André Moz Caldas liderou a OPART, que tutela o Teatro São Carlos. Daí a escolha do Chiado para a entrevista. O socialista tem mestrados em Direito e Medicina Dentária.
André Moz Caldas liderou a OPART, que tutela o Teatro São Carlos. Daí a escolha do Chiado para a entrevista. O socialista tem mestrados em Direito e Medicina Dentária.Gerardo Santos

"Lamento que o presidente Carlos Moedas tenha desaparecido da Assembleia Municipal nestes quatro anos"

André Moz Caldas é o candidato da coligação Viver Lisboa à Assembleia e acusa Moedas de se furtar a explicações aos munícipes. Socialista garante não ter “caderno de encargos” de Alexandra Leitão.
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André Moz Caldas é o candidato a líder da Assembleia Municipal de Lisboa via coligação Viver Lisboa. Ao Diário de Notícias, o socialista garante isenção máxima e fiscalização mesmo que o Executivo camarário seja liderado por Alexandra Leitão. Faz críticas à vitimização de Carlos Moedas e à sua ausência do espaço de discussão com os cidadãos.

Como surge este desafio de se candidatar a presidente da Assembleia Municipal de Lisboa?

Foi um convite direto da candidata à Câmara, Alexandra Leitão, que anteriormente já me tinha convidado para coordenar o programa, e achou que teria condições para assumir esta responsabilidade.

Foi presidente da freguesia de Alvalade (2013 a 2018). Que encanto tem o poder autárquico?

É aquele em que mais diretamente vemos o resultado da nossa ação. Vemos muitas questões de espaço público a surgir no terreno. Há esse retorno mais direto de vermos o nosso trabalho em concreto a chegar às pessoas.

Foi chefe de gabinete do Ministro das Finanças e secretário de Estado. Dois cargos relevantes, mas também relativamente na sombra de outros. Não preferia ser candidato a um município?

A questão não se colocou, mas não, não quis. Não tenho nenhuma necessidade de protagonismo. A minha postura na vida pública baseia-se mais numa ideia de colocar as minhas competências ao serviço da comunidade. As Finanças e o Conselho de Ministros são duas torres de controlo da ação governativa do Estado e não há muitas personalidades em Portugal que tenham ocupado altas funções em ambas. A posição de presidente da Assembleia Municipal é uma função em si própria, a sua visibilidade depende do modo como é exercida. Julgo que é preciso reforçar essa dimensão porque é o espaço de cidadania fundamental da cidade, aberto aos representantes da cidade e à intervenção dos cidadãos, onde podem exigir nela o que exigem da Câmara.

Quais são as medidas para aumentar essa participação?

Desde logo, a Assembleia Municipal tem de ter uma política de comunicação própria, autónoma da política de comunicação da Câmara Municipal. O site da Assembleia Municipal é um extraordinário repositório de informação histórica das deliberações da Assembleia, mas é complexo para o utilizador. É preciso um espaço de difusão para que os cidadãos saibam o que acontece na Assembleia Municipal, canais de comunicação diretos entre a Assembleia e os cidadãos. Também já não precisamos de obrigar os cidadãos a virem presencialmente à Assembleia Municipal para participar e podemos, mesmo em contexto de Assembleia descentralizada, ter noites de participação à distância dos cidadãos que não tenham condições ou vontade de se deslocar. Gostaria ainda de felicitar a iniciativa da Rosário Farmhouse, que criou a Assembleia para as crianças e queria alargá-la aos jovens e tentar chegar ao ensino secundário. Tentarei que seja desenvolvido um programa educativo para a cidadania na esfera da Assembleia Municipal dedicado aos 50 anos do poder local democrático.

Inspira-se em algum líder de Assembleia para o cargo?

Um presidente da Assembleia Municipal deve ter a capacidade de, nesse espaço de grande diversidade, criar as condições para que se alcancem os consensos necessários à formação de medidas que resolvam os problemas coletivos. Não fraquejarei na gestão dos trabalhos. O meu conhecimento do funcionamento da Assembleia não provém de ter visto alguns vídeos na internet [responde a Margarida Mano, candidata da coligação [PSD/CDS/IL], pois tive a felicidade de me cruzar com duas presidentes da Assembleia Municipal que considero de excelência: Helena Roseta, que criou a Casa da Assembleia, e a presidente Simonetta Luz Afonso, com quem convivi como presidente da comissão que integrava. A Assembleia Municipal teve figuras extraordinárias, às quais não me equiparo, como José Saramago, João Amaral ou Modesto Navarro.

Rosário Farmhouse foi presidente da Assembleia de 2021 a 2025, mas o PS escolhe-o agora.

Rosário Farmhouse é uma independente, da confiança de Fernando Medina, que foi eleita pelos pressupostos do Partido Socialista e que desempenhou um papel fundamental em condições muito difíceis: por não provir da mesma maioria que foi eleita para a Câmara Municipal e porque houve uma menor civilidade na forma de expressão de alguns deputados municipais. Acho natural que, tendo servido durante quatro anos, pudesse querer afastar-se. Não tenho noção de como foi o processo, mas não desprestigia o desempenho de Rosário Farmhouse.

Coordena o programa eleitoral de Alexandra Leitão. Teme ser considerado o homem-sombra desta candidatura?

Não pode acontecer. Com toda a clareza, coordenar o programa não torna o programa um trabalho de autor. É, isso sim, criar as condições para que, num contexto de coligação, haja um entendimento com todos os partidos envolvidos relativamente às necessidades do programa. Também não é o programa da Alexandra Leitão, é uma junção participativa. Eu e a Alexandra somos professores da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e fomos governantes durante a pandemia de covid-19, o que nos aproximou. Tivemos uma relação excelente de trabalho. Há uma amizade e não uma certa dependência que senti na outra candidatura [fala de Margarida Mano e de Moedas]. Alexandra Leitão não me deu qualquer caderno de encargos, somos candidatos a órgãos diferentes e sabe que fiscalizarei o Executivo municipal. Não serei o presidente da Assembleia Municipal da coligação Viver Lisboa. Tenho de ser equidistante de todos os partidos e ter um fortíssimo dever de isenção.

Alexandra Leitão foi escolhida por Pedro Nuno Santos para ser candidata à Câmara. O André foi responsável pelo programa eleitoral de José Luís Carneiro. Faz a ponte entre os dois?

Participo muitas vezes nessa interlocução, isso mostra que depositam confiança em mim, tenho um espaço de intervenção, mas eles têm uma relação direta e comunicam com regularidade.

Se Carlos Moedas for eleito, será uma força de bloqueio na Assembleia Municipal?

Era o que faltava, não é essa a natureza da função de presidente da Assembleia Municipal. Lamento que nestes quatro anos se tenha visto o desaparecimento do presidente da Câmara da Assembleia, que é uma falta de respeito para os munícipes e para os deputados. Delegou no vice-presidente essa função, como delegou em todos os outros vereadores todas as funções na Câmara. Darei nota pública caso aconteça esse desrespeito, embora acredite que a próxima presidente da Câmara vá ser Alexandra Leitão.

Joana Baptista chega de Oeiras com suspeitas de gastos indevidos em viagens e almoços. Carlos Moedas terá usado fundos públicos em cartazes e no livro que publicou. Na Assembleia, terá como preocupação a fiscalização de gastos públicos?

Essas competências de fiscalização são próprias dos deputados municipais e devem ser criadas as condições para que façam esse escrutínio com a qualidade e intensidade que merece. A posição da Comissão Nacional de Eleições é o corolário disso mesmo, sinalizando cartazes de campanha em altura indevida. Carlos Moedas não tem, também, feito distinção nas redes sociais entre o que é o presidente e o candidato. Veio dizer-nos que está preocupado com as eleições, mas acompanhou-se do seu diretor de campanha ao Elevador da Glória. Já ouvimos essa frase, no caso Passos Coelho. Não se devem desmerecer eleições. Quanto à candidata a vereadora que vem de Oeiras: não é a única que vem de algum lado. É extraordinário que na candidatura de Carlos Moedas se tenha depurado toda a sua lista de vereação escolhida há quatro anos. E dos novos, agora escolhidos, poucos vivem em Lisboa. Não há nada de mal em ter participação na vida autárquica, em particular numa capital como Lisboa, onde trabalha muita gente que reside noutros concelhos. A questão é a dimensão que toma na construção da lista de Moedas. Sou de Lisboa, vivi em vários bairros de Lisboa e escolhi o Chiado para a nossa conversa precisamente porque é o coração de uma Lisboa autêntica, transformado ao longo do tempo, e um espaço geográfico sentimental para a minha ideia de Lisboa.

A tragédia no Elevador da Glória marca as eleições. Carlos Moedas deveria demitir-se?

É preciso não hesitar e apurar todas as responsabilidades técnicas e políticas. Não quero acrescentar nada ao que foi dito, até pelo Presidente da República, mas há uma outra camada de responsabilidade que temos de considerar: a forma de reagir. Compreendo mal que Moedas tenha reunido com o Conselho de Ministros antes de reunir com a Câmara. Depois, entendo pior que desse Conselho de Ministros tenha resultado uma declaração a partir da residência oficial do Conselho de Ministros. O líder da Câmara fala nos Paços do Concelho. Depois, tiveram de vir vereadores falar em nome da Câmara. Isso dá uma leitura de como Carlos Moedas reage em circunstâncias desta gravidade. É fundamental que os lisboetas façam essa reflexão no dia 12 de outubro [data das autárquicas], mais do que se clamar agora pela sua demissão. Porque pode ter de apresentar as suas responsabilidades políticas mais à frente. Os lisboetas não podem ter confiança se é Moedas o candidato a presidente ou Gonçalo Reis [ex-CEO da RTP e n.º 2 da lista]. E isso é uma questão maior da eleição. Já Alexandra Leitão não se candidata contra Moedas, mas antes por uma visão alternativa de cidade, equilibrada, e não se posiciona como Moedas, que é a favor de uma determinada necessidade para alguns. A tragédia do elevador é o corolário dos desleixos quanto à manutenção da cidade, que tem um excesso de carga turística. Lisboa beneficiou, numa altura de profunda depressão económica, do turismo para um nível de reabilitação urbana sem precedentes, mas agora é preciso equilibrar os usos da cidade.

Concorda com o facto de o PS ter viabilizado todos os orçamentos de Carlos Moedas?

Sim, acho que foram dadas condições de governabilidade a quem tinha ganhos eleições. É falso o alarme que Moedas faz, ao dizer que não teve condições para executar. Tanto assim é que João Ferreira, da CDU, acusa o PS de se ter conluiado com Moedas. Entendam-se. As duas coisas o PS não pode ter feito. Foram raras as vezes que o PS bloqueou Carlos Moedas. Não resulta a estratégia de vitimização. É sempre exigido ao PS que assegure as condições de governabilidade à direita, foi assim com Moedas e com Luís Montenegro, como se não dependesse do PSD encontrar abertura e flexibilidade para, sem maioria, procurar consensos.

José Luís Carneiro estabeleceu a meta de ter mais câmaras do que o PSD e vencer em Lisboa, Porto, Coimbra e Braga. É viável?

Não só acho que é viável nesses princípios, como acho viável noutros. Por exemplo, Évora. Seria uma felicidade que Évora pudesse ter Carlos Zorrinho como presidente quando for Capital Europeia da Cultura. Não há nenhum sinal eleitoral que indique uma derrota de José Luís Carneiro. Acaba de ser eleito líder do Partido Socialista. Está a fazer um notável trabalho de reconciliação do PS com a sua base eleitoral, de redução das diferenças territoriais e sociais, voltando a colocar o PS como grande partido no território nacional e interclassista.

José Luís Carneiro segue a ideia de António Costa de descentralizar poderes para as Câmaras?

Foi autarca e tem um grande conhecimento do território. Sim, o processo de descentralização permite aos municípios terem recursos para decidir a sua política local. No caso de Lisboa, falo do tempo em que presidi Alvalade, foi um êxito. Até deixar de haver um edil da Câmara que acreditasse nessa descentralização.

Coordenou o programa de José Luís Carneiro e apoiou-o quando se candidatou frente a Pedro Nuno Santos. Onde vê diferenças?

Foi uma escolha entre pares. Fui colega de Governo de ambos e, não obstante ter cooperado com grande agrado com os dois, a relação aprofundou-se mais com José Luís Carneiro. Até sou da geração de Pedro Nuno Santos e conheço-o há mais tempo, mas houve maior identificação com Carneiro. É um homem que expressa ponderação no modo como vê a compatibilização dos interesses dirigentes de qualquer sociedade. Tem uma disponibilidade grande para ouvir e sentir os portugueses. Não acho que existam grandes diferenças nas linhas programáticas. José Luís Carneiro fala para um universo mais alargado da sociedade do que Pedro Nuno Santos.

Para se reconstruir, o PS deve procurar acordos ao centro?

O PS ocupa uma posição específica para assegurar governabilidade à direita ou à esquerda. E não deve afastar-se dessa posição. Não existe nenhuma indisponibilidade para dialogar com partidos à esquerda, como se vê na lista a Lisboa. Mas não fechamos a porta a entendimentos estratégicos com o PSD em áreas de soberania. Logo, não há nenhuma inevitabilidade neste namoro entre o PSD e o Chega. O que a história nos diz é que as pessoas tendem a votar no original e não na cópia. Portanto, se o PSD e o CDS querem ultrapassar o Chega sendo de extrema-direita, dificilmente vão conquistar o eleitorado do Chega.

André Moz Caldas liderou a OPART, que tutela o Teatro São Carlos. Daí a escolha do Chiado para a entrevista. O socialista tem mestrados em Direito e Medicina Dentária.
Alexandra Leitão escolhe nome importante do programa eleitoral de José Luís Carneiro para Assembleia Municipal
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