Nuno Melo colou o Bloco a Salazar antes de Joana Mortágua citar Paulo Portas
O debate entre Nuno Melo e Joana Mortágua, indicados pela AD - Coligação PSD/CDS e Bloco de Esquerda para ocuparem as cadeiras do estúdio da RTP inicialmente reservadas para Luís Montenegro e Mariana Mortágua, teve o líder centrista a acusar o teto das rendas proposto pela interlocutora de recuperar a medida imposta por Salazar em 1948, enquanto a deputada bloquista ripostou com uma longa e insólita citação do ex-líder do CDS-PP sobre a necessidade de receber imigrantes.
Depois de ambos se terem abstido de abordar a averiguação aberta pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal a Pedro Nuno Santos, com o líder centrista a dizer que "não vou fazer a Pedro Nuno Santos aquilo que há mais de 40 dias Pedro Nuno Santos faz a Luís Montenegro", o debate arrancou pelo tema da Habitação. Apontando "casas que as pessoas não podem pagar" como o balanço da governação da Aliança Democrática, Joana Mortágua defendeu a imposição de um teto para as rendas como "uma medida que resolve o preço das casas já".
Além de ter feito a comparação com o congelamento de rendas decidido pelo ditador português nos anos 40, Nuno Melo respondeu com dados sobre efeitos adversos da aplicação dos tetos às rendas em Amesterdão, tal como noutros tempos sucedeu em Portugal. E voltou a insistir na construção de novas casas como solução para o problema, ouvindo da interlocutora a acusação de que na coligação de centro-direita "se celebra de cada vez que uma casa custa mais em Lisboa do que em Berlim".
Ataques de Melo ao Chega e de Mortágua à "venturização"
Quando o debate passou para o tema da governabilidade pós-18 de maio, com o moderador Hugo Gilberto a recuperar o apelo a um entendimento com o Chega feito pelo ex-ministro social-democrata Miguel Relvas, numa entrevista ao "Público" em que se referiu ao PSD como "elefante" e ao CDS como "formiga", Nuno Melo lançou um apelo inequívoco aos eleitores do Chega.
"Se a AD não vencer as eleições, será normal que seja o PS a governar", disse o líder centrista, dizendo ao eleitorado de direita que "a utilidade do seu voto está na garantia de que o PS não volta a governar". Garantindo que a coligação de que faz parte não governará "se não tiver nem que seja mais um voto", disse que ao longo da presente legislatura o Chega "votou a favor tudo o que lhe foi apresentado pela esquerda, nomeadamente pelo Bloco". E acusou o partido de André Ventura de ter feito cair os governos dos Açores, da Madeira e da República.
Perante isto, Joana Mortágua preferiu falar daquilo que disse ser uma "venturização", decorrente da "aproximação do PSD à extrema-direita". Foi a resposta à alegação, feita anteriormente pelo primeiro-ministro, de que existe uma "montenegrização do pensamento político dos partidos da oposição", com a deputada bloquista a descrever essa montenegrização com "a subida imparável do preços das casas e o arremesso constantes de fantasmas".
Troca de acusações na Saúde e na Imigração
O "desastre na Saúde", com 16 urgências hospitalares fechadas nos próximos dias, levou Joana Mortágua a perguntar a Nuno Melo se "alguma voz se levantou no Conselho de Ministros a pedir a demissão da ministra da Saúde. O líder centrista defendeu a prestação do Governo e responsabilizou as "reservas mentais" do Bloco de Esquerda quanto às parcerias público-privadas que "transformaram hospitais de referência em hospitais cheios de problemas", dividindo críticas com a ex-titular da pasta Marta Temido, descrita como "a ministra que ouvia A Internacional". E uma das responsáveis por "termos recebido a Saúde num caos".
Joana Mortágua respondeu que "percebemos a herança que o Governo da Aliança Democrática recebeu", mas nem por isso foi compreensiva com as circunstâncias. "Bastava fazer um bocadinho melhor", sentenciou, contrapondo que aqueles que "prometeram salvar o Serviço Nacional de Saúde em 60 anos, afundaram o Serviço Nacional de Saúde".
Também duras foram as críticas da bloquista quanto ao desempenho da deputada bloquista na gestão que o Governo de Luís Montenegro fez das questões da Imigração. "Entendeu que deveria imitar a extrema-direita", argumentou, acusando o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, de "mentir ao país ao fazer de conta que iria limitar a entrada de imigrantes".
Foi o mote para a deputada citar Paulo Portas, que no seu último comentário televisivo na TVI inquirira quem trabalharia nos restaurantes, nas entregas de encomendas online, no turismo ou na construção se não houvesse imigrantes. "Quando ouço a Joana Mortágua a citar Paulo Portas penso que nem tudo está perdido. Ainda vai ver a luz", gracejou o presidente do CDS-PP, deixando uma garantia: "Não me vai ouvir a citar o [Francisco] Louçã, pode ter a certeza."
Quanto às críticas de Joana Mortágua à "via verde" pela qual "os imigrantes vêm por encomenda dos empresários", abandonando os restantes à ilegalidade, Melo acusou as "portas escancaradas" que disse resultarem da visão bloquista de "só conseguirem exploração e fome" para quem chega a Portugal, ao contrário da obrigação de garantir contrato de trabalho, habitação e seguro que consta do protocolo assinado entre o Governo e cinco confederações empresariais.
Depois de ter apontado os imigrantes como essenciais para garantirem, com as suas contribuições para a Segurança Social, as reformas atualmente pagas aos portugueses, Joana Mortágua encerrou o segmento dod ebate com um toque de humor, referindo-se às necessidades decorrentes do sector da construção: "Vão ser os jovens da Juventude Centrista que vão carregar baldes de massa ou os da JSD que vão assentar tijolos?"
Ucrânia e "negação" quanto à NATO
Para o final do debate ficou a Defesa. E se Nuno Melo, responsável pela tutela no Governo, rapidamente afastou a hipótese de reintrodução do Serviço Militar Obrigatório, defendendo a via da profissionalização, também não desperdiçou a oportunidade para recordar que, dois dias antes da invasão da Ucrânia pelo exército russo, a coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, defendia que tudo não passava de um "conflito diplomático" entre Moscovo e Kiev.
Acusando o Bloco de Esquerda de querer acabar com a NATO, quando "manda a lucidez que está em causa a nossa defesa coletiva", Nuno Melo desvalorizou o impacto do aumento da despesa pública em Defesa, realçando mesmo que implica o desenvolvimento da indústria nacional.
Sem negar que o Bloco de Esquerda é contra a NATO, "seguindo a Constituição da República Portuguesa", Joana Mortágua disse que Nuno Melo "está em negação", descrevendo a Aliança Atlântica como estando "controlada pelo maior aliado de Putin". Sem se chegar a referir diretamente a Donald Trump, a deputada bloquista disse ser uma mentira que a Europa "não tenha capacidade defensiva em relação à Rússia", recusando "uma corrida ao armamento desnecessária".