O debate entre Marques Mendes e André Ventura, em tempos não muito distantes companheiros de partido, apesar das distâncias que um e outro gostam de sublinhar, tinha potencial para ser um daqueles em que havia maior potencial de disputa de eleitorado. E estava encaminhado para uma vitória do social-democrata, que foi eficaz a apresentar-se como alguém capaz de fazer propostas concretas, contra a retórica do adversário, até a um final em que o presidente do Chega aproveitou o passado de Mendes enquanto comentador da SIC para pôr em causa a sua independência, chamando-lhe "marioneta do Governo", e conotá-lo com a defesa de interesses económicos, referindo-se ao que disse sobre o Banco Espírito Santo antes do colapso do banco de Ricardo Salgado.O efeito pretendido por Ventura foi alcançado em crescendo, iniciando-se ao reivindicar, sem ser contrariado pelo interlocutor, que Pedro Passos Coelho o escolheria a si, e não a Mendes, para a Presidência da República. Mas demorou a atingir o também conselheiro de Estado, que começara por apontar "falta de sentido de Estado" ao líder do Chega, aludindo sobretudo às suas palavras e protestos em relação a estadistas estrangeiros, como o angolano João Lourenço ou o brasileiro Lula da Silva.Marques Mendes também apresentara a confiança de quem espera ser eleito Presidente da República, revelando que o primeiro Conselho de Estado do seu mandato seria dedicado à Reforma da Justiça e Combate à Corrupção. Ventura reduziu a iniciativa a "conversa da treta", mas o social-democrata defendeu-se com prioridades concretas para o encontro. .Leia o "filme" do debate:.O debate entre André Ventura e Marques Mendes termina com o líder do Chega a pressionar o adversário, apresentando-o como "o candidato das elites que nos andam a destruir".Aproveitando ter a última palavra, Ventura acusa Mendes de, enquanto comentador da SIC, ter sido "o homem que dizia que estava tudo bem no Banco Espírito Santo", dizendo que o mesmo pode ser atestado por quem foi lesado pelo colapso dessa instituição bancária. Apesar de a moderadora Clara de Sousa insistir que se esgotara o tempo disponível para o debate, Mendes disse que se limitou a referir informação do Banco de Portugal, mas o efeito pretendido pelo autoproclamado "candidato das pessoas" fora atingido, sendo patente a satisfação de Ventura com a "agitação" do adversário.Também a menção de Marques Mendes ao caso do ex-deputado do Chega Miguel Arruda, afastado do grupo parlamentar ao ser constituído arguido por furto de malas de viagem em aeroportos, levara Ventura a dizer que foi rápido a "afastar as pessoas que tinham de ser afastadas", enquanto o adversário mantém entre os apoiantes o presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque, investigado por suspeitas de corrupção.Marques Mendes recordou que, enquanto presidente do PSD, vetou a recandidatura de presidentes de câmaras municipais envolvidos em investigações de corrupção, "a bem da ética" - sem mencionar o caso mais emblemático de Isaltino Morais, que é um dos principais apoiantes de Gouveia e Melo -, fazendo notar que isso lhe criou problemas no prório partido, apesar de "felizmente sempre poucos os que não o apoiam".Tal referência foi aproveitada por André Ventura para questionar Mendes sobre a ausência de sinais de apoio à sua candidatura por parte do antigo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho. "Se Passos Coelho tivesse de escolher, escolhia-me a mim, com toda a probabilidade, porque sabe que não é independente".Ventura disse ainda que Mendes é "uma marioneta do Governo", apontando-lhe dualidade de critérios no que toca a responsabilidades nos incêndios florestais de António Costa e Luís Montenegro. "O que acontece é que, como Luís Montenegro é amigo de Marques Mendes, isso já não lhe inteerssa tanto", disse, mencionando um "compromisso" em que o adversário se mantinha-se na SIC, a fazer comentários, e era o candidato presidencial enquanto apoiava o primeiro-ministro.Antes disso, Mendes defendera a sua independência, patente na defesa junto do "amigo" Marcelo Rebelo de Sousa da recondução da procuradora-geral da República Joana Marques Vidal, que "teve uma coragem impressionante no combate à corrupção"."O senhor não quer combater a corrupção mais do que eu. Quero intensificar o combate à corrupção com coisas palpáveis", disse Mendes, equiparando a "cassete habitual" do líder do Chega à antiga "cassete do PCP". E reiterou que, perante a "técnica de ataques pessoais, para disfarçar a ausência de propostas e de soluções", não perderia a compostura..Antevendo que virá a ser eleito Presidente da República, Marques Mendes revela que o seu primeiro Conselho de Estado será dedicado à reforma da Justiça e ao combate à corrupção. Essa proposta é reduzida a "conversa da treta" por André Ventura, mas o antigo líder social-democrata avança que, na preparação desse encontro, seriam ouvidos o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o procurador-geral da República e o diretor nacional da Polícia Judiciária, bem como estabelecidas quatro prioridades, "para que sejam coisas concretas": combate à morosidade da justiça na parte criminal, às manobras dilatórias, à "realidade de uma justiça para ricos e outra para pobres" e, naquilo que Mendes qualificou de "cancro", o excesso de corporativismo no Ministério Público.Por seu lado, o líder do Chega recordou as "centenas de propostas" contra a corrupção, nomeadamente no que toca ao confisco de bens "a quem andou a roubar", apresentadas pelo seu grupo parlamentar, sublinhando que muitas foram recusadas pelos deputados do PSD.Reagindo à alusão de Mendes a uma frase que disse numa entrevista, dizendo que "só três Salazares punham isto na linha", sendo acusado pelo adversário de "branquear o regime anterior, no qual havia tanta ou mais corrupção do que agora", só que silenciada pela censura, Ventura distanciou-se do Estado Novo, recorrendo à data em que veio ao mundo. "Nasci em 1983, e o que vi nesta democracia foi corrupção e corrupção", disse, acusando Mendes de ter ficado "em silêncio perante a maior parte dos casos de corrupção..Depois de garantir que não tem interesses em Angola, ao contrário do que fora antes insinuado por André Ventura, Marques Mendes recorda que, quando o presidente de Angola, João Lourenço, fez referências depreciativas ao colonialismo português - o que levou Ventura a acusar o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, de traição por não ter reagido -, também estava presente o líder parlamentar do Chega, Pedro Pinto, "que não só não abandonou a sessão como não fez nenhuma declaração".De seguida, Mendes apontou "total falta de sentido de Estado" a Ventura, recordando o "comportamento inqualificável" dos deputados do seu partido aquando da visita a Portugal do presidente brasileiro Lula da Silva e do apelo a que o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sanchez, fosse detido. "Políticos a mandar prender alguém era no tempo da PIDE", rematou.Ventura retorquiu que o seu sentido de Estado "é defender Portugal até ao fim" e não "estar calado quando dizem que somos ladrões, corruptos e que escravizámos África". E, no que toca a Lula da Silva, reforçou que se trata de "um corrupto e ladrão", sublinhando que isso tanto faz a Marques Mendes, que foi fotografado junto ao entretanto falecido ditador cubano Fidel Castro. "Está habituado a estar com ditadores de esquerda, de direita e do centro", acusou..O líder do Chega responde aos reparos de Marques Mendes quanto ao simbolismo de ter retirado os cravos vermelhos que tinham sido deixado no púlpito do hemiciclo. "Estou farto que a esquerdalhada faça o quer no Parlamento", refere Ventura, dizendo que tinha ficado estipulado que só haveria rosas brancas na sessão solene.A questão floral é aproveitada por Ventura para acusar o adversário de "lidar bem com todos" e de se importar de que "esteja a cumprir a lei ou não".Respondendo a uma pergunta de Clara de Sousa, que pretendia saber o que o líder do Chega pensa do 25 de Abril de 1974, Ventura referiu-se ao legado do 25 de Novembro de 1975 como "o dia que salvou a liberdade". Além das expropriações, insurgiu-se contra a forma como se deram as independências das antigas províncias ultramarinas, acusando Mendes de "se calhar ter alguns interesses escondidos" em Angola.Ventura também disse a Mendes para não "fingir que é independente", referindo que o adversário "já era político do PSD" quando o líder do Chega ainda não era nascido. Disse também que o "comentador do sistema, alinhado com o primeiro-ministro", estava a "jogar em casa", pois teve um espaço semanal na SIC - o que levou Clara de Sousa a dizer que ambos tinham "liberdade total" no debate -, e juntou uma alfinetada. "Somos os dois conselheiros de Estado. A diferença é que eu fui eleito e o Maruqes Mendes, como em tudo na vida, foi escolhido pelos amigos.".O debate arranca com Marques Mendes a referir-se à sessão solena do 25 de Novembro, e ao facto de André Ventura ter ocupado o lugar de líder da oposição, entre os convidados da Assembleia da República, como um sinal de que é "um falso candidato" à Presidência da República. E acrescenta que o detalhe de, ao fazer a sua intervenção, o líder do Chega ter retirado os cravos vermelhos colocados por deputados de esquerda sobre o arranjo floral de rosas brancos, prova que "convive mal" com o 25 de Abril. .Marques Mendes e André Ventura encontram-se no estúdio da SIC com muitas divergências, mas com ambição partilhada de passar à segunda volta que não acontece desde as presidenciais de 1986, quando Mário Soares ultrapassou Freitas do Amaral, que fora o candidato mais votado na primeira volta.O conselheiro de Estado, e antigo presidente do PSD, ficou à frente nas intenções de voto na sondagem mais recente, da Intercampus, com 16,4%, tendo o fundador e líder do Chega logo atrás, com 15,9%. Na sondagem da Pitagórica, Mendes também teve o melhor resultado (22,6%), seguindo-se Gouveia e Melo (21,1%), António José Seguro (17,4%) e só depois André Ventura (14,7%).No mais recente barómetro DN/Aximage, com Gouveia e Melo à frente, com 24,4% de intenções de voto, os dois candidatos que irão debater na SIC ficaram empatados na segunda posição, com 19,2%.