Ministério Público expõe dados pessoais de chefes das secretas

Ex-número dois do SIS avançou com queixas aos Conselhos Superiores
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O processo dos vistos gold continua a provocar atritos entre o Ministério Público/Polícia Judiciária e os Serviços de Informações. Desta vez, envolvendo o próprio secretário-geral do Sistema de Informações da república Portuguesa (SIRP), Júlio Pereira. O responsável máximo pelas secretas pediu ao Ministério Público que fosse retirado do processo um dossiê com dados pessoais, mas a procuradora Susana Figueiredo entendeu que "um processo penal democrático deve espelhar todos os atos de investigação levados a cabo no inquérito, não sendo admissível o desmembramento administrativo de investigações legais".

Foi a 10 de fevereiro que Júlio Pereira fez chegar um requerimento ao processo, pedindo a consulta do mesmo de forma a "averiguar" se existiam nos autos "informações pessoais" sobre si. Depois de ter tido acesso às centenas de volumes, o secretário -geral do SIRP, em novo requerimento, afirmou ter constatado informação sobre a sua pessoa, "relativa a data de nascimento, bilhete de identidade, carta de condução, número de identificação fiscal, residência habitual, registo automóvel, identificação do cônjuge, funções exercidades e local de trabalho". No mesmo documento, o chefe dos espiões considerou tal recolha de dados "manifestamente ilegal".
Júlio Pereira argumentou que não existe no processo "nenhum indício" de qualquer envolvimento seu nos factos investigados - corrupção, tráfico de influências, branqueamento de capitais, entre outros.

Por isso, pediu a retirada de tais elementos dos autos, criticando a "falta de sensatez" da Polícia Judiciária, que numa informação o associou a António Figueiredo, ex-presidente do Instituto dos Registos e Notariado, acusado de 12 crimes pelo Ministério Público.

A resposta da procuradora foi quase imediata. Num longo despacho, Susana Figueiredo começou por dizer que tais elementos não estavam cobertos pelo conceito de reserva da vida privada. E que os mesmo só foram incluídos, porque a certa altura se suspeitou da ingerência dos serviços de informações na investigação dos vistos gold, sobretudo quando operacionais do Serviço de Informações e Segurança (SIS) e o seu ex-diretor, o juiz desembargador Horácio Pinto, foram vigiados pela Judiciária a fazer um "varrimento" à procura de escutas ambientais no gabinete do ex-presidente do Instituto dos Registos e Notariado. "No caso concreto, foram tidos como verificados os factos integradores de suspeitas da prática de actos susceptíveis de, em abstrato, consubstanciar a comissão de crimes de favorecimento pessoal por funcionário", sendo que, recordou a magistrada, foi extraída uma certidão para averiguar a conduta de Horácio Pinto, mais tarde arquivada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

A magistrada do Ministério Público disse ainda que a inclusão no processo da recolha de dados sobre Júlio Pereira também decorreu do facto de António Figueiredo se referir ao chefe das secretas como um dos "aliados" para tentar apurar se estava ou não a ser investigado. Recusando retirar dos autos os elementos recolhidos, Susana Figueiredo referiu que, no fim do segredo de justiça, deve ser "possibilitado o livre acesso e o escrutínio público das investigações, quer por parte de sujeitos processuais, quer por parte de terceiros que nisso revelem interesse legítimo".

Júlio Pereira é que poderá não estar satisfeito. Ontem, contatado pelo DN, o secretário-geral do SIRP não quis adiantar se irá tomar mais alguma medida, não excluindo porém que o possa fazer. Quem já o fez foi José Luciano Correia de Oliveira, antigo diretor-adjunto do SIS, que também foi "investigado" nos vistos gold, dadas as suas relações também com António Figueiredo. Atualmente em Macau, o antigo espião disse ao DN ter feito uma participação ao Conselho Superior da Magistratura e ao Conselho Superior do Ministério Público para que estes órgãos apreciam as condutadas do juiz Carlos Alexandre e da procuradora Susana Figueiredo.

A 8 de abril, o juiz Carlos Alexandre vai anunciar quem, dos 17 arguidos - entre os quais Manuel Palos, ex-diretor do SEF e Miguel Macedo, ex-ministro - seguirá para julgamento.

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