Três meses depois de terem almoçado, quando se admitia que o primeiro apoiasse o segundo, André Ventura e Henrique Gouveia e Melo reencontram-se nesta segunda-feira, às 21.00 horas, na RTP, para um dos mais decisivos debates televisivos das eleições presidenciais. Nas últimas seis sondagens, o líder do Chega lidera em três, uma das quais empatado com o almirante que coordenou a vacinação contra a covid-19, ficando Marques Mendes à frente nas três restantes..Muito diferentes naquilo que defendem e no tom em que debatem, André Ventura e Gouveia e Melo coincidem na ambição de serem o primeiro chefe de Estado eleito sem apoio do PS ou PSD. Com o paradoxo de o líder do Chega ter mais hipóteses de vencer a primeira volta, enquanto o militar na reserva tem vantagem na segunda volta se enfrentar o adversário desta noite.Para Riccardo Marchi, o mais interessante “será ver como os dois tentarão desmontar a imagem de ‘fora do sistema’ do outro”, pois disputam “eleitorado não-político, de protesto, tendencialmente abstencionista”. Se Ventura pode criticar o posicionamento de Gouveia e Melo entre socialismo e social-democracia, num “mais do mesmo bastante confuso”, realçando as referências a Mário Soares, “que para o Chega é símbolo de podridão do regime”, e os apoiantes oriundos do socratismo, o investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE acredita que Gouveia e Melo se centrará “no extremismo de Ventura, que representa um perigo fraturante para a coesão nacional e perigoso para os pilares constitucionais”. Mas também no seu perfil de “homem de ação com provas dadas”, durante a pandemia, “contra o candidato que berra por tudo e por nada”..Barómetro DN/Aximage. Com Gouveia e Melo em queda, é André Ventura quem lidera intenção de voto presidencial.Realçando que as sondagens revelam empates técnicos entre o trio da frente, o que se aplica a António José Seguro e João Cotrim de Figueiredo em algumas, André Azevedo Alves, coordenador científico do Centro de Investigação do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, defende que a grande vantagem de Ventura está na forma como se dirige a quem votou Chega em legislativas. “Num contexto em que o próprio é o candidato, o eleitorado poderá ser muito mais fidelizável do que qualquer eleitorado a que Gouveia e Melo aponte”, diz, notando que este “tem flutuado” no espetro político, algo que “lhe pode sair muito caro”.“Independentemente de ser mais à direita ou mais à esquerda, Gouveia e Melo não tem um eleitorado de base. Tem base de apoio potencial maior do que a de Ventura, mas com fidelização muito menor”, diz André Azevedo Alves. Enquanto a estratégia do líder do Chega “é muito mais clara”, tendo de garantir o máximo possível dos votos que lhe deram a segunda maior bancada parlamentar, antevê dificuldades para quem “partiu de uma posição em que era equacionável ganhar logo à primeira volta, de forma esmagadora, e se foi desgastando”.Mas tudo mudará se Gouveia e Melo passar à segunda volta. Se for com o adversário que enfrentará na RTP, e que procurará “colá-lo às políticas de imigração da esquerda”, a elevada taxa de rejeição de Ventura ajudará a concentrar voto útil em quem tem imagem de ser “o candidato mais transversal”. Mas ressalva: “Não excluo em absoluto o cenário de Ventura ganhar a segunda volta, pela dinâmica da campanha e pelos ventos a nível internacional, bastante favoráveis à sua área política.”Quanto ao debate, apesar da expectável preponderância de Ventura, Azevedo Alves diz que as baixas expectativas jogam a favor do almirante: “Se não fizer grandes erros, é possível que fique a ideia de que se aguentou bem e se mostrou presidenciável.”