"As pessoas que mais se abstêm tendem a apresentar uma maior propensão a posicionar-se à direita do espectro político”, sustenta João Cancela, coautor do estudo intitulado Abstenção Eleitoral em Portugal - Mecanismos, Impactos e Soluções, que hoje chega aos escaparates sob a chancela da Fundação Francisco Manuel dos Santos. O documento, elaborado também por José Santana Pereira, revela que os eleitores que tendencialmente se abstêm também “são significativamente mais favoráveis à redução de impostos” do que os que vão sempre às urnas e são também “significativamente menos contrários ao aumento da despesa e da dívida municipais do que os votantes assíduos”.Também são os abstencionistas ou votantes intermitentes os que são “mais favoráveis à representação por parte de um cidadão comum”, para além de serem menos propensos a “considerar que são as legislativas as eleições que mais impactam a sua vida”.“Ainda assim, no que toca à posição numa série de assuntos mais concretos, como por exemplo sobre qual deve ser o equilíbrio entre setor público e setor privado ou sobre se a imigração é benéfica para o país ou se deve privilegiar o ambiente ao crescimento económico, não encontrámos diferenças significativas entre abstencionistas e pessoas que tendem a votar mais”, conclui João Cancela..O documento também aponta que não há diferenças em termos de participação eleitoral entre pessoas que consideram que casais homossexuais podem adotar e pessoas que acham o oposto.No fundo, o documento traz propostas de respostas a perguntas como: “Qual a dimensão da abstenção e que fatores influenciam a decisão de não votar?”.Como elementos que distinguem este trabalho de outros que foram desenvolvidos em torno do mesmo tema, os investigadores sublinham o facto de conter “dados quantitativos e qualitativos”, na mesma medida em que olha para “diferentes tipos de eleições”, analisa “preferências de eleitores que tendem a votar e de eleitores abstencionistas” e confronta os inquiridos com perguntas sobre “os impactos da abstenção”.De acordo com as explicações que João Cancela deu na apresentação do documento, o estudo traça um perfil da abstenção e permite concluir que “há uma importância muito grande do dever cívico, da carga moral associada ao ato de votar”.Para o investigador da Universidade Nova de Lisboa, “esta carga moral do voto está assimetricamente distribuída na sociedade” e há grupos que tendem a sentir uma “forte propensão para sentir culpa quando não se vota”. Na lista de eleitores que transportam esta obrigação de ir às urnas, “o impulso moral para votar” é mais sentido entre as “pessoas mais velhas, as pessoas que frequentam mais cerimónias religiosas, as pessoas com níveis mais altos de educação e pessoas que não pertencem a minorias e que não adquiriram uma nacionalidade recentemente”..Num sentido diferente, entre os abstencionistas, os investigadores dizem ter encontrado um “peso considerável das barreiras materiais ao voto, nomeadamente a distância a que se vive do local onde está recenseado”. João Cancela e José Pereira Santana também identificaram, a partir das conversas que tiveram com eleitores e com representantes políticos, “as narrativas das pessoas que tendem a abster-se” e dos próprios eleitos.“Encontramos um quadro de afastamento mútuo, de desconfiança e também um certo sentimento de impotência de parte a parte. Penso que este é um quadro que ajuda a dar uma imagem mais clara do que motiva e não motiva as pessoas a votar hoje em Portugal”, explicou João Cancela..A propósito da desconfiança face ao processo eleitoral que alguns abstencionistas colocam como principal argumento para não votarem, José Santa Pereira contou a história de uma senhora que durante a investigação revelara que “tinha deixado de votar”, apesar de ter sido “sido uma votante frequente praticamente durante toda a vida. “Tinha ficado muito zangada com o facto de, em 2015, não ter sido a coligação entre o PSD e o CDS - a força política mais votada na altura - a poder governar o país. Ela sentia-se traída e achou que aquilo foi uma manobra política não exatamente legítima e, a partir daí, cortou relações com a política e com as eleições”, apontou o investigador.Numa nota dos autores, nenhum dos inquiridos foi questionado sobre os partidos em que tinham votado. Variações consoante o tipo de eleiçãoEm 2021, nas últimas eleições autárquicas, entre os mais de 9.3 milhões de eleitores inscritos, 53,65% compareceram às urnas. O estudo traça como quadro geral da evolução da participação eleitoral dos últimos 50 anos um declínio recente face à primeira época de democracia.Com base nesta ideia, o estudo revela que “os padrões de participação variam de forma clara consoante o tipo de eleição”, sendo que são as autárquicas e as legislativas que registam maior mobilização de eleitorado, por comparação com as presidenciais ou as europeias.“Esta hierarquia está em linha com a teoria das eleições de segunda ordem”, desvela o estudo, explicando que “as eleições não são vistas pelos cidadãos como tendo a mesma importância” no que diz respeito ao “impacto do seu resultado na formulação de políticas públicas”. Ainda assim, as eleições autárquicas são as menos afetadas na dinâmica de aumento da abstenção..Autárquicas, mobilizam-se os partidos, aumenta a abstenção!.PAN admite que clima de crispação aumente abstenção nas legislativas