Proibição de burcas em espaço público. O tipo de véu, as multas e as exceções no projeto de lei do Chega que o Parlamento aprovou
DR

Proibição de burcas em espaço público. O tipo de véu, as multas e as exceções no projeto de lei do Chega que o Parlamento aprovou

O texto entregue pelo partido de André Ventura, e aprovado na generalidade, tem sete artigos e estabelece a proibição de qualquer forma de vestuário que impeça a identificação facial em locais públicos. Uma formulação que abrange a burca e o niqab, mas não o hijab, por exemplo.
Publicado a

Com os votos favoráveis da direita parlamentar, foi esta sexta-feira (17 de outubro) aprovado o projeto de Lei n.º 47/XVI/1.ª, apresentado pelo partido Chega, que visa proibir a ocultação do rosto em espaços públicos, com algumas exceções. A proposta, inspirada em legislação semelhante de países como França, Bélgica e Dinamarca, é defendida pelo partido como uma medida de segurança pública e de defesa da dignidade das mulheres, mas promete gerar debate constitucional e social.

O que propõe o projeto

O texto entregue pelo grupo parlamentar do Chega, liderado por André Ventura, tem sete artigos e estabelece, na prática, a proibição de qualquer forma de vestuário que impeça a identificação facial em locais públicos — uma formulação que abrange a burca, o niqab e outras peças religiosas que cubram o rosto, mas não o hijab, por exemplo, já que este consiste basicamente num véu que se coloca ao redor da cabeça, cobrindo orelhas, pescoço, e o cabelo, mas deixando visível o rosto (ver mais abaixo).

Detalhemos o projeto de lei, artigo a artigo:

No artigo 1.º (Objeto), o projeto de lei estabelece que este diploma cria regras de segurança e prevenção associadas à identificação dos cidadãos em espaços públicos.

O artigo 2.º (Proibição de ocultação do rosto) prevê a proibição do uso de roupas que impeçam a exibição do rosto em locais públicos e também a proibição de forçar alguém a cobrir o rosto por motivos religiosos ou de género.

O artigo 3.º (Definições) especifica que se consideram espaços públicos as vias públicas, locais abertos ao público e edifícios afetos a serviços públicos, incluindo transportes, hospitais e escolas. A proibição é extensível a eventos desportivos e manifestações.

Já o artigo 4.º (Exceções) identifica várias exceções, entre as quais:

- Motivos de saúde, profissionais, artísticos, de entretenimento ou publicidade;

- Locais de culto e instalações diplomáticas e consulares, bem como aviões;

- Condições climáticas, razões de segurança ou outras situações previstas por lei.

No artigo 5.º (Sanções) são previstas coimas entre 200 e 2.000 euros em caso de uso por negligência e entre 400 e 4.000 euros em caso de uso com dolo (intenção).

No artigo 6.º (Ocultação forçada do rosto) estabelece-se que quem obrigar outra pessoa a esconder o rosto através de violência, ameaça ou abuso de poder pode ser punido ao abrigo do artigo 154.º do Código Penal.

Por último, o artigo 7.º (Entrada em vigor), estipula que a lei, se aprovada, entrará em vigor 30 dias após a publicação em Diário da República.

Os argumentos do Chega

Na exposição de motivos que antecede a proposta dos artigos do projeto de lei, o Chega invoca o princípio da igualdade e da laicidade do Estado, previstos na Constituição da República Portuguesa e na Lei da Liberdade Religiosa, argumentando que nenhum símbolo religioso deve ser privilegiado ou permitido em instituições públicas.

O Chega cita a Lei francesa de 2010, que proíbe a ocultação do rosto em público, e o acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que considerou essa proibição legítima, sustentando que “a preservação das condições da vida em sociedade é um objetivo legítimo”.

O partido refere ainda exemplos de países europeus — como Holanda, Dinamarca, Áustria, Bulgária e Bélgica — que adotaram medidas semelhantes, com coimas que variam entre 135 e 750 euros.

Segundo a proposta, “a República deve ser vista de cara aberta”, expressão retirada do preâmbulo da lei francesa, que o Chega recupera para defender a ideia de uma sociedade baseada na transparência, na identificação e na igualdade entre homens e mulheres.

O texto argumenta ainda que “esconder o rosto é violar os requisitos mínimos da vida em sociedade” e que permitir a burca ou o niqab seria “incompatível com os princípios de liberdade, igualdade e dignidade humana”.

No plano simbólico, o partido defende que esta medida “afirma o respeito pela dignidade das mulheres”, contrapondo-se, segundo o texto, a quem “invoca tal princípio em vão”.

O debate

O projeto de lei foi aprovado com votos favoráveis de Chega, PSD, CDS e Iniciativa Liberal, votos contra de PS, BE, PCP e Livre e abstenção de PAN e JPP.

O projeto foi aprovado na generalidade e vai agora ser discutido na comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Depois volta ao plenário para a votação final global e só depois da promulgação é que poderá entrar em vigor.

A Iniciativa Liberal e o CDS-PP anunciaram o seu apoio ao projeto de lei do Chega que visa “proibir a ocultação do rosto em espaços públicos, com algumas exceções”. O PSD mostrou-se também aberto à proposta, embora tenha sublinhado que “o texto apresentado pode e deve ser aperfeiçoado em sede de especialidade”.

No campo da esquerda parlamentar, o PS alertou para a necessidade de cautela na elaboração de leis num contexto em que, afirmou, a extrema-direita procura “dirigir o ódio” a um grupo específico, referindo-se à comunidade muçulmana. Já o PCP e o Bloco de Esquerda manifestaram oposição ao projeto, enquanto o Livre acusou o Chega de ter apresentado uma proposta “propositadamente mal construída”, recusando dar-lhe relevância política.

Na abertura do debate parlamentar, André Ventura afirmou que o objetivo do projeto é proibir o uso da burca em Portugal, dirigindo-se especialmente à comunidade imigrante.

“Quem chega a Portugal, independentemente da sua origem, costumes ou religião, deve antes de tudo cumprir e respeitar os valores e tradições do país”, declarou o líder do Chega.

Ventura argumentou ainda que uma mulher “forçada a usar burca deixa de ser livre e independente, tornando-se um objeto”, e acusou a esquerda de hipocrisia, por, segundo disse, defender os direitos das mulheres enquanto “aceita uma cultura que as oprime”.

Os diferentes tipos de véus islâmicos

O uso de véus por mulheres muçulmanas varia consoante a tradição, o país e a interpretação religiosa. Alguns destes trajes cobrem totalmente o rosto - e, portanto, são abrangidos pela proibição proposta pelo Chega -, enquanto outros apenas tapam o cabelo e o corpo, deixando o rosto visível.

Véus que cobrem o rosto

Burca — É a peça de maior cobertura. Tapa todo o corpo, incluindo o rosto, ficando apenas uma rede à frente dos olhos. É tradicional no Afeganistão e nalgumas regiões do Paquistão.

Niqab — Cobre todo o corpo e o rosto, deixando apenas os olhos a descoberto. É normalmente de cor escura e atado atrás da cabeça com um laço. O seu uso é obrigatório por lei em países como o Irão e a Arábia Saudita.

Véus que não cobrem o rosto

Hijab — O mais comum entre as mulheres muçulmanas. Cobre o cabelo, as orelhas e o pescoço, mas deixa o rosto completamente visível. Pode ter várias cores e formas de amarração.

Chador — Tradicional do Irão, cobre todo o corpo mas deixa a frente do rosto destapada. É uma peça ampla, sem mangas, e pode ser simples ou decorada.

Abaya — É um vestido longo que cobre o corpo, usado frequentemente sobre outras roupas. Não cobre o rosto nem é considerado, por si só, um símbolo religioso.

Proibição de burcas em espaço público. O tipo de véu, as multas e as exceções no projeto de lei do Chega que o Parlamento aprovou
Parlamento aprova proibição da utilização de burca em espaços públicos em Portugal
Proibição de burcas em espaço público. O tipo de véu, as multas e as exceções no projeto de lei do Chega que o Parlamento aprovou
Proibir burcas no espaço público. “Há uma colisão entre vários bens”
Diário de Notícias
www.dn.pt