A Assembleia da República aprovou esta sexta-feira, 17 de outubro, a proibição da utilização da burca em espaços públicos em Portugal. A proposta do Chega teve o apoio de PSD, Iniciativa Liberal e CDS. PS, Livre, PCP e Bloco de Esquerda votaram contra, enquanto PAN e JPP abstiveram-se.Enquanto IL e CDS-PP declararam apoio ao projeto do Chega que “proíbe a ocultação do rosto em espaços públicos, salvo determinadas exceções”, o PSD manifestou-se “disponível para fazer este caminho”, mas defendeu que “o texto apresentado pode e deve ser aperfeiçoado em sede de especialidade”. Com alguma prudência, a deputada e vice-presidente da bancada social-democrata, Andreia Neto, defendeu que sem segurança não há liberdade e concordou que "é legítimo" que o Estado legisle neste tipo de regras do espaço público.Já à esquerda, o PS defendeu que é preciso cuidado na elaboração das leis, num contexto em que a extrema-direita quer "dirigir ódio" contra um "alvo específico", neste caso a comunidade muçulmana. O vice-presidente da bancada socialista, Pedro Delgado Alves, diz que não há ninguém no Parlamento "que se sinta confortável com a utilização de burca", mas avisa que o debate promovido pelo Chega só pretende "atacar estrangeiros".Já PCP e BE contestaram a proposta, enquanto o Livre acusou o Chega de apresentar um projeto propositadamente "mal feito" e por isso não quis valorizar este debate.Com esta iniciativa, o Chega propõe que seja "proibida a utilização, em espaços públicos, de roupas destinadas a ocultar ou a obstaculizar a exibição do rosto", com algumas exceções. Na abertura do debate, o líder do Chega especificou que o objetivo é proibir que “as mulheres andem de burca em Portugal” e dirigiu-se em particular aos imigrantes.“Quem chega a Portugal, vindo de onde vier, vindo de que região venha, com os costumes que tiver ou com a religião que tiver, tem que acima de tudo cumprir, respeitar e fazer respeitar os costumes deste país e os valores deste país”, defendeu.André Ventura considerou que uma mulher “forçada a usar burca” deixa de ser “livre e independente, passou a ser um objeto” e acusou a esquerda de hipocrisia por defender os direitos das mulheres mas aceitarem "uma cultura que as oprime".O presidente do Chega assinalou que “vários países europeus avançaram já para a proibição das burcas no espaço público” e referiu que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos decidiu que a lei francesa no mesmo sentido não contraria a Convenção Europeia dos Direitos Humanos.No final do debate, Madalena Cordeiro, também do Chega, afirmou, da tribuna: "Isto não é o Bangladesh em que fazem tudo como vos apetece". A deputada disse ainda que "chega de fingir que todas as culturas são iguais".Os argumentos do Chega, as sanções e as exceçõesO projeto de lei pretende proibir a utilização "de roupas destinadas a ocultar a exibição do rosto". Embora a palavra burca não seja explicitamente mencionada, na argumentação da lei o partido de André Ventura aponta o exemplo de países como a Dinamarca, França ou a Bélgica, que já proibiram a utilização do véu islâmico em espaços públicos.O Chega cita também a Constituição da República Portuguesa, que preconiza que "todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei" e "ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual"..Proibir burcas no espaço público. “Há uma colisão entre vários bens”. Nas sanções previstas, estão coimas entre os 200 e os quatro mil euros, dependendo se a utilização da burca for feita por "negligência" ou "dolo".Para quem forçar a ocultação do rosto, o Chega defende uma punição "nos termos do art. 154.º do Código Penal", ou seja, até aos três anos de prisão.O projeto-lei prevê, no entanto, três exceções à proibição: "sempre que tal aparência se encontre devidamente justificada por razões de saúde ou motivos profissionais, artísticos e de entretenimento ou publicidade"; "não se aplica a aviões ou em instalações diplomáticas e consulares, e os rostos também podem ser cobertos em locais de culto e outros locais sagrados"; e "por motivos relacionados com a segurança ou devido às condições climáticas ou sempre que tal decorra de disposição legal que o permita".O projeto foi aprovado na especialidade e vai agora ser discutido na comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Depois volta ao plenário para a votação final global e só depois da promulgação é que entrará em vigor.Numa reação nas redes sociais, o Chega escreve que "as mulheres em Portugal devem ser livres" e que o partido de André Ventura "fez com que isso aconteça". "Quem não concorda, pode voltar para o seu país que aqui não tem lugar!", pode ler-se.."Hoje é um dia histórico para a nossa democracia e para a salvaguarda dos nossos valores, da nossa identidade e dos direitos das mulheres", escreveu, por sua vez, André Ventura..Muçulmanos imigrantes minimizam importância do uso de burca em PortugalO líder do Centro Islâmico do Bangladesh (CIB) afirmou à agência Lusa que vai analisar, após ser publicada, a lei contra a utilização de burca em espaços públicos, mas minimizou a importância dessa roupa entre os muçulmanos em Portugal."Não é normal" o uso de burca, mas "é uma tradição de alguns", afirmou o imã Abu Sayed.A comunidade irá respeitar as leis aprovadas, mas salientou que a prática religiosa deve ser livre. "Cada religião tem as suas tradições e os muçulmanos têm as suas", acrescentou.Já Rana Taslim Uddin, um dos líderes comunitários do Bangladesh em Lisboa, disse que a reação dos muçulmanos vai depender do que ficar escrito no diploma final."Não pode ser uma coisa contra os muçulmanos. Se é uma coisa sobre a cara e o rosto, por questões de segurança, tudo bem. Já há outros países que fazem e não levanta problemas", explicou.Contudo, se a lei "impõe regras de vestir" para as mulheres muçulmanas, Rana Taslim Uddin alertou que isso pode constituir uma violação da lei islâmica.As normas religiosas impõem "uma prática de não mostrar as formas femininas", com uso de "roupas largas" e isso é algo que todos os muçulmanos vão querer manter, avisou.Sobre o uso de burca ou de véu de tape a cara, Rana Taslim Uddin disse compreender a decisão dos deputados portugueses."Há uma questão de segurança que faz sentido o Governo estar atento", salientou.Imã da Mesquita Central de Lisboa diz que a lei é para desviar atenções dos problemas do paísO imã da Mesquita Central de Lisboa acusou entretanto os políticos de “taparem os olhos aos portugueses” com a nova legislação contra o uso da burca e um discurso islamófobo e anti-imigrantes, em vez de resolverem os problemas do país.Quem usa burca (o corpo completamente coberto) “são meia-dúzia de muçulmanas” em Portugal e quem usa ‘nikab’ (uma máscara sobre o resto) são “uma dúzia e pouco”, afirmou o xeque português, recordando que a maioria utiliza véus sobre os cabelos.“O uso da burca não é obrigatório no Islão, o ‘nikab’ também não. Uma muçulmana pode ter um rosto destapado” e “pode vestir as roupas que quiser de livre vontade”, pelo que não se coloca a questão dos direitos das mulheres nesta matéria, considerou.O novo diploma, depois de aprovado, será “analisado pelos constitucionalistas, se vai ou não contra a Constituição da República e se vai ou não contra a lei da liberdade religiosa”, mas, “na prática, se formos ver, quantas muçulmanas foram apanhadas com o rosto tapado a cometerem algo que pusesse a segurança em causa?” – questionou.“Zero”, respondeu, salientando que também não existem casos em que as muçulmanas recusassem identificar-se perante as autoridades, caso usassem burca ou ‘nikab’.“Com tantos problemas graves que nós temos no nosso país, com bebés a nascerem nas ambulâncias ou hospitais a serem fechadas porque não há médicos”, em vez de “dedicarmos o nosso tempo a essas situações e a procurar soluções para isso, estamos a discutir o vestuário de uma muçulmana”, comentou David Munir.Salientando que a “segurança é um assunto importante”, o imã recordou que existem mais riscos relacionados com o uso de armas do que com o vestuário religioso.“Segundo a lei muçulmana, não se pode obrigar ninguém a vestir o que não quer, nem sequer a filhas. E há muitas muçulmanas que não usam sequer o lenço” sobre os cabelos, mas “desde que usem vestuário modesto está tudo bem”, considerou David Munir.Caso a lei seja aprovada, uma família muçulmana que tenha a prática do uso da burca ou do ‘nikab’ passará a “usar o lenço ou não sairá de casa”.Ou então, “provavelmente, poderá ir para um outro país onde se sentirá mais à vontade”, que é o que “alguns parecem querer”, com esta lei que é uma “forma velada de atacar os imigrantes”, com “um discurso um bocado islamofóbico”, salientou Munir.Mas, “acima de tudo”, esta lei “é uma forma de tapar os olhos dos portugueses que pagam impostos” e “de desviar a atenção aos problemas mais graves” do país, acusou ainda.