Marcelo só quebra silêncio sobre Montenegro após moção de censura
TIAGO PETINGA/LUSA

Marcelo só quebra silêncio sobre Montenegro após moção de censura

Desacertos entre PR e PM acentuam clima de crise. Duas moções de censura chumbadas confirmam “regular funcionamento das instituições” e travam eleições antecipadas. PM desmente notícias “inquinadas”.
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O Presidente da República, que só soube do teor da comunicação ao país de Luís Montenegro vendo na televisão, só falará publicamente quebrando o silêncio sobre o caso que envolve o primeiro-ministro depois da votação da moção de censura do PCP - o que deverá acontecer na quinta ou sexta-feira, apurou o DN.

Marcelo Rebelo de Sousa, que já manifestou público desconforto, em declarações à SIC, por não ter sido previamente informado - “O primeiro-ministro tem direito de não ligar, mas podia ouvir a minha opinião” -, já tinha referido que “quem escolhe um certo tipo de responsabilidades sabe que, juntamente com coisas que são agradáveis, há coisas desagradáveis, coisas que considera justas e coisas que considera injustas”.

O primeiro-ministro só ligou ao Presidente da República meia- hora depois de ter informado o país da possibilidade de avançar com uma moção de confiança. Montenegro ignorou Marcelo, antes, e Marcelo ignorou Montenegro, depois, por já estar com outros afazeres.

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O “silêncio” que “tanto” incomoda os socialistas, que recordam um Marcelo interventivo quando eram Governo e que ontem anunciaram uma Comissão de Inquérito, encontra respaldo nas declarações que o Presidente fez na terça-feira da semana passada, dia 25, sobre o chumbo da moção de censura do Chega e que se replicam para o anunciado resultado sobre a moção de censura do PCP: outro chumbo com apoio socialista.

Ou seja, se o Parlamento recusa, por duas vezes, derrubar o Governo, com apoio do PS, por que razão deveria Marcelo fazer o contrário?

Nesse dia 25, recorde-se, o Presidente da República considerou que o Parlamento tinha definido “uma posição política fundamental, que é: não quer que haja neste momento crise política, quer garantir a estabilidade” até porque há “eleições locais ao virar da esquina, daqui a cinco meses e meio e logo a seguir, três meses depois presenciais, e as duas pré-campanhas já começaram”.

O que pode alterar este cenário? A consideração de que, após nova avaliação dos factos, seja claro “não existir regular funcionamento das instituições”. Aí, estaria criado o pressuposto para que fossem convocadas Eleições Legislativas antecipadas que até o PS já disse não querer.

E é aqui que o cerco a Luís Montenegro, para além do político, se aperta. O Ministério Público (MP) está a analisar uma “denúncia anónima” sobre o caso que envolve Luís Montenegro e só após essa “análise” haverá decisão sobre se será aberto um inquérito, que terá de ser realizado por um procurador-geral-adjunto do MP do Supremo Tribunal de Justiça, ou se a “denúncia anónima” será arquivada.

A resposta às várias questões - da Lusa, Expresso e Observador, em particular - sobre a existência de algum inquérito-crime relacionado com a empresa da família do primeiro-ministro, a Spinumviva, surge numa breve frase: “Confirma-se a receção de denúncia anónima, a qual se encontra em análise”.

A PGR não revela, porém, o tipo de conteúdo da “denúncia anónima” que está sob “análise”.

Para além da entrada em cena da PGR, também a Ordem dos Advogados (OA) abriu uma “averiguação” sobre “a eventual prática de procuradoria ilícita” por parte da empresa da família de Luís Montenegro.

Caso haja confirmação de “práticas ilícitas” o processo será remetido para o MP, “se não é arquivado o processo”.

Fernanda de Almeida Pinheiro, bastonária da Ordem dos Advogados, diz ser este “um “procedimento normal que temos em todas as circunstâncias. Há notícia pública de que uma determinada instituição ou pessoa pode ter praticado atos contrários à lei dos atos próprios e existem organismos na OA que têm essa incumbência de averiguar”.

A “averiguação” agora em curso foi motivada pela “declaração pública que foi emitida à imprensa” pela Spinumviva.

Perante este novos dados, ontem revelados, Montenegro desmente as notícias “muitas das quais assentes em pressupostos falsos, incorrecções, imprecisões ou interpretações jurídicas altamente discutíveis” e dá os exemplos da revista Visão e do Correio da Manhã que “não têm fundamento”.

“Para que não subsistam dúvidas”, o primeiro-ministro anuncia que “vai dirigir um requerimento à Entidade para a Transparência para que se possa auditar a conformidade das declarações e respetiva evolução” e considera que “as denúncias anónimas” podem ser “uma oportunidade para afastar dúvidas de legalidade suscitadas na esfera pública, pelo que se aguardará a tramitação e conclusão das respetivas averiguações”.

António José Seguro, que ainda se encontra “em reflexão” e que não gosta do que se está a passar “tal como a maioria dos portugueses”, sugere que Marcelo convoque Montenegro a Belém porque, tal como diz a Constituição no artigo 190, “o Governo é responsável perante o Presidente da República e a Assembleia da República”.

“Esta reunião justifica-se com mais premência”, diz o putativo candidato presidencial, porque “o Presidente da República e o primeiro-ministro não podem ter estados de alma. Em primeiro lugar está Portugal”.

Marques Mendes, candidato às presidenciais apoiado pelo PSD, que ao DN, no domingo, tinha dito que “uma nova crise política faria o país entrar no Guinness como um caso único de irresponsabilidade” veio ontem acrescentar mais uma frase: “O Governo depende do Parlamento, não do Presidente” - replicando, assim, a narrativa do Governo.

António Vitorino e Gouveia e Melo, outros potenciais candidatos a Presidente, optam, por agora, por não comentar a atual crise política.

As perguntas a Montenegro

O PS recusa, para já, revelar a lista do que falta explicar por parte de Luís Montenegro.

O BE decidiu devolver ao primeiro-ministro o desafio que Luís Montenegro tinha lançado aos partidos. A líder bloquista apresentou ontem uma lista de 14 perguntas, “simples e básicas”, que “qualquer empresa deveria saber responder”, que o partido quer ver respondidas pelo primeiro-ministro, ou, alternativamente, o Governo terá de avançar com uma moção de confiança.

Noutro registo, Mariana Mortágua sublinhou que Montenegro “tem de dar as respostas”, independentemente do debate da moção de censura do PCP ao Governo, que o BE votará favoravelmente.

Mortágua frisou que as várias perguntas que têm de ser respondidas são sobre a empresa familiar de Montenegro, a Spinumviva, e sobre as “declarações de rendimentos do primeiro-ministro”.

Para além de querer saber quais são os clientes “não regulares” da empresa Spinumviva, o BE também quer saber “quais os montantes recebidos pela empresa, discriminados por cliente, data e tipo de serviço”.

O BE também quer saber o “tipo de serviço que foi prestado e os recursos que foram mobilizados para prestar estes serviços”. Para além disto, Mortágua garante que o primeiro-ministro terá de esclarecer o motivo pelo qual voltou “a passar a quota” da Spinumviva, “da esposa para os filhos”, tendo em conta “que já não era dono da empresa - porque passou a cota antes mesmo de ser primeiro-ministro”. O mesmo aplica-se à mudança de sede da empresa, anunciada pelo primeiro-ministro.

Quanto às obrigações declarativas, considerando as notícias que foram divulgadas ontem sobre alegadas contas bancárias, com valores inferiores a 41 mil euros (50 salários mínimos nacionais), às quais Montenegro terá recorrido para comprar um apartamento em Lisboa, o BE pergunta “qual o entendimento” que o chefe do Governo tem sobre a “obrigação declarativa de contas bancárias à ordem e direitos de crédito, de valor superior a 50 salários mínimos”.

Também a deputada única do PAN, Inês de Sousa Real, em declarações ao DN, falou em “potencial conflito de interesses com a manutenção” por parte do primeiro-ministro, com uma “participação ao longo deste último ano na empresa” Spinumviva.

A acrescentar ao que já se sabia, Inês de Sousa Real também revela querer saber o que está por trás de “alegados pagamentos faseados” do apartamento de Luís Montenegro em Lisboa, “para estar abaixo do valor daquilo que tem que ser comunicado à Entidade para a Transparência, a par da queixa que foi feita pela Ordem dos Advogados relativamente a uma eventual circunstância de procuradoria ilícita”.

Também o Livre, ao DN, deixou perguntas sem respostas. “Que empresas continuam a pagar avenças? Foram identificadas, para efeitos de declarações fiscais, todas as entidades às quais houve prestação de serviços? Foram cumpridas as regras que envolvem advogados e serviços de caráter jurídico”, questiona o Livre.

Já a líder parlamentar do PCP, Paula Santos, disse ao DN que entende que Luís Montenegro não “sanou a necessidade de serem dados todos os esclarecimentos ao país” face a factos que diz revelarem “promiscuidade entre o exercício de cargos políticos e interesses particulares, o que é inaceitável” e que, a limite, leva a uma “descredibilização” do primeiro-ministro.

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MP está a analisar “denúncia anónima” sobre situação de Montenegro
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Montenegro só ligou a Marcelo depois da comunicação ao país. PR já não atendeu

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