Podcast Soberania. Segurança, Defesa e Justiça: o “caderno de encargos” para o novo governo
Será que a viragem, ainda mais, à direita do regime significa mudanças substanciais nas políticas de Segurança, Defesa e Justiça? E o reforço do partido Chega significa que mais portugueses acreditam na relação entre criminalidade e imigração, apesar de tal tese ter sido negado por altos dirigentes das polícias?
As duas perguntas serviram para o arranque deste episódio do Podcast Soberania, desta vez exclusivamente com os parceiros do DN, o Francisco Rodrigues, do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT), e o João Annes, do Observatório de Segurança e Defesa da SEDES.
Recordando o que foi dito no anterior programa, no qual foram convidados representantes do PSD (o deputado Bruno Vitorino), do PS (o ex-deputado Diogo Leão) e do Chega (o deputado Pedro Pessanha), João Annes considera que “a alteração política, pelo menos na área da Defesa, não vai significar uma grande alteração num quadro de entendimento parlamentar”.
“Estivemos aqui no Podcast com um deputado do Chega, que era presidente da Comissão Parlamentar de Defesa, o qual, claramente, mostrou toda a disponibilidade para entendimentos e até defende um investimento maior na área da defesa do que aquilo que estava previsto. Por seu lado, a AD tem um programa de investimento que é claramente ambicioso e esse plano terá que ser acelerado quase de certeza absoluta. Por outro lado, o o PS tem a proposta de criação de um dotação orçamental para fazer face a necessidades prementes, que possa implicar mais custos na Defesa”.
No mesmo alinhamento entre os três grandes partidos acredita Francisco Rodrigues para o setor da Segurança. “Há uma grande similitude nalguns aspetos, pelo menos, nos aspetos estruturantes (…). Sentirmos que nas linhas políticas principais, os partidos políticos estão orientados para o interesse nacional”, sublinha.
Annes refuta, por sua vez, a ideia de que o reforço da extrema-direita possa vir a ter influência significativa nas políticas de segurança. “Não foi pelo crescimento de um partido que é descrito por um partido de extrema direita em Portugal que vimos ideologias extremistas a entrarem no setor da segurança. O que temos visto ao longo de muitos anos, são situações e interferência política a empolar qualquer erro que as forças de segurança possam cometer (…) e que possa ter posto em causa a integridade física de um cidadão por não cumprir os procedimentos. (…) alvo de um aproveitamento político partidário por um quadrante que não foi o da direita no Parlamento”.
Por isso, este analista da SEDES, admite que, por quererem segurança, os portugueses “começam a rever-se noutras forças políticas que há mais á direita que defendem as forças de segurança”.
Sobre a tese que defende uma relação direita entre criminalidade e imigração (defendida no Soberania, no episódio publicado a cinco de maio, pelo deputado do Chega Rui Paulo Sousa), Annes reivindica mais dados. “A mim preocupa é que agora que temos forças em polos opostos a quererem fazer esse debate com visões diferentes, que consigamos em Portugal perceber o que é verdade e o que não é. Para isso os números, as estatísticas, os relatórios que temos têm de ser cada vez mais transparentes, baseados em factos e disponibilizando a própria base de conhecimento para que se possam tirar as ilações”.
O presidente do OSCOT, que comandou forças especiais na GNR, defende que, mais que estatísticas, o que conta será “a atividade policial, aquilo que as forças de segurança fazem no terreno, de forma a colmatar o que possa ser injetado na sociedade portuguesa, demagogicamente ou não”.
Porque, completa “essa questão do sentimento de segurança é efetivamente uma mera perceção” e “politicamente só se combate através de trabalho, não através de argumentos”.
Na área de Justiça, João Annes destaca o combate à corrupção e interroga-se sobre o que pode vir a suceder com a possibilidade de o Chega poder vir a indicar um juiz para o Tribunal Constitucional, tendo em conta a nova configuração parlamentar.
“Acredito que vamos voltar a ter um debate sobre a criminalização do enriquecimento ilícito (…). Vamos ver o que terá o Tribunal Constitucional a dizer diferente do que disse entre 2011 e 2015 acerca das propostas na altura (que chumbou). Não gostava de ver agora mudanças, por força da mudança das pessoas (…) porque senão aí podemos estar a alimentar narrativas altamente perigosas para a própria crença no sistema democrático, porque estaremos perante, não análises técnicas e decisões de interpretação constitucional, mas de agendas políticas que eu não acredito que tenham ocorrido”.
No seu entender esse seria um debate que devia começar já na abertura do ano judicial “para que se reúnam um consenso sobre um caminho jurídico”.
Francisco Rodrigues, por seu lado, destaca a necessidade de medidas que combatam a “morosidade” na Justiça e que permitam uma “maior equidade” no acesso à mesma. “Os decisores políticos devem pensar em dar uma nova imagem da justiça no sentido de devolver confiabilidade ao sistema judicial”, assevera.
Para concluir, Annes elencou três pontos. A propósito da transposição das diretivas europeias para a cibersegurança e para a segurança das infraestruturas críticas, pediu que o Estado capacitasse as entidades que vão ter de cumprir as novas regras.
“Não é só legislar para o setor privado e depois o Estado cria um critério qualquer para que as entidades públicas continuem exatamente na mesma situação em que estão atualmente”, frisa.
O segundo ponto que acha “absolutamente decisivo” é perceber se “os investimentos para as Forças Armadas que foram pensados há 10, 20 anos, fazem sentido face à alteração brutal a que estamos a assistir em teatros de guerra, como o da Ucrânia” ou se “temos de ter a coragem de, sem atrasar o que verdadeiramente é prioritário, rever e encontrar formas mais transparentes e eficazes de contratar as necessidades temos”.
Por fim, é preciso ter “espírito reformista nos partidos, mas também nas instituições, para perceberem que temos que nos transformar para continuarmos a ser úteis à sociedade e entregarmos aquilo que o Estado de Direito democrático nos exige”.
A escolha de Francisco Rodrigues para fechar o programa foi apelar a que seja “reconhecido que o trabalho desenvolvido pelas forças e serviços de segurança é um dos principais contributos para o reconhecimento de Portugal ser um país seguro”.
Especialmente, sublinha, “o que advém da visibilidade do policiamento, que dissuade o crime e transmite segurança e tranquilidade pública aos cidadãos”. Acrescenta a necessidade de dotar as polícias “de meios imprescindíveis, materiais, mas principalmente humanos” para “ as novas ameaças de criminalidade mais violenta, mais organizada e dada muito pela ação de grupos criminosos transnacionais”.
A finalizar, um conselho para o próximo governo: “pensar em metodologias, necessidades e as tarefas que tem de levar a cabo para aumentar a motivação das forças e serviço de segurança e para não haver aproveitamento por parte de alguns setores, quer da extrema esquerda, quer da extrema direita, nacional, que comprometam o trabalho que está a ser feito, quer pelos governos, quer, muito concretamente, pelas polícias”.
Veja e ouça o podcast na íntegra: