"Racionalizar” é o termo usado pela Iniciativa Liberal (IL) no seu programa para defender a necessidade de reorganizar e adaptar as esquadras da PSP e postos da GNR, de forma a que - tendo em conta a sublinhada falta de efetivo, dificuldades de recrutamento e degradação de muitas instalações - se consiga ter mais polícias nas ruas. “Precisamos é de ter polícias em cada bairro, a patrulhar, disponíveis para acautelar e para devolver o sentimento de segurança às pessoa e não fechados numa esquadra. O trabalho meramente administrativo pode perfeitamente ser feito por civis, não precisam de ser polícias”, sintetiza Mariana Leitão, a coordenadora do Grupo Parlamentar (GP) da IL na Comissão de Assuntos Constitucionais - na qual as iniciativas legislativas desta área são debatidas - no Podcast Soberania, uma parceria do DN, com o Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT) e a SEDES. . Mas a deputada não conseguiu convencer os parceiros de painel sobre os benefícios de uma medida que chegou a ser defendida pelas próprias polícias e que, em 2014, foi preparada para se estrear em Lisboa, num plano aprovado pelo então governo de Pedro Passos Coelho e pelo então presidente da autarquia, António Costa.“Acho que ninguém neste país tem saudades das políticas públicas desenhadas nessa legislatura”, assinala Fabian Figueiredo, deputado do BE, igualmente coordenador do seu GP na 1.ª Comissão. “2014 foi durante a troika. Recordo perfeitamente esse plano. O que é que não se cortou nesse país? Também me recordo, nessa mesma altura, de os polícias invadirem a escadaria pela primeira vez da Assembleia da República. Portanto, creio que não é propriamente o melhor tempo para identificar boas-práticas na Administração Interna. Aliás, muita da dificuldade de recrutamento que existe foi agravada durante aquela altura”, contesta.Por sua vez, o mais antigo deputado em funções, com larga experiência neste tema, António Filipe, que tem o mesmo papel de Mariana e de Fabian na referida Comissão, reforça o ponto de vista do bloquista. “Basta recordar as célebres ‘superesquadras’. Havia duas ou três em Lisboa, mas depois encerraram uma multiplicidade de chamadas esquadras de bairro. Isso foi muito contestado. Depois houve uma inversão dessa tendência com bons resultados, designadamente a abertura de pequenas esquadras em estações de caminhos de ferro. Verificou-se que teve um impacto muito significativo na melhoria do sentimento de segurança das pessoas. Em caso de necessidade, as pessoas preferem saber onde é que é a esquadra mais próxima do que não saber onde é que está a patrulha mais próxima. Podemos dizer: ‘Bem, mas, teoricamente, se calhar é preferível ter mais polícias na rua.’ O problema é que, na prática, a teoria é outra. Porque, de facto, não é por acaso que as pessoas querem ter a sua esquadra”, salienta o deputado.Mariana Leitão rebateu, lembrando que “em momento algum” falou de “superesquadras”, nem que “queria acabar com os postos da GNR”. Recorda o relatório de 2024 da Inspeção-Geral da Administração Interna, segundo o qual “há esquadras que não têm sequer a capacidade para atendimento com privacidade, que é fundamental”.. Para a liberal “não podemos é fingir que o problema não existe. (…) Não queremos racionalizar as esquadras porque não há efetivos. Obviamente, também não é só com patrulhas que se consegue atender os cidadãos. É preciso haver esse equilíbrio”. “Uma coisa é certa”, conclui, “cada vez há menos polícias na rua e isso também não é bom”.Esta questão da “racionalização” de esquadras e postos acabou por ser a deixa para revisitar outro “velho tema”, o da criação de uma Polícia Nacional, eventualmente juntando a PSP e a GNR, para responder à falta de efetivo e às duplicações de recursos, criando sinergias efetivas. Neste ponto, não deixou de ser um pouco surpreendente como, de certa forma, IL, BE e PCP se aproximaram. “Na arquitetura do nosso modelo policial temos, de facto, redundâncias enormes na PSP e na GNR”, assevera o deputado comunista, cujo partido é o único no seu programa que defende claramente essa fusão.. “Temos umas ideias sobre isso. Vale a pena discutir se o modelo dual é o que melhor nos serve. Ou seja, se não era preferível haver uma Polícia Nacional que substituiria as duas atualmente existentes. Agora, isto é um processo moroso. Mostrou a história da extinção do SEF que destruir é fácil, construir é mais difícil. Tinha de haver uma evolução que fosse gradual e que não destruísse nada. Do nosso ponto de vista era importante, para já, refletir na questão da duplicação de estruturas. (…). Uma central de compras única, estudar serviços comuns, essa aproximação devia ser feita. Porque é que há de haver um Corpo de Intervenção em cada uma?”, diz António Filipe.Mariana Leitão ia acenando afirmativamente com a cabeça em alguns momentos. “Aquilo que nós queremos é que o Estado funcione, de facto, melhor. E isso passa por acabar com redundâncias que sabemos que existem. (…) Ando a estudar essas ideias, nomeadamente a junção das duas forças, que é uma coisa que precisa de alguma maturação. Mas não vejo como uma impossibilidade, nem como uma proposta mirabolante”, assume.. Junta-se Fabian Figueiredo, para quem, “se a PSP e a GNR derem lugar a uma só polícia civil, o país ganha, porque aumenta o efetivo, aumentam os meios, permite um policiamento mais integrado. Garante também uma melhor gestão do todo o sistema de segurança interna. Isto ainda não aconteceu, e não porque as polícias se oponham, não porque as populações se oponham. É porque há estruturas intermédias que não querem que esta reforma seja feita. E isto merece um debate sério”.André Inácio, da direção do OSCOT, que no início do programa tinha identificado alguns pontos em comum nos programas eleitorais dos três partidos para as políticas de segurança - como a defesa da valorização das carreiras e da melhoria de condições de trabalho -, reforçou a sua convicção depois desta troca de ideias. “Há aqui um conjunto de preocupações que são comuns. Diria que não seria tão difícil, se calhar, conseguir-se fazer alterações de fundo. É um problema, de facto, da política. Não é um problema das pessoas, é um problema da forma como a política se pratica. Quando não se tenta só tirar dividendos e se esquece o interesse comum. De facto, valorizar as polícias é determinante e toda a gente concorda. E há a questão da sua difusão territorial.. É verdade que no interior do país, fecharmos postos da GNR - e eu tenho esse estudo presente, porque estive numa investigação da FCT, onde conseguimos demonstrar que, em determinadas áreas territoriais da GNR, se o carro patrulha estiver numa zona, pode demorar até 4h00 a chegar a outra - nada se resolve. Também é verdade que nos grandes centros urbanos é diferente: se conseguirmos ter capacidade de intervenção, ter mais forças na rua, de resposta rápida e com controlo de videochamadas e com os drones, desde que toda a gente conheça as regras e saibam que eles lá estão.”Quando questionados sobre quais pontos críticos de criminalidade que identificavam na segurança interna, as respostas já não foram tão coincidentes. Mariana Leitão destacou a “cibersegurança, um problema que tem crescido bastante e para o qual não estamos ainda preparados para responder”. Acrescenta “vários fenómenos em que a cooperação internacional é fundamental (…), associados ao tráfico de seres humanos, exploração laboral e ao auxílio à imigração ilegal, que precisam de ser combatidos.Fabian Figueiredo sistematizou as prioridades do BE e o que defende para as políticas públicas de segurança. “Olhemos para o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) e vejamos o tipo de criminalidade para o qual ele nos alerta: temos, por um lado, um grupo de pequena criminalidade que está muito associada a fenómenos de exclusão social, a problemas de adição. E nós mudámos a natureza da criminalidade há 20 anos, quando abordámos de forma inovadora o problema, sobretudo com drogas injetáveis, e conseguimos tirar da rua muita dessa criminalidade. (…) Ter uma política pública efetiva de combate às adições é matéria de segurança interna. Por outro lado, o RASI também nos chama a atenção para a sinistralidade rodoviária, sobretudo no que está associado às tendências de consumo de álcool em Portugal. Portanto, [é preciso] combater eficazmente os comportamentos irresponsáveis na estrada. Depois, a violência mais visível, mais mediatizada, que é a violência grupal, que tem um crescimento preocupante, sobretudo a juvenil. O que é que o RASI nos diz? Preocupante que a terceira tipologia criminal mais associada a criminalidade em contexto escolar esteja ligada a crimes sexuais. O caso horrendo de Loures chamou-nos a atenção para isso. Por isso, a educação para a cidadania, o combate à desigualdade de género, é gerador de segurança”, incluindo “a violência doméstica”. “A existência do Serviço Nacional de Saúde, a existência na escola pública de equipas que atuam na comunidade, são preventivas da geração de crime e da vitimação”, conclui o bloquista.. António Filipe concordou que “a prevenção da criminalidade faz-se por via das outras políticas”, mas “a política de segurança, quanto muito, poderá ter uma vertente dissuasora, deve ter, mas atua sobre as consequências, sobretudo sobre os crimes já praticados”. E aí, sublinha, “temos alguns pontos críticos: desde logo, há uma questão que é incontornável, que tem que ver com a escassez de efetivos e o envelhecimento relativo dos existentes, que são impedidos de se reformar na idade que a lei prevê, e a dificuldade que as carreiras sejam atrativas”.