Miguel Arruda foi constituído arguido mas não responde por nenhum crime, porque a Assembleia da República ainda não lhe levantou a imunidade parlamentar.
Miguel Arruda foi constituído arguido mas não responde por nenhum crime, porque a Assembleia da República ainda não lhe levantou a imunidade parlamentar.Foto: Leonardo Negrão

Malas, suspeitas, imunidade e pressões do Chega. Tudo sobre o caso de Miguel Arruda

Esta segunda-feira, o gabinete do deputado eleito pelo Chega foi alvo de "apreensão de malas e objetos que se encontravam nas suas instalações". André Ventura garante que esta ação partiu de uma denúncia que o próprio partido fez ao presidente da AR, mas Aguiar-Branco desvalorizou esta justificação, "porque a investigação já estava a correr".
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O deputado Miguel Arruda, que nas últimas eleições legislativas, em março de 2024, foi eleito pelo Chega, é suspeito de ter furtado cerca de duas dezenas de malas nos aeroportos de Lisboa e Ponta Delgada, ao longo de vários meses. Depois da PSP, a 21 de janeiro, ter feito buscas nas casas do deputado, em Lisboa e em São Miguel, nos Açores, esta segunda-feira foi a vez do gabinete do deputado ser alvo de "apreensão de malas e objetos que se encontravam nas suas instalações", confirmou ao DN fonte da Procuradoria-Geral da República, acrescentando que "o Ministério Público solicitou a colaboração da Assembleia da República" nesta operação.

Com a imunidade parlamentar a travar a interrogação do deputado por parte das autoridades, porque ainda não foi levantada pela Assembleia da República, Miguel Arruda pode continuar a exercer as funções para as quais foi eleito, mas longe da esfera do Chega. Miguel Arruda passou a deputado não inscrito no dia 24 de janeiro, à revelia da vontade de várias instâncias dentro do partido, incluindo a do líder do Chega, André Ventura, que na reunião que teve com o deputado depois de conhecida a suspeita do furto das malas, só lhe apresentou duas opções: a suspensão ou a renúncia ao mandato.

Miguel Arruda foi constituído arguido mas não responde por nenhum crime, porque a Assembleia da República ainda não lhe levantou a imunidade parlamentar.
Ventura fala em "fragilidade psíquica" de Arruda e pede que renuncie ao mandato

Nesta fase, são mais as perguntas que estão por responder do que aquelas que encontraram resposta, começando por aquelas que dizem respeito ao percurso político e profissional de Miguel Arruda.

Quem é o deputado eleito pelo Chega?

Miguel António Taveira Franco Sousa Arruda nasceu a 27 de março de 1984, na ilha de São Miguel, nos Açores, círculo eleitoral pelo qual foi eleito. De acordo com a informação disponível na página oficial do Parlamento, Miguel Arruda é licenciado em Ciências Biológicas, tem dois mestrados - um em Ambiente, Saúde e Segurança e outro em Ciências Biomédicas - e duas pós-graduações - em Engenharia da Qualidade e em Segurança Alimentar e Saúde Pública.

No campo destinado à profissão, o agora deputado não inscrito revela que é técnico superior do ambiente, numa referência à função que desempenhava, de acordo com o Público, na empresa intermunicipal açoriana Musami - Operações Municipais do Ambiente, tendo suspendido este trabalho para assumir o mandato de deputado pelo Chega, em 2024.

Já no Chega, Miguel Arruda trabalhou no gabinete do partido na Assembleia Legislativa Regional dos Açores. Não tendo uma relação assumida com o Grupo 1143, o deputado eleito pelo Chega, através da sua conta na rede social X, defendeu que o líder daquele movimento de extrema-direita, Mário Machado, era "um preso político", depois de ter sido condenado a uma pena de prisão efetiva por ter defendido também no X a "prostituição forçada das gajas do Bloco". Miguel Arruda acabaria por apagar a referência que fez a Mário Machado, tal como acabaria por acontecer com a sua conta no X, já depois de ter rebentado a história das malas.

Qual é agora a ligação de Miguel Arruda com o Chega?

Para além de ter sido eleito pelo partido liderado por André Ventura, não existe. No entanto, a decisão de não ter suspendido ou renunciado ao mandato de deputado faz com que o Chega tenha neste momento 49 deputados. Ainda que o 50.º deputado ocupe agora outro lugar no hemiciclo, isto não significa que o seu voto não vá no sentido em que iria se ainda pertencesse ao Chega. Miguel Arruda, aliás, alegou, em declarações à Lusa, no dia 23 de janeiro, quando transmitiu a André Ventura a decisão de passar a não inscrito, que o fazia por considerar ser "mais fácil provar a inocência sem levar o partido atrás". Mas certamente não será mais fácil para o Chega, ou André Ventura não teria dito, ainda antes de falar com Miguel Arruda, que "se as explicações [do deputado] não forem suficientes, se as explicações não forem aceitáveis, então há um de dois caminhos: a suspensão do mandato ou a renúncia ao seu mandato."

Já depois de confirmar que iria desfiliar-se do partido, Miguel Arruda afirmou que o fizera "única e exclusivamente para proteger o partido", mesmo que antes tivesse considerado que seria mais "fácil" para si próprio.

Já sobre o mandato de deputado, Miguel Arruda diz estar "inocente" de qualquer acusação e de "consciência tranquila", até porque, completa, "estamos num Estado de direito" e "uma pessoa só é julgada e condenada no sítio próprio, perante um juiz. Não é na praça pública."

Nos Açores, à Lusa, o líder regional do Chega, José Pacheco, disse preferir que Miguel Arruda "tivesse suspendido" o mandato. "Ele optou por isso [passar a deputado não inscrito]. Eu disse-lhe sempre que iria respeitar a decisão que ele tomasse."

Esta terça-feira, alegando que não o fazia por "desespero", André Ventura pediu "encarecidamente", durante uma conferência de imprensa na Assembleia da República, que Miguel Arruda suspendesse ou renunciasse ao mandato.

André Ventura, sem aludir a relatórios médicos, afirmou, relativamente a Miguel Arruda: "Penso que estamos perante um problema psíquico ou psiquiátrico."

Miguel Arruda pode ser condenado e deixar de ser deputado?

Por agora, o deputado não inscrito pode deixar de ser deputado, mas alguns passos teriam de ser dados, começando pelo levantamento da imunidade parlamentar, que ainda não aconteceu. Neste momento, Miguel Arruda já foi constituído arguido, o que não é de todo uma condenação, mas uma confirmação de suspeita, que dá também ao deputado o acesso às várias fases do processo em que está envolvido, garantindo a sua defesa. No entanto, indo mais à frente, o artigo 8.º do Estatuto dos Deputados refere que pode haver perda de mandato para os deputados que "venham a ser feridos por alguma das incapacidades ou incompatibilidades previstas na lei, mesmo por factos anteriores à eleição, não podendo a Assembleia da República reapreciar factos que tenham sido objeto de decisão judicial com trânsito em julgado ou de deliberação anterior da própria Assembleia".

Ainda assim, antes de perda de mandato, o mesmo diploma legal contempla, no número 2 do artigo 4.º, a suspensão do mandato quando há um "procedimento criminal", nos termos do n.º 3 do artigo 11.º, isto é, quando é "movido procedimento criminal contra um deputado e acusado este definitivamente", já depois da Assembleia da República ter decidido a suspensão do mandato. Além disso, "a suspensão é obrigatória" quando se trata de um "crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a 3 anos", o que é o caso. O mesmo se aplica no que diz respeito ao levantamento da imunidade parlamentar.

O deputado não inscrito pode continuar a ser deputado até ao final do inquérito?

Sim, Miguel Arruda não é obrigado a renunciar ou a suspender o mandato antes de haver a confirmação de crime doloso, independentemente das pressões que sofra por parte do Chega nesse sentido.

Quantas malas foram apreendidas pela polícia e que indícios há de que foram roubadas?

Na apreensão realizada esta segunda-feira, a polícia recolheu quatro malas, uma mochila e outros objetos do gabinete que Miguel Arruda partilhava com o deputado do Chega Daniel Teixeira, que já mencionara o excesso de malas naqueles espaço, justificado pelo agora deputado não inscrito com as viagens regulares que faz aos Açores, de onde é natural. Para além destas malas, outras 17 tinham sido apontadas como objeto do alegado crime, durante as buscas anteriores, nas casas do deputado em Lisboa e em São Miguel. Portanto, há mais de 20 malas na posse das autoridades, para além de outros objetos.

Sem confirmação por parte das autoridades, até porque o processo está sob segredo de justiça, no dia 24 de janeiro, quando o presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, anunciou que Miguel Arruda tinha sido constituído arguido, o antigo governante e atual militante socialista Miguel Prata Roque denunciou no Instagram, sem mencionar nomes, que "alguém nascido em 1984" tinha criado "o seu perfil na Vinted (uma aplicação informática para vendas on-line de artigos já usados), há 8 meses", referindo que aconteceu, "curiosamente, quando os deputados à Assembleia da República tomaram posse."

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