O PAN enfrenta um momento importante na consolidação como partido político ao ver, desde 2023, várias desfiliações no partido, entre elas membros que faziam parte da Comissão Política e que eram figuras nas respetivas distritais. Ao contrário de outros partidos, em que a oposição às lideranças leva à organização de moções ou até eleições internas, no PAN têm sido as saídas a alarmar os militantes. Com base nessa preocupação, o Diário de Notícias entrevistou várias figuras do PAN, que, na generalidade, lamentam a incapacidade de contrariar a atual porta-voz, Inês Sousa Real, os estatutos e a falta de democracia interna. A estratégia para as autárquicas e os maus resultados em eleições não passam despercebidos também.Fernando Geração foi eleito para a Comissão Política Nacional vindo da lista de Nélson Silva, que se candidatou em 2023 à liderança, e relata a autocracia atual. “A Comissão Política Permanente foi feita como um grupo de amigos. Prevê-se que sejam sete pessoas eleitas, logo em 2023 não foi possível a mais ninguém fazer uma lista. Pedi uma jurisdição interna, alegaram que tentava impugnar eleições. O Tribunal Constitucional emitiu um parecer chumbando os estatutos de 2023, que a direção alegava já estarem em vigor. Só a partir daí é que se considerou que os estatutos são os antigos, que faltam ser aprovados”, lamenta o trofense, referindo que Inês de Sousa Real “anda numa caça às bruxas” e que nestes “dois anos e meio metade do tempo das comissões políticas se passaram a falar de processos disciplinares.” Por isso, pede debate interno, a mudança na porta-voz e uma política de regresso nas filiações. “A distrital de Braga acabou, a de Viseu não existe, as de Santarém e Setúbal estão para acabar. É preciso que as pessoas que saíram voltem. Perdemos quadros muito bons. Mas é importante as pessoas perceberem que primeiro saíram os opositores da porta-voz, agora já saem pessoas da lista por ela eleita. Já tivemos reuniões online com menos de 14 pessoas”, relata Geração, pedindo que o PAN, como “partido moderno”, promova “diretas”. Avisa que vai “impugnar eleições se o Congresso não permitir que filiados sem estarem agrupados em distritais possam eleger delegados.” Pede uma “leitura” dos “vários maus resultados eleitorais” e o fim de ciclo de Sousa Real. O congresso deveria ter acontecido a meio de 2025, mas ao DN, a porta-voz do PAN, justificou que “não houve maioria” no partido para se aprovar uma data. Ficou a promessa de que iria acontecer até final do ano, o que os militantes desconfiam. “Duvido que aconteça até lá, porque precisaria de mês e meio para uma participação democrática”, considera Pedro Fidalgo Marques, da concelhia de Oeiras e ex-candidato às Europeias em 2024, que se afastou de Sousa Real e se demitiu da Comissão Política Permanente em maio. “Não atirei a toalha ao chão, não estou associado a nenhuma corrente, continuo com o respeito pelo partido, a defender as causas, mas temos de perguntar onde nos diferenciamos. Os líderes estão sozinhos nas campanhas, temos de ouvir as bases. Têm saído pessoas porque não se sentem envolvidas, não porque tenham deixado de acreditar nas causas. O silêncio não é sinónimo de lealdade, mas sim de conivência. No PAN tem-se confundido muito isso. Criou-se uma ideia pré-concebida de que, para se ser leal, tem de se dizer sim a tudo. Temos uma porta-voz para sermos um partido horizontal e se nos calamos não estamos a ajudar”, diz Fidalgo Marques, um dos filiados com mais visibilidade e por isso apontado a uma potencial candidatura, a qual agora não quer considerar. “Tenho usado a minha voz para que se encontre o rumo. Não há margem para mais divisões, precisamos de nos sentar e discutir as bases, aproximar filiados aos simpatizantes. Não está em cima da mesa uma candidatura, se um dia serei candidato? Quem sabe”, responde, considerando Sousa Real “uma excelente parlamentar” e estar “alinhado nas principais causas”, mas com críticas na orientação estratégica. “A questão das coligações nas autárquicas foi fraturante, podiam fazer sentido por não sermos de esquerda ou direita, mas definimos linhas vermelhas em janeiro. Não era o problema o PSD, mas os partidos que estavam além do PSD [IL, CDS-PP]. Agora, em Sintra, faltou comunicação mais assertiva, o PAN garante estabilidade governativa e o PSD terá o Chega ao lado. Devíamos ser oposição construtiva. Passámos de 44 eleitos municipais para 12 ou 13 em nome do PAN. Não temos sabido afrontar, negociar, isso viu-se também pela abstenção no Orçamento de Estado, como se fosse haver muita abertura para acolherem as nossas propostas na especialidade”, aponta Fidalgo Marques, que pergunta se “os órgãos eleitos representam a vontade das bases do PAN”, já que “cerca de metade das pessoas nas listas de delegados da Comissão Política Nacional saiu”, lembrando que muitos desses “pertenciam à lista de Sousa Real”. Quer leituras de Sousa Real, mas constata que se a porta-voz “tivesse ido a eleições internas após as legislativas talvez fosse eleita com conforto.” O ex-candidato às europeias não conseguiu eleição em 2024 e, desde aí, foi notório o seu desaparecimento das ações do partido. .Fernando Geração pertence à Comissão Política e relata a insistência de Sousa Real em “processos disciplinares” e reuniões online com “menos de 14 pessoas.” Rui Prudêncio saiu do partido e fala em “prepotência para manter críticos afastados.”Críticas de autocracia.O PAN chegou a ter quatro deputados. O DN conseguiu saber que, desde 2017 até 2022, o partido passou de 810 filiados ativos a 1433. Sem números oficiais desde aí, em nota enviada por Inês de Sousa Real, o partido relativiza a questão das filiações, lembrando que, nas passadas três semanas, entraram 17 pessoas. Faltam também “As desfiliações de militantes que se encontravam afastados da vida ativa do partido são processos de formalização, que ocorrem naturalmente. Noutros casos, manifestaram publicamente apoio a outros partidos nas últimas eleições autárquicas violando os estatutos”, justificou a porta-voz ao DN. “Fiz parte da Comissão Política até 2023, não me desfiliei, mas tão cedo não me candidato outra vez à liderança”, diz-nos Nélson Silva, lamentando a “falta de debate” e que, a partir de 2021, “o PAN se tornou um projeto pessoal” e que foram crescendo as perseguições”, considerando que hoje o partido “é de uma pessoa só.” Quanto a uma eventual candidatura de Fidalgo Marques diz não ser “consensual”, mas que “poderia fazer sentido com as ideias certas.” Criticando a “abstenção sem qualquer impacto por ser uma única deputada”, compreende a necessidade de coligações, mas que é um “sinal de desespero porque não havia forma de ter pessoas para representações individuais.” Fala em autocracia. “Com André Silva foram aparecendo outras pessoas, agora sente-se o engrandecimento de uma só pessoa e os filiados batem com a porta”, critica o diretor de investigação e desenvolvimento em softwares de informação, relembrando que o tema Presidenciais não foi decidido por “falta de pessoas para atingir o quórum.”Rui Prudêncio optou mesmo pela desfiliação em 2024. “A minha saída prende-se por questões de organização interna. O partido tornou-se uma autocracia da atual líder. Inês Sousa Real começou a usar linhas vermelhas com o golpe na candidatura do Joaquim Sousa nas eleições regionais em 2023. Ao fazer aquela substituição não regulamentar, o PAN correu o risco de não eleger na Madeira. Há uma prepotência de querer manter os críticos afastados”, relata de coração aberto ao DN, explicando as críticas quanto aos processos de eleição dos delegados, recordando quando esteve nas listas de Nélson Silva. “Lisboa e Porto elegem mais, o rácio é definido pela comissão organizadora do congresso, que é nomeada pela Comissão Política Nacional. Elegemos sete pessoas de 27 na Comissão Política: em Faro, Lisboa e Setúbal. A distrital de Lisboa estava ao lado da direção, a do Porto da Bebiana Cunha [ex-deputada que se afastou também de Sousa Real]. As coisas estão preparadas para que o jogo fique na mesma. Por saber que não há hipótese nenhuma é que as pessoas saem. Está centrado em Sousa Real, que se rodeia de uma Guarda Pretoriana”, explana, justificando, por isso, as desvinculações. “O PAN poderia ter talvez 2000 filiados no período áureo, mas não divulga novos dados e não se sabe se contam também as pessoas que não pagam as quotas”, comenta, lembrando que o mal-estar começara com a saída de André Silva, primeiro deputado eleito pelo PAN. “Há hoje uma visão mercantilista” e “falta de exigência negocial”, termina Prudêncio. Avizinha-se discussão acérrima nas próximas reuniões do PAN e o congresso terá de ser marcado. Para já, não há um nome com candidatura a porta-voz. .Fidalgo Marques, cabeça de lista às europeias de 2024, diz que “o silêncio não é sinal de lealdade, mas de conivência” e responde com um “quem sabe” numa candidatura futura. Nélson Silva “tão cedo não se candidata”. Há “engrandecimento de uma só pessoa”, atira.Sucessão.Opositor de Inês Sousa Real desfilia-se do partido e PAN justifica saída ao DN .Dezenas de militantes abandonam PAN: "Partido desvirtuou o seu ideário"