Com apoio do Chega, Governo aprova no Parlamento pacote anti-imigração em 16 dias úteis
Foi uma das aprovações mais rápidas dos últimos tempos: em 16 dias úteis, o Governo conseguiu aprovar no Parlamento várias mudanças na Lei de Imigração. São medidas que colocam diversos travões na entrada de imigrantes em Portugal e suas famílias.
A votação final global, etapa necessária antes do envio para sanção do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, ocorreu nesta quarta-feira, 16 de julho, a última sessão plenária antes das férias. Da direita, apenas a IL não deu apoio na aprovação, abstendo-se da votação.
Nas bancadas, estavam dezenas de imigrantes de várias nacionalidades e cidadãos portugueses que apoiam os imigrantes, vestidos de preto. Esta presença foi uma forma de mostrar contrariedade às medidas aprovadas.
O apoio essencial nesta matéria para o PSD foi do Chega, com quem negociou previamente o texto da lei. André Ventura esteve reunido pessoalmente com o primeiro-ministro Luís Montenegro para acertar os entendimentos, além de várias reuniões entre os deputados para alterações na proposta.
Em troca dos 60 votos da bancada do Chega e de ajudar na rapidez da tramitação, o PSD aceitou alterações propostas pelo partido de André Ventura no texto final. É o caso, por exemplo, de o imigrante ter de comprovar que o casal viveu junto noutro país, colocando mais uma barreira no reagrupamento familiar. A outra sugestão acatada pelo PSD foi de proibir a emissão de vistos para quem esteve em situação ilegal previamente no país.
Além do apoio do Chega, do CDS-PP o PSD usou as ferramentas regimentais do Parlamento para acelerar a votação, como rejeitar pedidos de audições. Outra medida foi dispensar os dias para revisão do texto e reclamações contra inexatidões antes de seguir para São Bento, para que os documentos cheguem às mãos do Presidente da República o mais rápido possível.
A oposição criticou a condução destes trabalhos na Assembleia da República. Nas duas sessões de votação na especialidade, na Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias, os partidos à esquerda tentaram apelar para que fossem ouvidas entidades visadas, mas foram derrotadas pelos votos da direita.
Nesta sessão, os mesmos partidos de esquerda novamente criticaram o que o deputado Pedro Delgado Alves chamou de "atropelo". O socialista disse que a matéria não diz respeito somente aos imigrantes, mas também para os nacionais e setores económicos do país que dependem da mão de obra dos cidadãos que escolhem Portugal para viver.
Desta vez, a IL também criticou o PSD sobre a rapidez na aprovação. Rui Rocha considerou "inadmissível" a postura do PSD ao "substituir documentos em cima da hora" e não permitir as audições. O liberal, que, antes, reconheceu a "urgência pela política de descontrolo insustentável", também considerou como "um atropelo" a condução dos trabalhos por parte do partido do Governo. António Rodrigues, do PSD, defendeu a rapidez por considerar a imigração um "urgente" e disparou diversas críticas ao PS pelo "descontrolo na imigração".
Eurico Dias, do PS, chegou mesmo a pedir ao presidente da AR, Aguiar Branco, que "apelasse aos deputados do PSD" que suspendesse a votação. Hugo Soares, do PSD, considerou a atitude "miserável" e que não existe no regimento.
Mas não só os partidos criticaram a rapidez da aprovação. Em entrevista ao DN, a juíza Eliana de Almeida Pinto, do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF), criticou que o Parlamento deu o prazo de apenas um dia para que o Conselho emitisse um parecer. “Tal como uma lei não se faz num dia, um dia para emitir um parecer sério sobre uma matéria tão sensível, relevante e impactante na jurisdição administrativa e fiscal, não nos pareceu um procedimento adequado”, disse.
A juíza ressaltou que "não tem memória de nos ter sido dado um prazo tão curto para elaborar uma pronúncia. Ao mesmo tempo, lamentou que o tribunal não pudesse ter emitido um parecer sobre o impacto destas alterações legislativas.
O tribunal administrativo é uma das entidades que trabalham diretamente com os direitos os cidadãos estrangeiros. Estão em tramitação mais de 70.000 processos contra a Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA), que não cumpre os prazos e alguns direitos dos imigrantes, como o direito à renovação do título de residência.
Urgência para travar a imigração
O DN sabe que a pressa do Governo em aprovar este pacote por uma série de fatores. Um deles está relacionado com a criação da Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF) na Polícia de Segurança Pública (PSP). Esta unidade será a responsável por efetuar o afastamento de imigrantes que não possuem autorização para estarem no território.
Já foram emitidas mais de 10.000 notificações - de um total de mais de 30.000 mil - para o abandono voluntário, que passa a ser coercitivo após 20 dias, caso o cidadão não recorra desta decisão. Este alto volume de notificações ao mesmo tempo resulta dos mais de 400.000 processos de manifestação de interesse resolvidos pela Estrutura de Missão da AIMA.
Outro motivo para o Executivo de Montenegro querer a aprovação rápida e entrada em vigor, é para evitar "efeito de chamada". Por exemplo, bloquear um aumento nos pedidos de vistos de procura de trabalho, agora restritos somente a imigrantes com "elevadas qualificações".
E, por fim, o Governo quer travar os milhares de processos impetrados em tribunal contra a AIMA. Inclusive, uma das alterações na lei inclui que este tipo de processo deve tramitar como um normal, não mais como urgente, como ocorre atualmente.
Apelo ao Presidente
Foi criada uma petição, pela advogada brasileira Erica Acosta, para que o chefe de estado peça uma averiguação preventiva de constitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional (TC).
Além disso, também acusam o Governo de favorecer "os regimes de 'alta qualificação' ou de 'interesse estratégico' em detrimento de outros residentes legalmente estabelecidos", criando "um modelo de imigração excludente e utilitarista". Esta crítica está relacionada à alteração no visto para procura de trabalho, que vai passar a ser exclusivo para profissionais com altas qualificações.
Na carta, os peticionários acusam o Governo de violar o "princípio da igualdade" com a proposta, que "estabelece diferenciações desproporcionais e injustificadas entre titulares de diferentes tipos de autorização de residência, em especial no que diz respeito ao reagrupamento familiar".
"As novas barreiras ao reagrupamento familiar, disfarçadas de exigências procedimentais e diferenciações entre títulos de residência, representam um retrocesso inadmissível no plano dos direitos fundamentais. A proteção da família, e especialmente da infância, exige do Estado medidas que viabilizem — e não que obstruam — o convívio familiar. O direito ao reagrupamento familiar não pode ser relativizado por interesses de gestão migratória", cita a petição.
amanda.lima@dn.pt