Carlos Moedas disse, em entrevista ao DN, que tem realizado muito mais do que considerava possível em minoria. Concorda?Foram três anos de intensa propaganda, que se basearam sempre na apropriação de coisas que vinham de trás e em pura invenção. Moedas não mede bem os anúncios daquilo que diz que faz, mas é evidente que pôde concretizar algumas coisas, pois a oposição não foi destrutiva. Foi uma oposição responsável, reconhecendo que, tendo ganho as eleições, ele tinha todo o direito a tentar executar algumas das suas propostas e o seu programa eleitoral. Nesse aspeto, a oposição, a começar pelo PS, tem feito bem. Não foi a força de bloqueio que Moedas anuncia diariamente..A cerca de um ano das eleições, entre os problemas da cidade, como a insegurança, a habitação e a mobilidade, qual deve ser a principal aposta para o PS poder reconquistar a Câmara?A habitação é o problema número um da cidade e continuará a sê-lo. Enquanto não houver uma política clara de favorecimento ou de promoção de arrendamento acessível, Lisboa não será uma cidade com muita viabilidade do ponto de vista identitário, cultural e económico..Também tem chamado a atenção, como presidente da Junta de Santa Maria Maior, para os problemas de insegurança.Sou o primeiro a dizer que não há um problema de insegurança na cidade. Há um problema de insegurança no centro histórico, em particular na minha freguesia, por razões diagnosticadas. Como é a zona mais frequentada pelo turismo, e tem uma atividade económica ligada ao ramo alimentar, aqui se concentram pessoas que vêm à procura de apoio, mas também toda a marginalidade. Em Santa Maria Maior, temos uma circulação diária de cerca de 300 mil pessoas. Isto atrai traficantes de droga, carteiristas, assaltantes e gente que dorme na rua - alguns designo de falsos sem-abrigo, pois têm alternativa e estão aqui para melhor observar habitações, fazerem assaltos, traficar droga e controlar o tráfico. A câmara também tem grandes responsabilidades. Ao desenvolver uma política de exploração intensiva do turismo, não se preocupa com a qualidade de vida das pessoas, não toma medidas como a restrição dos horários dos bares e a escassez de iluminação pública, que está uma vergonha. É claro que é preciso uma resposta repressiva, mas mais do que isso uma resposta ao nível de implementação de medidas, que só a câmara pode tomar, que desincentivem a pressão demográfica..Episódios como o furto do telemóvel do ex-primeiro-ministro António Costa ajudaram a trazer visibilidade para o problemaPenso que não. Há carteiristas na cidade de Lisboa, sempre houve, e é bom que não haja, mas não é isso que traz insegurança. Temos consumo de droga na rua, e algumas dessas pessoas são violentas, tal como os que traficam. Há zonas onde os funcionários da junta, para lavarem as pedras da calçada, têm de levar a polícia, pois arriscam-se a ser agredidos pelos traficantes, que têm droga escondida debaixo das pedras. Está a ficar um território muito hostil, tomado por gangues..A autarquia mencionou ontem, a propósito da multa de um milhão de euros pela partilha dos dados de ativistas russos, a pesada herança da gestão do PS. Acha que os lisboetas acreditam nisso?Moedas não teve nada uma pesada herança. Encontrou uma câmara que não está endividada e com um conjunto de projetos em curso, que o presidente habilmente resolveu transformar em seus, mas que não são. A começar pelo plano de drenagem. Não se faz um túnel de seis quilómetros, a 30 metros de profundidade, de um dia para o outro. Herdou um conjunto de circunstâncias positivas e, habilmente, procurou transformá-las em suas. Só acreditam os incautos. Mas o presidente Moedas tem uma característica que acho positiva, mesmo que no meu partido se zanguem comigo: é uma pessoa simpática e muito afável. Isso é importante quando políticos crispados e agressivos fomentam o ódio. E depois tem outra característica que usa muito bem a seu favor, mas não é positiva: é muito bom a fazer propaganda e vive muito de propaganda. Como tem esta candura toda, esta forma de falar, de choramingar, de se queixar, as pessoas vão achando que, se calhar, é mesmo verdade aquilo que está a dizer. Mas passaram três anos, e vão-se apercebendo de que o rei vai nu..Enquanto isso, possíveis candidatos de PS à Câmara de Lisboa ficam pelo caminho. Duarte Cordeiro afastou-se da política até ficar esclarecido o seu envolvimento na Tutti Frutti e Marta Temido foi cabeça de lista ao Parlamento Europeu. Conseguiu perceber a escolha da ex-ministra?Foi uma deceção para muitos, a começar por mim, que acreditávamos que ela era capaz de derrotar Carlos Moedas. Podem ter acontecido coisas das quais não tenho informação, pelo que não quero criticar a decisão. A não ser que a vejo como irreversível, porque o eleitorado iria sentir-se defraudado com uma pessoa que se candidata, está um ano num lugar, e depois volta para trás..A seu ver, quem é o candidato do PS que pode derrotar Moedas?Há bocado mencionou Duarte Cordeiro. Tenho grande amizade e estima por ele, e devo dizer que toda a gente sabe que apoiei José Luís Carneiro para líder do partido, e voltaria a apoiar, mas caso Duarte Cordeiro se tivesse candidato teria tido o meu apoio - estou convencido que até teria do próprio José Luís Carneiro. Mas a vida política é muito intensa, e não há compassos de espera. Se o PS quer ganhar as próximas eleições, tem de começar a preparar-se já. Há bons nomes que tenho lido e Mariana Vieira da Silva seria uma adversária de respeito para Moedas. Mas noto alguma tendência do PS para subestimar Carlos Moedas e achar que as pessoas já se convenceram de que ele foi um flop... Eu acho que vencer o engenheiro Carlos Moedas numa eleição para a Câmara de Lisboa vai ser um objetivo difícil de alcançar, não inalcançável, mas é um grande desafio e o PS tem de ver bem quem é o melhor posicionado para o confronto. Até porque, politicamente, ser presidente da Câmara de Lisboa é o terceiro lugar mais importante do país, depois do Presidente da República e do primeiro-ministro. Aliás, Jorge Sampaio mostrou-o ao concorrer à Câmara de Lisboa sendo secretário-geral do PS..Depreendo que vê que Pedro Nuno Santos pode ser o candidato do PS a presidente da Câmara de Lisboa?Sem nenhum tipo de ironia, nem jogo escondido, acho que o secretário-geral do PS, se se candidatar, provavelmente vence estas eleições. Mas também acho que há um nome que tem de ser obrigatoriamente testado, que é o José Luís Carneiro. Não só pelo seu perfil como pela capacidade congregadora. Não sei se está disponível ou não, mas deveria ser testado. O secretário-geral não deve ser testado. Se quiser ser o candidato, é ele. Ponto final, parágrafo..À frente de uma coligação de esquerda, como Sampaio?Os partidos já não são os mesmos. No tempo de Sampaio, tínhamos o PCP disponível e a UDP, mais tarde Bloco de Esquerda, indisponível. Agora parece que seria ao contrário. O fundamental é que a agenda política de qualquer coligação tem de ser baseada fundamentalmente no programa do PS, com contributos das outras forças políticas, e não misturar tudo. Isso seria descaracterizar o PS e seria condená-lo a médio prazo, ou até a curto prazo. Se o caminho for uma coligação de esquerda, com o secretário-geral teremos fortíssimas hipóteses. Mas, se calhar por razões diferentes, também teremos com José Luís Carneiro..Com ele não seria mais difícil fazer uma convergência à esquerda?Mas será certamente muito mais fácil a captação de votos ao centro, que sempre foram eleitorado do PS e deram grandes vitórias a António Costa. No dia em que abdicar do centro político, o PS estará a condenar-se a si próprio..É essencial não subestimar Moedas?Carlos Moedas é um adversário temível. Quer fazer as pessoas de tolas, mas ele não tem nada de tolo. É preciso ter grande atenção na escolha de candidato para o enfrentar. O PS tem de fazer tudo para tentar ganhar estas eleições autárquicas. E só vai conseguir ganhar Lisboa, em minha opinião, com um candidato fortíssimo. Nada melhor do que as duas hipóteses serem o líder do partido e aquele que lhe disputou a liderança.