As declarações de Pedro Passos Coelho sobre a imigração "são coerentes" com aquilo em que acredita e seguem uma "linha de realismo político" que norteia "há muito" o antigo primeiro-ministro.Em causa estão as afirmações do antigo governante (que chefiou o Governo entre 2011 e 2015) na apresentação do livro Introdução ao Liberalismo, da autoria de Miguel Morgado, onde disse que "se tudo se mantiver como está com o reagrupamento familiar e por aí fora, bem, qualquer dia também acontecerá cá aquilo que acontece noutras sociedades em que as pessoas, os nacionais, as pessoas que fazem parte daquela sociedade, se sentem estrangeiras na sua própria terra"..Passos Coelho avisa que portugueses vão sentir-se estrangeiros na própria terra se imigração crescer mais.Ouvido pelo DN, o historiador Jaime Nogueira Pinto explica que não ficou surpreendido com o que foi dito por Passos Coelho que, no seu entender, abordou uma "questão central na Europa e em Portugal". Apesar de reconhecer que o Chega "teve mérito de ser pioneiro na crítica", Jaime Nogueira Pinto destaca que "Pedro Passos Coelho pensa" desta forma há alguns anos. "Noutros casos, pode haver pessoas ou políticos que falam na questão para não deixar ao Chega o monopólio da posição crítica, mas julgo que Pedro Passos Coelho já pensa assim de forma independente", acrescenta o historiador.Esta questão da coerência é também destacada por José Pedro Zúquete, investigador no Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa. Para o académico, as declarações "não espantam", uma vez que no passado Passos já tinha falado no tema. "Há uns anos, as pessoas estavam em silêncio ou apoiavam a política de imigração. Passos falou quando era difícil e o assunto estigmatizava. Não é inesperado ou surpresa que fale no tema agora. Revela coerência", analisa.."Passos Coelho reconheceu que as 'linhas vermelhas' não vão durar muito tempo e isso só lhe fica bem."Jaime Nogueira Pinto, historiador.Para Jaime Nogueira Pinto, o também antigo líder do PSD "é um homem inteligente", capaz de "ver os tempos e os modos das ideias e das suas consequências políticas", num tempo de mudança "profunda" tanto na Europa como na América. Com isto, diz o historiador, "há uma vaga identitária a revolucionar as forças políticas do sistema" e Portugal não é exceção. "As 'linhas vermelhas' não vão durar muito tempo, há quem entenda isso e há quem por ideologia ou estupidez não queira ver. Pedro Passos Coelho reconheceu-o e só lhe fica bem", remata. José Pedro Zúquete concorda com estas transformações, dizendo que "o espírito do tempo mudou" e as "pessoas sentem-se mais à vontade para falar do que que lhes vai na cabeça, para apontar a certas dinâmicas". "Houve uma altura em que as pessoas que falavam destes temas eram vistas quase como criminosas", destaca. Ainda assim, o investigador do ICS relembra que Pedro Passos Coelho "no passado já falava sobre isto e acabou a ser acusado de xenofobia e racismo, não só pela esquerda radical como pelo próprio PS". No entanto, passados alguns anos desde as mexidas na imigração (entretanto já modificadas pelo atual Governo), "a questão já ultrapassa a esquerda e a direita. Há pessoas a falar sobre a questão abertamente".."Passos falou quando era difícil e o assunto estigmatizava. [Falar agora] não surpreende e revela coerência."José Pedro Zúquete, investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.José Pedro Zúquete considera que "uma boa parte do povo da esquerda, quer mais popular, patriota, enraizado, não se reconhece nas mudanças demográficas nas suas comunidades e dá valor à coesão social e comunitária". "Quando não se reconhece nas suas elites, esse povo muda de barco", diz o investigador, justificando que essa mudança é "visível" nos resultados das legislativas de maio deste ano."As pessoas sentem-se inseguras, ameaçadas, desorientadas"Na apresentação do livro de Miguel Morgado (que foi assessor político de Passos Coelho), o antigo líder social-democrata fez uma intervenção sobre o liberalismo. Segundo essa ideologia política, "não devia haver nenhum problema em que as pessoas se sentissem estrangeiras na sua própria terra", ironizando de seguida que seriam consideradas "cosmopolitas", o que "era ótimo". Há no entanto um problema: "As pessoas sentem-se inseguras, ameaçadas, de certa maneira desorientadas, desconfiadas… Tudo aquilo que são características muito humanas e que, em circunstâncias normais, não valem grande coisa, em ambientes destes, as coisas podem descambar."Com isto aproveitou para criticar o antigo primeiro-ministro António Costa, dizendo que os governos socialistas liderados pelo agora presidente do Conselho Europeu tinham um princípio: "Deixa entrar. Isto é para ser assim e não pergunto nada a ninguém."Segundo Passos, este era o discurso que Costa tinha para os "quadros superiores" do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), entretanto extinto. Quando estes cargos alertavam que "estavam a perder o controlo" sobre a imigração, que estava "a entrar muita gente" que nem se sabia "quem era" e sem ser pedido um "certificado criminal", António Costa diria (segundo Passos Coelho): "Isto é mesmo assim, está a perceber? Não pense que é um acaso. É mesmo para isso, é para meter essas pessoas cá dentro. Isto é para prosseguir.".Passos Coelho defende fim de linhas vermelhas ao Chega. Montenegro diz que tema de alianças “é ruído”