A reitora do Instituto Universitário de Lisboa (Iscte), Maria de Lurdes Rodrigues, e o vice-reitor, Jorge Costa, propõem o lançamento de um programa nacional de recuperação e melhoria das aprendizagens dos alunos do ensino secundário, envolvendo as escolas e as instituições de ensino superior, mobilizando professores e estudantes do ensino superior.A preocupação dos responsáveis é clara: “Milhares de jovens estão a ser deixados para trás.” “Este ano aumentou muito o número de estudantes impossibilitados de ingresso no ensino superior devido aos resultados dos exames”, sublinha Maria de Lurdes Rodrigues, em declarações ao DN. Para a reitora, “um aluno que não conclui o secundário e não tem uma profissão vai enfrentar muitas dificuldades no mercado de trabalho”. “Em acumulado, nos últimos anos, são milhares de jovens nessa situação”, alerta.Segundo a responsável, os exames nacionais, suspensos desde 2019, e que regressaram em 2025, provocaram uma redução significativa no número de candidatos ao Concurso Nacional de Acesso (CNA). Recorde-se que no ano letivo 2024-2025 entraram em vigor as novas regras para a conclusão do ensino secundário, tornando obrigatória a realização de três exames nacionais. Apesar da diminuição “acentuada” de candidatos ao ensino superior, a reitora rejeita a ideia de falha no sistema. “Não acho que tenha falhado nada. Em 2018 já havia milhares de jovens que não concluíam o secundário. Este ano o problema foi apenas reavivado”.Maria de Lurdes Rodrigues relembra também a extensão da escolaridade obrigatória, aprovada em 2009 e concretizada em 2013. “É muito urgente olhar para o que se está a passar quanto aos efeitos da escolaridade obrigatória até aos 18 anos. Não há um acompanhamento dos alunos que, chegando aos 18 anos, não concluem com êxito o secundário. Precisamos de saber os efeitos, os resultados e os impactos dessa escolaridade obrigatória”, conta. Contudo, afirma, “o objetivo de manter os jovens na escola até aos 18 anos não pode ser posto em causa”. “Não devemos rever a escolaridade obrigatória. O objetivo é proporcionar aos jovens várias opções, profissionais ou vocacionais, e esse é um objetivo que Portugal não pode perder de vista. O que precisamos é encontrar formas de aumentar o êxito, reduzir o insucesso e não desistir do ensino secundário. A escolaridade obrigatória foi um passo essencial para combater as baixas qualificações do país, mas agora é preciso avaliar os seus efeitos e agir em conformidade”, explica. Para a responsável, o ponto crítico está na avaliação. “Não podemos ter exames com exigências estratosféricas. Matemática não pode variar três valores em três ou quatro anos, até porque os alunos não mudam. Algo está a falhar na forma como medimos os conhecimentos”, esclarece.As quatro propostas do IscteNo documento entregue ao Governo e à Assembleia da República, os reitores avançam com quatro medidas principais: criar programas de recuperação de aprendizagens para alunos que chumbaram nos exames ou não concluíram o secundário; permitir que as duas chamadas de exames (1.ª e 2.ª época) contem para a 1.ª fase do CNA; garantir controlo de qualidade e comparabilidade entre exames anuais, à semelhança de testes internacionais como o PISA e antecipar a divulgação de dados sobre reprovações e conclusões, evitando que as medidas cheguem apenas no ano seguinte.Maria de Lurdes Rodrigues acredita que a Academia irá mobilizar-se para apoiar os estudantes, até porque, “muitas instituições já têm formações de microcréditos, anos zero ou parcerias com escolas secundárias”. “Tenho a certeza de que estarão empenhadas em participar. Além disso, ficaram com vagas por preencher este ano, pelo que também têm interesse em atrair estes jovens”, adianta. E existem, segundo a reitora, recursos no sistema que podem ser aproveitados. “Hoje o país tem uma oferta significativa de formações pós-secundário, como Cursos de Especialização Tecnológica (CET). Mas é preciso financiamento adicional, canalizado para os alunos que ficaram pelo caminho”, refere.Urgência de medidas imediatasA reitora alerta que o problema não pode esperar por estatísticas do próximo ano. “Se queremos mudar no próximo ano, era preciso começar já. Se só vamos saber quem reprovou este ano no próximo ano letivo, será tarde demais. Estes jovens ficam abandonados ou a repetir o ano com a mesma matéria”, alerta Maria de Lurdes Rodrigues. Sem medidas imediatas, diz, o risco de repetir a quebra de candidatos em 2026 e 2027 é grande. “O que eu esperava era que algo acontecesse já para que no próximo ano não voltasse a diminuir o número de alunos que ingressam no ensino superior. Se não houver mudanças, vai voltar a acontecer”, garante.Sobre eventuais críticas de que estas medidas possam ser vistas como uma forma de “facilitar” o acesso ao ensino superior e baixar a exigência, Maria de Lurdes Rodrigues afirma não defender o fim dos exames, porque são “um instrumento essencial para uma avaliação externa da qualidade das aprendizagens, permitindo mitigar desigualdades entre escolas”. Os reitores pretendem evitar que as provas se transformem num fator de exclusão e abandono, empurrando milhares de jovens para o mercado de trabalho sem qualificações.