Catarina Martins e Cotrim de Figueiredo começaram por terminar frases um do outro... mas depois veio a Ucrânia

Catarina Martins e Cotrim de Figueiredo começaram por terminar frases um do outro... mas depois veio a Ucrânia

Debate entre os eurodeputados do Bloco de Esquerda e da Iniciativa Liberal que se candidatam à Presidência da República não tardou a dar razão ao moderador. Muito mais é o que os separa.
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Quem só tenha visto o início do debate entre Catarina Martins e João Cotrim de Figueiredo, realizado pela TVI na noite de quinta-feira, poderá ter pensado que os dois candidatos presidenciais se combinaram para embaraçar o moderador José Alberto Carvalho. Sendo certo que os também eurodeputados se encontram em antípodas ideológicos, os primeiros minutos primaram pela convergência, ao ponto de os antigos líderes do Bloco de Esquerda e da Iniciativa Liberal chegarem a completar as frases um do outro.

Claro que ajudou que, depois de Cotrim de Figueiredo voltar a criticar a "sondagem altamente questionável" da SIC, que o colocava muito distante do pelotão da frente, o debate tenha arrancado com perguntas relacionadas com as centenas de escutas realizadas ao antigo primeiro-ministro António Costa, e a revelação de algumas pela revista Sábado. O liberal considerou preocupante que "haja confusão entre autonomia e total falta de escrutínio ao Ministério Público", a bloquista acrescentou que o procurador-geral da República deve explicações pelas "escutas generalizadas", e não só por se tratar de algo "que causa natural alarme por estar em causa um primeiro-ministro e um processo que determinou a queda de um Governo".

Os problemas da Justiça, que tanto leva a que alguns tenham "os seus nomes arrastados na lama" como a que outros beneficiem do "efeito muito perverso de os processos se arrastarem até prescreverem", permitiram que os candidatos presidenciais convergissem mais do que seria expectável. Quando Catarina Martins se insurgiu por Amadeu Guerra ter dito que "pode haver uma prenda de Natal" relacionada com a averiguação preventiva ao atual primeiro-ministro Luís Montenegro, Cotrim de Figueiredo acrescentou que "ficámos sem saber para quem seria a prenda".

Catarina Martins não terá apreciado muito o registo "casal que termina as frases um do outro", mas concordou com o adversário quando este disse que uma maior intervenção do poder político não é uma solução, defendendo que o Ministério Público "deve regular-se a si próprio, sem interesses corporativos". Caso contrário, dá-se razão aos cidadãos para desconfiarem da Justiça.

Mas a concórdia terminou logo que o debate passou para o investimento de 5,8 mil milhões de euros, anunciado pelo ministro da Defesa, Nuno Melo, envolvendo a compra de fragatas e a criação de uma fábrica de blindados. Catarina Martins disse que "não lhe pareceu adequado" tal gasto de recursos, considerados necessários "para áreas fundamentais" de defesa da soberania, mas também no acesso à saúde e à habitação. "Desproporcionado" foi o veredicto da eurodeputada.

"A Catarina Martins está a procurar disfarçar o incómodo que este tema lhe desperta", cortou João Cotrim de Figueiredo, realçando que a adversária quer ver Portugal fora da NATO, que considerou ser "a nossa garantia de defesa". E recordou que países como a Estónia e a Finlândia não foram invadidos pela Rússia, apesar de terem exércitos mais fracos do que o ucraniano, justamente por pertencerem à Aliança Atlântica, que também passou a contar com a Suécia.

A candidata presidencial apoiada pelo Bloco de Esquerda ouviu o liberal dizer que "o que Putin está a fazer só acontece porque pode sentir fraqueza e falta de coesão" no seio da NATO. E logo retorquiu que o presidente da Federação Russa sente, pelo contrário, que "tem Donald Trump do seu lado" para levar avante aquilo que descreveu como "estratégia imperialista de ocupação do território ucraniano".

Referindo-se a Donald Trump, a bloquista disse que "a ameaça vem de dentro da própria NATO", tendo em conta as ameaças do presidente norte-americano ao Canadá e à Dinamarca, ao colocar a hipótese de invadir a Gronelândia. E juntou-lhe aquilo a que chamou "ataque às democracias europeias através de uma guerra de comunicação em que são aliados os tecnoligarcas americanos e os tecnoligarcas russos".

Cotrim de Figueiredo defendeu a necessidade de refoçar o pilar europeu da NATO "para defender os seus interesses específicos", levando Catarina Martins a responder que ter um general norte-americano no comando "está no coração de toda a arquitetura" da Aliança Atlântica.

Quando o debate chegou à Ucrânia, a bloquista acusou o Reino Unido e a França de "empurrarem a Ucrânia para a guerra" em 2022 - embora se tenha desdito minutos mais tarde -, quando Zelensky punha a hipótese de aceitar neutralidade face à NATO em troca da integridade do seu território. Por seu lado, o liberal recordou que "dois dias antes da invasão russa, o Bloco de Esquerda estava a chamar nazi" ao presidente ucraniano. "Está a debater comigo", reagiu Catarina Martins, que por essa altura já tinha deixado a liderança do partido a Mariana Mortágua.

Insurgindo-se contra os argumentos da rival na corrida à Presidência da República, Cotrim de Figueiredo lembrou ter estado em Kiev dois meses depois do início da guerra, recusando que os ucranianos tenham sido empurrados para a guerra. "Nunca vi um povo tão empenhado na defesa do seu país", disse, acrescentando que têm consciência da importância de pertencer à NATO, pois "veem os seus vizinhos no Báltico a não serem atacados".

Para o final do debate ficaram as ideias sobre o modelo económico de Portugal. Ao ser-lhe perguntado se "menos Estado é melhor Estado", Cotrim de Figueiredo disse que o Estado "dee estar em todas as funções de soberania e onde a função de regulação é essencial", defendendo o exemplo das parcerias público-privadas (PPP) na Saúde e responsabilizando o Bloco de Esquerda pelo abandono de algumas por executivos socialistas de António Costa. "É-me completamente indiferente quem presta o serviço, desde que seja o melhor serviço", disse.

Já Catarina Martins, ao ouvir José Alberto Carvalho perguntar se "mais Estado é melhor Estado", insistiu que nada na Constituição da República Portuguesa veda a "livre iniciativa na Saúde e na Educação". Mas considerou "um absurdo" que o Estado garanta uma rede de escolas públicas mas também pague às escolas privadas.

"Está contente com o Serviço Nacional de Saúde que está em funcionamento?", perguntou Cotrim de Figueiredo, recordando que Portugal voltou a ter mais de um milhão de utentes sem médico de família. A isso contrapôs o primado da "satisfação das pessoas", sem deixar de acusar o Bloco de Esquerda de "tentar encostar" a Iniciativa Liberal à ideia de quer favorecer os privados. "Os privados são quem tem mais beneficiado do descalabro do Serviço Nacional de Saúde", argumentou.

Para o final do debate ficou a recorrente questão da ADSE, com o liberal a defender que o sistema reservado para funcionários públicos e seus familiares passe a ter outros alternativos, mas abertos a todos e financiados com a distribuição de verbas do Orçamento do Estado, tendo em conta o número de aderentes de cada sistema. Por seu lado, a bloquista recordou que os funcionários públicos pagam 3,5% do seu vencimento para terem acesso à ADSE e citou palavras de responsáveis pela PPP do Hospital de Cascais sobre "livrarem-se dos doentes não rentáveis".

Mais uma vez sobre o SNS, Catarina Martins terminou a dizer que "podemos ter um sistema que funcione bem com base naquilo que está na Constituição", acusando o rival de defender o contrário. Cotrim de Figueiredo disse-lhe que "não precisa de distorcer tanto" aquilo que tinha dito, mas não havia tempo para mais. Nem muitos eleitores indecisos entre os dois candidatos que foram à TVI nesta quinta-feira.

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