pareço mais asiático. Por isso, quando digo que sou macaense, há quem não acredite à primeira vista. Porém, ao tirar os óculos, as características físicas da fusão entre Oriente e Ocidente tornam-se imediatamente evidentes.
No quotidiano, os vestígios da combinação entre as culturas chinesa e portuguesa estão por todo o lado em Macau. Durante o Festival do Meio Outono, apreciamos as tradicionais lanternas vermelhas e comemos Bolos de Lua, enquanto no Dia de Camões, a 10 de junho, também organizamos festividades animadas. Prestamos homenagem aos nossos antepassados não só no Dia de Finados, seguindo a tradição católica, mas também no Dia Qingming, o festival chinês dedicado à memória dos falecidos. Durante o Ano Novo Chinês, visitamos familiares e amigos, oferecendo o lai si (envelopes vermelhos); em contraste com o Natal, quando montamos a árvore ao modo Ocidental e aguardamos ansiosos pelos presentes do Pai Natal.
A gastronomia é uma parte fundamental das nossas vidas. Um dos meus doces favoritos é o genete (um biscoito feito com fécula de milho, ovos e manteiga, conhecido em chinês como Biscoito de Lagarta). Embora nunca esqueça a sua textura crocante e como se desfaz na boca, quando era pequeno, esquecia-me frequentemente do seu nome e, por causa do aspeto peculiar do biscoito, costumava chamar-lhe Biscoito do Baby Bicho ou Biscoito do Bichinho. Essa confusão, provocada pela semelhança fonética e pelo aspeto engraçado desta comida, fazia os meus pais e familiares rirem às gargalhadas.
No convívio familiar ou entre amigos, os macaenses misturam espontaneamente o cantonês com expressões em português. Por exemplo, quando quero dizer que não tenho dinheiro, digo: “Ngo (‘eu’ em cantonês) não tem massa.” Esta fusão linguística tornou-se um hábito natural, mas para quem não conhece o português, pode soar confuso e divertido.
Em 1999, quando Macau se preparava para a Transferência de Poderes para a China, como macaense, senti alguma incerteza sobre o futuro. Mas o meu pai assegurou-me: “Não te preocupes, o futuro será melhor.” E ele estava certo.
Desde o estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, os valores de inclusividade e abertura contidos no princípio de “um país, dois sistemas” têm sido preservados: o português manteve-se como uma das línguas oficiais, os edifícios históricos de estilo português foram cuidadosamente preservados, e os macaenses continuaram a valorizar os seus costumes e tradições culturais.
Muitos jovens optam por estudar em Portugal, enquanto outros, graças à sua competência bilingue em chinês e português, destacam-se em profissões relacionadas com a advocacia, tradução e Função Pública.
Macau é a nossa casa, e onde quer que estejamos, nunca nos esquecemos dela. O Encontro das Comunidades Macaenses, realizado em Macau a cada três anos, é uma ocasião especial em que os macaenses espalhados pelo mundo regressam à terra natal em busca das suas raízes.
Há pouco tempo, uma prima distante, que vive na Suíça, entrou em contacto com os meus familiares em Macau através das redes sociais, enviando antigas fotografias da nossa família. Ao ver aquelas imagens, senti-me profundamente emocionado. Recentemente, ela veio a Macau com a mãe para nos visitar, e esse reencontro deu-me uma sensação de proximidade familiar que ultrapassou continentes. Foi um momento único e comovente.
Se tiver oportunidade, gostaria de visitar Portugal e outros países lusófonos para aprofundar o meu conhecimento sobre as culturas locais e explorar as ligações históricas e culturais com Macau. Embora a minha família tenha imigrado para Macau já há muito tempo, desde a geração do meu bisavô, e os nossos familiares portugueses agora estejam espalhados pelo mundo, ainda mantenho um forte interesse e carinho pelos países de língua portuguesa. Também espero que os amigos lusófonos visitem Macau, e tenham oportunidade de vivenciar esta fusão única e harmoniosa entre as culturas Oriental e Ocidental.
Macau foi sempre uma ponte entre o Oriente e o Ocidente, e acredito que, no futuro, continuará a desempenhar este papel essencial, estreitando ainda mais os laços entre a China e o mundo lusófono e promovendo uma compreensão mútua.
Como diz um antigo ditado popular macaense: “Aquele que bebe da água do Lilau, jamais esquecerá Macau.” Acredito que, se visitar Macau, ficará impressionado e até apaixonado por esta cidade - tão pequena, mas única, inclusiva e hospitaleira.
Texto de José Chan Rodrigues
Vice-presidente da Associação dos Jovens Macaenses
INICIATIVA DO MACAU DAILY NEWS