Na apresentação da sua primeira candidatura como cabeça de lista da coligação Viva Cascais, com a qual o PSD e o CDS querem prolongar um ciclo de 24 anos ao comando do município nacional mais associado ao privilégio, Nuno Piteira Lopes afirmou que não se apresentava aos eleitores “para repetir aquilo que já foi feito”. E, para passar a ter a “capital da qualidade de vida em Portugal”, salientou que habitação, mobilidade e segurança seriam prioridades do mandato que espera garantir numa disputa eleitoral que, no contexto da Área Metropolitana de Lisboa, só não terá um desfecho mais previsível do que a do concelho vizinho de Oeiras.“Comigo ninguém será obrigado a sair de Cascais porque não consegue aceder ao mercado de habitação”, diz ao DN o atual vice-presidente da Câmara de Cascais, quase a fazer 47 anos, e que assumiu a liderança da coligação de centro-direita por Carlos Carreiras atingir o limite de três mandatos e o presumível sucessor Miguel Pinto Luz ter trocado a vila por Lisboa em 2024, tornando-se ministro das Infraestruturas. Para Piteira Lopes, a resposta passa pela construção de 3600 fogos habitacionais até 2028, destinados a arrendamento acessível, num investimento de 357 milhões de euros. Apesar disso, o candidato a liderar o quinto concelho mais populoso do país (219.636 residentes em 2023) mete de parte a possível ultrapassagem do cada vez menos distante Porto, o que o deixaria só atrás de Lisboa, Sintra e Vila Nova de Gaia. "Costumo dizer que Cascais não tem que se comparar com nenhum município em Portugal. Tem de se comparar com os melhores da Europa”, diz quem não deixa de referir que, com a Faculdade de Direito e a Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova a juntarem-se à Nova SBE em Carcavelos, “nos próximos quatro anos poderemos ter mais alunos universitários do que Coimbra”. . Mais comedido noutros indicadores, Piteira Lopes diz que, “no limite, Cascais não poderá nunca ter mais do que 230 a 240 mil habitantes”. Isto porque, para o “grande desígnio” de ser capital da qualidade de vida, “é necessário termos a população adequada ao nível de serviços que queremos prestar e que tem de ser confortável com as infraestruturas de saúde, educação e rede viária”. Essa ideia de que Cascais “não pode crescer muito mais em termos de população” é uma entre muitas divergências entre a coligação Viva Cascais e o movimento independente criado pelo ex-social-democrata João Maria Jonet. Tendo na comissão de honra figuras ligadas ao PSD (Fernando Negrão e Paulo Mota Pinto) e ao PS (os antigos ministros Marçal Grilo e Maria de Lurdes Rodrigues), sem falar no apoio de António Capucho, o ex-presidente da Câmara de Cascais que iniciou o ciclo da atual maioria, e de João Cordeiro, candidato apoiado pelos socialistas em 2013, o comentador televisivo, com 27 anos vividos nas ruas onde recolheu as assinaturas que espera converter em votos a 12 de outubro, rebate a tese de Piteira Lopes. “Acho que as soluções de controlo de população não fazem sentido. As pessoas têm direito a aspirar a uma vida melhor e este é um dos melhores sítios do país para se viver”, diz ao DN, sentado na esplanada, ainda vazia, da loja original dos gelados Santini, símbolo da vila. Para quem defende que Cascais “precisa de um sobressalto democrático”, atraindo pessoas afastadas da política e oferecendo uma alternativa à “maioria que acha que vai ganhar por defeito e não precisa de fazer grande coisa”, o maior problema do concelho está à frente dos olhos. Melhor dizendo, longe da vista. “Entre os meus amigos, já ninguém vive aqui. É preferível viver em Lisboa, com rendas do mesmo valor, a dividir casa, mas mais perto do trabalho e sem pagar a deslocação. Não dá mesmo para começar uma vida aqui e isso tem efeitos sociais graves, pois é importante os filhos viverem ao pé dos pais e os netos viverem ao pé dos avós”, diz quem se mantém próximo das coordenadas que lhe são familiares. Tendo como uma das principais promessas eleitorais a construção de novos polos urbanos, nas zonas de Tires e da Adroana, com quatro a cinco mil fogos de habitação pública acessível, num horizonte de dois mandatos, Jonet atira críticas à coligação incumbente. Por fazer “zero construção pública” desde a saída de António Capucho e por apresentar “um projeto pouco ambicioso”, na medida em que estarão em causa apenas mil casas novas e 2600 renovadas.Na “cidade em negação”, como gosta de chamar à localidade que compete com Sintra pelo título de principal vila portuguesa, o mediático independente defende que falta construir casas de serviço para profissionais essenciais, sejam professores, médicos, bombeiros, fiscais ambientais ou membros da Polícia Municipal. E que urge eleger quem tenha “peso político” e “oratória” para defender que os salários da função pública não podem ser os mesmos que vigoram no resto do território. “Estamos constrangidos por uma tabela de vencimentos que não é real para quem vive aqui”, comenta, invocando o passado partidário para um desabafo: “Muitas vezes Cascais é visto como um sítio privilegiado e fica mal a um dirigente nacional do PSD levantar essas questões.”Com o “objetivo mínimo” de eleger um vereador, o comentador televisivo, acusado de se oferecer ao PS e à Iniciativa Liberal, garante que não pretende aceitar pelouros se o vencedor tiver de procurar apoio noutros quadrantes. “Tenho a certeza de que farei papel de oposição. E nada mudará, pois haverá uma coligação entre o PSD e o PS, ou o Chega. É o que se está a preparar.”.Protagonistas da oposição.Pela parte de João Rodrigues dos Santos, irmão mais novo do pivot da RTP e um dos 19 vereadores eleitos pelo Chega nas autárquicas de 2021, bem como um dos raros a manter-se ligado ao partido que tinha então o fundador, André Ventura, como deputado único na Assembleia da República, há dois motivos para não aceitar aquilo que diz ter recusado no mandato atual, quando Carlos Carreiras lhe ofereceu o pelouro da Transparência, embora tenha integrado uma comissão de fiscalização às Águas de Cascais: “Quero ganhar, e é para isso que concorro. Não sei se é preciso um pelouro para servir os munícipes. Ao longo deste mandato aprovei muitas das boas propostas que o executivo apresentou, tal como critiquei o que tinha de criticar.”Para convencer os eleitores a votar em si a 12 de outubro, Rodrigues dos Santos menciona a “resposta ao sentimento de insegurança” e o reforço da identidade de um concelho “onde agora há partes que parecem mais o Martim Moniz”, mas põe ênfase no desenvolvimento económico. Sendo Cascais uma das apostas mais fortes da Iniciativa Liberal para eleger, pela primeira vez, um vereador em listas próprias - Manuel Simões de Almeida é o cabeça de lista -, o Chega também aponta a mira “aos impostos que estão muito elevados”, prometendo aumentar a devolução de IRS aos munícipes para o máximo de 5%, baixar o IMI para 0,3% - “porque é o mínimo permitido, pois se não baixaria para zero por cento”, garante - e reduzir a derrama das empresas para o “mínimo possível” de 0,5%. O impacto das medidas está estimado, nas contas do vereador, para um valor aproximado de 60 milhões de euros, o que não lhe parece proibitivo. “Acontece que a Câmara de Cascais é rica. Temos um orçamento superior a 500 milhões de euros. Portanto, acho que conseguiríamos sobreviver com 450 milhões de euros”, defende quem foi técnico superior em vários organismos da Administração Pública antes de ser empresário, e militante do PS antes de se juntar ao Chega.Com imagem de moderado, o que terá contribuído para que o ex-deputado do Chega António Pinto Pereira tenha procurado substituí-lo - pelo contrário, foi afastado das listas para as legislativas de 2025 e acabou por avançar como independente nas autárquicas, apoiado pela Nova Direita e PPM -, João Rodrigues dos Santos orgulha-se de ter convencido o executivo de Carreiras a “escrutinar bem o dinheiro concedido em apoios a associações”. Dá o exemplo da Casa do Brasil, que designa como “braço do Partido dos Trabalhadores de Lula da Silva”, pois “apoiar associações para fazer política não faz sentido”. Quanto ao excesso de estrangeiros, tantas vezes agitado como bandeira no seu partido, sente-se a excecionalidade de Cascais no seu discurso. “O preço das casas está a aumentar acima do que acontece no resto do país e isso poderá ser uma consequência de haver estrangeiros a mais.” Quanto a hipóteses de vitória, notoriamente maiores para o seu partido noutras partes da Área Metropolitana de Lisboa, realça o que considera ser a grande diferentça entre as suas possibilidades e a atitude do candidato socialista, “que já atirou claramente a toalha ao chão”.A poucas centenas de metros do Largo do Município, junto à Praia da Rainha, a mesma onde Dona Amélia enchia os pulmões com a aragem marítima, gozando momentos de sossego na ausência de D. Carlos I, João Ruivo recusa dar um novo desaire do PS como garantido. Candidato do partido, após várias figuras nacionais, incluindo o deputado Marcos Perestrello e o ex-deputado Sérgio Sousa Pinto, não se mostrarem disponíveis a aproveitar a janela de oportunidade da mudança de presidente, por limitação de mandatos, o líder concelhio procura afastar-se de ideias derrotistas tanto quanto um grupo de turistas eslavas, entretidas em sucessivas coreografias no areal, procuram afastar a ideia de que o verão de 2025 terminou na véspera.“Julgo que estamos numa boa posição para poder vencer. Temos ainda três semanas e temos estado a crescer constantemente”, diz o candidato de um partido que perde as eleições autárquicas em Cascais há 24 anos, quanto José Luís Judas saiu do município “com uma imagem muito negativa e injusta”. E cujo último cabeça de lista, Alexandre Faria, que liderou uma coligação com o PAN e o Livre, se encontra agora entre o rol de apoiantes do social-democrata Piteira Lopes.Reconhecendo que as sucessivas derrotas decorrem de “as propostas e os protagonistas que o PS têm apresentado não terem sido propostas e protagonistas de que os eleitores tenham gostado muito”, e também porque “quem cá esteve fez coisas de que as pessoas gostaram”, João Ruivo contrapõe que a coligação PSD-CDS convenceu os cascaenses com a promessa de parar o betão, “denegrindo o trabalho de José Luís Judas, que o tempo irá dizer a qualidade que teve”, mas que “na realidade o que fez foi parar Cascais, que nunca mais evoluiu”.Aos 49 anos, o antigo vereador e atual deputado municipal tem a esperança de conseguir recuperar o tempo perdido pelos socialistas. E ainda mais, na sua avaliação, pelo concelho. “Aqui onde estamos é muito giro, mas dentro de Cascais as pessoas não têm emprego qualificado”, o que diz contribuir para que todos os dias 80 mil munícipes vão trabalhar para fora e “tenham de voltar nos congestionamentos que conhecemos na A5 e na Marginal”.Com uma proposta de organização municipal diferente, na qual o Urbanismo tem de deixar de ser o pelouro mais importante, cedendo tal posição ao das Atividades Económicas, Ruivo diz que “tem de haver uma inversão num orçamento municipal que é alimentado pela construção, nomeadamente através das receitas fiscais decorrentes do IMT, com consequências negativas para a população. “Entramos num ciclo que leva onde estamos hoje, com apartamentos T2 que estão a ser construído, mas já estão vendidos por 2,4 milhões de euros, enquanto os filhos de Cascais têm de ir embora”, diz o candidato do PS, para quem “estamos todos os dias a trabalhar para construir um concelho onde não vamos poder morar, nem muito menos os nossos filhos”. Ao ponto de não hesitar em identificar um processo de gentrificação em curso..Comboios e motores.No que toca a mobilidade, outro dos problemas do concelho, Piteira Lopes destaca a gratuitidade dos autocarros “para todos os que residem, todos os que estudam e todos os que trabalham no concelho”, ao mesmo tempo que aposta no corredor BRT para autocarros elétricos na A5 e na candidatura conjunta das autarquias de Cascais, Oeiras e Lisboa à concessão da linha ferroviária centenária, agora em fase final de requalficação e à espera de novas carruagens. Também para garantir melhoria da circulação, mas nos limites do concelho, João Ruivo insiste na construção das vias rodoviárias longitudinais Norte e Sul, “por fazer há 30 anos”, vendo-os associadas a novas indústrias não-poluentes, o que também contribuiria para o acréscimo no número de empregos qualificados. “Cascais é único em muitas coisas, mas uma delas é ser o único concelho que tem em simultâneo um aeródromo, um autódromo, uma marina, um hipódromo e um casino”, diz, defendendo que os três primeiros permitem um cluster, “atraindo empresas de valor acrescentado para desenvolver novos motores e novos combustíveis”.Menos específico, Rodrigues dos Santos promete, se for eleito presidente, um Cascais “mais rico, mais solidário, mais unido, com identidade mais vincada e com as coisas todas a funcionarem bem”. Mas adverte que “uma coisa é o que nós queremos e outra coisa é o que podemos fazer”.Por seu lado, João Maria Jonet propõe um metro de superfície, com possível ligação a Sintra e Oeiras, num investimento de mil milhões de euros, financiado por fundos europeus. Mas também destaca “o ridículo” de a construção desenfreada ter impedido a existência de uma segunda circular rodoviária, havendo a primeira e a terceira, recusa a “ideia megalómana de um aeroporto de jatos privados” e defende que a aviação privada, concentrada em Tires, vá para Sintra, permitindo que se construa habitação nos antípodas da Quinta da Marinha. Além destes candidatos, têm ambições de eleger um dos 11 lugares da vereação Simões de Almeida (Iniciativa Liberal), Carlos Rabaçal (CDU), Alexandre Abreu (independente que encabeça a coligação Livre-PAN-Bloco de Esquerda), António Pinto Pereira (ex-deputado do Chega que tem apoio da Nova Direita e do PPM) e Fábio Pereira (ADN). .O concelho de Cascais ao Raio-X.Atual presidente Carlos Carreiras (PSD-CDS)Distrito LisboaPopulação residente 219.636 (2023)Área geográfica 97 km2Densidade populacional2264,3/km2 (2023)Número de empresas 36.356 (2022)Ganho médio trabalhador por conta de outrem 1293,70€ (2021) População com mais de 65 anos 23,3% (2023)Taxa bruta de natalidade8,0 por mil habitantesAutárquicas de 2021 PSD-CDS52,55%PS-PAN-Livre21,62%Chega7,42%CDU5,39%Iniciativa Liberal4,34%Bloco de Esquerda3,66%Nós Cidadãos-PPM1,84%Legislativas de 2025 AD34,54%PS19,96%Chega19,23%Iniciativa Liberal9,09%Livre6,23%CDU2,39%PAN1,97%Bloco de Esquerda1,96%ADN1,32%PCTP-MRPP0,25%Volt Portugal0,22%PLS0,16%Ergue-te0,16%RIR0,15%Nova Direita0,13%PPM0,09%Nós Cidadãos0,05%JPP0,05%Fontes: Ministério da Administração Interna (MAI) e Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia. .Gratuitidade dos transportes fez disparar utilizadores em Cascais, aponta estudo.BRT A5: o corredor que pode mudar a mobilidade entre Cascais, Oeiras e Lisboa