Para António Vitorino,
Para António Vitorino,Foto: Leonardo Negrão

António Vitorino. "É mais fácil culpar os imigrantes disto tudo do que assumir que são os problemas nossos"

Ex-diretor da Organização Internacional das Migrações (OIM) foi um dos oradores da conferência “Observatório das Migrações: Caminhos para o Futuro”.
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"É mais fácil culpar os imigrantes por tudo isto do que assumir que se trata de problemas nossos, portugueses, enquanto sociedade, de forma coletiva". Esta é uma das reflexões de António Vitorino, um dos intervenientes da conferência “Observatório das Migrações: Caminhos para o Futuro”, realizada para assinalar o Dia Internacional das Migrações.

No painel “Observar o Presente, Preparar o Futuro: Migrações e Estratégias Públicas”, o antigo diretor da Organização Internacional das Migrações (OIM) afirmou que os problemas de Portugal não estão relacionados com a presença de imigrantes. Vitorino apontou questões mais profundas que permanecem latentes na sociedade atual.

“Nós temos um elevador social que não funciona, as pessoas deixaram de acreditar que as novas gerações viverão melhor do que as anteriores. Nós temos um sistema educativo que não é verdadeiramente a alavanca da igualdade de oportunidades, como foi no passado. Nós temos um sistema de acesso a serviços públicos, designadamente na habitação, que é profundamente desigualitário”, enumerou. Por isso, considera que é necessário resolver as causas profundas destas questões.

Sem essa resolução, afirma, até a “mais perfeita das políticas migratórias falharia”. Rui Marques, ex-alto comissário para a Imigração e Diálogo Intercultural, outro dos intervenientes do painel, concorda. “Vale a pena ir às séries históricas mais antigas e perceber o que é que existia na saúde e na imigração antes deste número de imigrantes”, referiu.

Ao mesmo tempo, António Vitorino defende que é preciso mudar a narrativa da sociedade. “É preciso que se reconstrua na sociedade a convicção de que temos um sistema migratório que é justo, eficaz e capaz de responder à pressão e à integração”, sublinha.

Além disso, defende também que Portugal precisa de um sistema de retorno eficaz. “É muito importante compreender que uma política de retorno credível e eficaz é imprescindível para criar, na comunidade de acolhimento, confiança no sistema. Porque, sem essa componente, não é possível credibilizar um sistema de gestão migratória junto das comunidades de acolhimento”, explica.

No entanto, alerta para a forma como estas políticas são construídas e comunicadas. “Se nós não tivermos capacidade de implementar uma política de retorno, não há diferença entre imigração regular e imigração irregular. Outra conversa é como é que se aplica esta política de retorno”, ressalva.

Rui Marques volta a ver a situação de forma semelhante. “Se eu estou sempre a acentuar a imigração como um problema, a imigração como uma ameaça, a imigração como algo que vai gerar escassez de recursos para os portugueses, em vez do contrário, mesmo que esteja bem-intencionado no controlo das fronteiras, estou a gerar mais hostilidade da sociedade portuguesa face à imigração”, avalia.

Rui Marques destaca que é preciso reencontrar a “coesão social” e transformar a atual “hostilidade em hospitalidade”.
Rui Marques destaca que é preciso reencontrar a “coesão social” e transformar a atual “hostilidade em hospitalidade”.Foto: Leonardo Negrão

. Rui Marques destaca que é preciso reencontrar a “coesão social” e transformar a atual “hostilidade em hospitalidade”.

O antigo alto comissário recordou que “durante muito tempo, em Portugal, foi possível construir uma enorme paz social neste domínio”, um cenário hoje diferente, acrescentando “que antes não tínhamos uma força de extrema-direita como temos hoje”. Rui Marques destaca que é preciso reencontrar a “coesão social” e transformar a atual “hostilidade em hospitalidade”.

Esta conferência realizou-se na Culturgest e marcou o regresso das atividades públicas do Observatório das Migrações, que tem como diretor científico o investigador Pedro Góis. Os painéis abordaram também estatísticas e experiências de outros observatórios pelo mundo, como os do Brasil e do Reino Unido.

amanda.lima@dn.pt

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