"Se me perguntar qual a influência de Aníbal Cavaco Silva nos partidos e no PSD, hoje em dia, eu diria que é nenhuma”. A frase é de António Costa Pinto, investigador no Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa. Ainda assim, diz, homenagear o antigo primeiro-ministro é algo “natural”. Afinal, “Cavaco ainda é a principal referência do PSD a dois níveis”. Quais? “Em primeiro lugar, foi ele quem conseguiu que o PSD tivesse duas maiorias absolutas - coisa que nunca mais aconteceu. E, depois, teve uma governação com fortíssimo apoio eleitoral da sociedade, que também não se repetiu”.Aníbal Cavaco Silva será homenageado esta quarta-feira numa cerimónia que decorre a partir das 13h00 no Palácio de São Bento, residência oficial do primeiro-ministro. O objetivo é assinalar os 40 anos da tomada de posse do primeiro Governo de Cavaco Silva, que iniciou funções a 6 de novembro de 1985. Seria o início de um período de dez anos a liderar executivos - e, em duas ocasiões, conseguiu mesmo maiorias absolutas. Entre 2006 e 2016, foi também Presidente da República, eleito sempre à primeira volta.A ligação de Luís Montenegro, atual primeiro-ministro, é no entanto mais do que meramente partidária, tendo já o chefe do Governo nomeado Cavaco Silva como a sua “referência política maior”. No livro Na Cabeça de Montenegro, da autoria do jornalista Miguel Santos Carrapatoso, o primeiro-ministro refere que Cavaco Silva foi quem o “despertou mais para a vida política”. “Foi ele que me impôs mais pensamento, mais reflexão. Acho que o projeto dele foi o único, verdadeiramente, que teve um princípio, um meio e um fim”, afirmou o governante nesse livro..Haverá então motivos para fazer um paralelismo entre as políticas de Cavaco e as do atual Governo? “É muito difícil”, diz Paula do Espírito Santo. Ao DN, a professora associada no Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP) explica que “são tempos diferentes”. Na sua opinião, o traço mais comum entre ambos os rostos serão “as origens de nível cultural e geográfico, não sendo dos grandes centros mais próximos do projeto político central”, uma vez que Cavaco Silva é natural de Boliqueime, no Algarve, e Luís Montenegro é natural de Espinho, no distrito de Aveiro. Isso “pode ajudar a aproximar as posições e, no fundo, a trazer uma mensagem mais clara, mais próxima, mais emotiva”, considera a investigadora. Questionado sobre esta proximidade, André Azevedo Alves, professor na Universidade Católica Portuguesa, entende “a lógica comunicacional e política” da associação. Mas, tal como Paula do Espírito Santo, não reconhece ao atual Governo uma influência ou uma proximidade entre Cavaco e Montenegro. Sobretudo porque “ao nível da concretização de problemas estruturais em áreas como a saúde, a habitação”, não permitem “que esse paralelo seja feito”.Por isso, ainda que por motivos diferentes, os três académicos ouvidos pelo DN concordam que a homenagem organizada pelo Governo é “natural” e “inteiramente justa”. Mas, ressalva André Azevedo Alves, “isso não deve levar a que se esqueça o que correu mal no cavaquismo, sobretudo nos anos finais”. “A homenagem faz todo sentido, até pelo contraste com o que aconteceu antes, no período pós-revolucionário, quase estabilização se dá efetivamente, com a governação de Cavaco Silva”, analisa o professor da Universidade Católica Portuguesa, dizendo ser “quase ridículo” compará-la com outros governos ao longo dos anos. Já Paula do Espírito Santo olha para a cerimónia como uma forma de “conferir” ao PSD “a História e o lastro político, pensando até que pode haver uma herança que se vai tentando corporizar”. Afinal, diz, Cavaco Silva “é alguém que tem um valor histórico importante para o partido, pelas funções que teve e desempenhou ativamente até há dez anos [quando deixou de ser Presidente da República]”. Além disso, e não obstante estar afastado da vida política desde 2016, Cavaco Silva “continua a intervir pontualmente, marcando, por vezes, o debate político”, sobretudo recorrendo a artigos de opinião nos media. Num desses textos, publicado no Expresso, em setembro, Cavaco Silva ‘traçou’ o perfil para o sucessor de Marcelo Rebelo de Sousa na Presidência da República (dizendo que deve ter experiência política e conhecer o funcionamento das instituições”. Antes, em maio, no Observador, já saíra em defesa do primeiro-ministro, Luís Montenegro, a propósito do caso Spinumviva, dizendo que o chefe do Governo foi “alvo de uma campanha de insinuações” e que “não violou princípios éticos”.Apesar de não acontecerem frequentemente, homenagens deste tipo já se realizaram. Por exemplo, em 2016 (ano em que, curiosamente, Cavaco deixou de ser Presidente da República), o primeiro Executivo de António Costa assinalou os 40 anos da tomada de posse do I Governo Constitucional (1976-1978), liderado por Mário Soares, figura histórica do PS..A cerimónia de homenagem que se realiza esta quarta-feira após o Conselho de Ministros (marcado para as 9h30) terá dois pontos principais: no primeiro, estarão presentes os membros do Governo, com Luís Montenegro e Cavaco Silva a terem intervenções planeadas. Segue-se depois a inauguração de uma exposição fotográfica intitulada Aníbal Cavaco Silva: uma década em imagens - O Primeiro-Ministro que transformou Portugal. As imagens são da autoria de Rui Ochôa, atual fotógrafo da Presidência da República.“Foi o político mais bem-sucedido e marcante”Agora homenageado, Aníbal Cavaco Silva sempre jurou não ser um “político profissional”. Ainda assim, governou Portugal de 6 de novembro de 1985 a 25 de outubro de 1995 e foi Presidente da República entre 9 de março de 2006 e 9 de março de 2019. Antes, entre 1980 e 1981, já tinha sido ministro das Finanças no Governo liderado por Francisco Sá Carneiro.Protagonizando “as premissas daquilo a que podemos chamar uma política social e económica de centro-direita muito alinhada com a Europa”, como lhes chama António Costa Pinto, Cavaco Silva acabou por ser “o primeiro-ministro que permitiu que se consolidasse o projeto europeu também na própria entrada de Portugal” nas comunidades europeias, explica Paula do Espírito Santo. Isto, aliado a outros pontos “que se têm como adquiridos”, como a “liberdade de imprensa” (uma vez que foi no governo de Cavaco Silva que, por exemplo, se legalizaram as rádios-pirata), levam André Azevedo Alves a afirmar: “Foi, do ponto de vista do exercício de funções, o político mais marcante e eleitoralmente mais bem-sucedido. Desde meados dos anos 1980/1990, não voltámos a ter um período transformacional pela positiva”, remata..Formal, exigente e pouco dado a afetos: assim se liderava o primeiro Governo de Cavaco Silva.Montenegro vai homenagear Cavaco Silva 40 anos após tomada de posse como primeiro-ministro.Cavaco Silva convencido de que Portugal tem Governo para quatro anos