Rui Tavares não desiste da Europa, mesmo quando ela quer desistir de si própria
Tinha acabado Portugal de entrar na então Comunidade Económica Europeia, em 1986, quando a família de Rui Tavares se fez à estrada para ir ao casamento do irmão do meio na então Checoslováquia. São cinco. Ele é o mais novo. Saíram da Arrifana no Ribatejo, onde passou a infância e fez a escola primária, na carrinha do pai. "Era uma carrinha agrícola daquelas que o meu pai usava para transportar uvas. Ele sempre gostou de ser um camponês à solta na cidade. Só conduzia a 90 Km/h e, por isso, demorámos seis dias a chegar até lá. Ainda havia a Cortina de Ferro na altura. Ao ver o que existia do lado de lá, percebi que não era democracia e que esquerda, sim, mas só em democracia", conta ao DN, o cabeça de lista do LIVRE às eleições para o Parlamento Europeu, que em Portugal se realizam no próximo domingo, dia 26.
Essa viagem, sublinha, enquanto caminha entre compromissos de campanha, é um ensinamento que guarda até hoje. "As fronteiras estavam abertas, podíamos ter ficado noutro país, não ter regressado. Mas as coisas estavam a começar a melhorar um pouco, a economia, nós não queríamos ficar noutro país. Daí que eu ache que os fluxos migratórios se regulam com condições económicas e condições de emprego legais e não com fronteiras". Rui Tavares, de 46 anos, escritor, historiador e investigador universitário, que já foi eurodeputado entre 2009 e 2014, nota que existe neste momento uma crise de memória e uma crise de imaginação na União Europeia e que o medo, sentimento monopolista nem sempre baseado em ameaças reais, ajuda a explicar porque tantos europeus parecem dispostos a dar o seu voto a partidos populistas, nacionalistas, eurocéticos e de extrema-direita.
"Se as pessoas ouvem todos os dias que a Europa não é para todos, que o dinheiro não chega para todos, que não há planeta para todos, então fecham-se em casa e preparam-se para o salve-se quem puder. Mas claro que há dinheiro, ele está é mal distribuído, claro que há planeta para todos se fizerem, rapidamente, um Green New Deal, como propomos. É preciso um passaporte internacional humanitário para os refugiados. Foi assim que Gulbenkian chegou a Portugal e ninguém se queixa. É preciso transitar de uma política egoísta para uma política de generosidade", sublinha Rui Tavares, que propõe uma revolução cidadã europeia, um 25 de Abril para a Europa, para que esta seja efetivamente democrática. Em Portugal, refere, entre o euroconformismo de PS, PSD e CDS-PP e o eurocatastrofismo de Bloco de Esquerda e PCP, a escolha dos eleitores deve ir para uma terceira via. O LIVRE, partido ecológico, europeísta e, ao mesmo tempo, antiausteritário. Esta é uma reportagem em três atos na campanha do candidato a eurodeputado que defende uma Europa democrática, social e ecológica em que os jovens possam ter futuro.
É domingo à tarde. Grupos de jovens dirigem-se para a Torre de Belém. Uns a pé, outros de trotinete, entre selfies, lives de Instagram e troca de mensagens de voz via Whatsapp. É dia de Out Jazz. No relvado do jardim, amigos, famílias, namorados estendem as suas toalhas e panos para desfrutar da tarde. O tempo não é de verão, nem de primavera, é um híbrido. Em frente ao palco, dezenas saltam, pulam, cantam, aplaudem ao som dos Alta Cena, banda de jazz, com músicos de diferentes países, que percorrem ritmos variados e têm como utensílios de trabalho o saxofone, o trombone e a percussão.
Sentada no chão, com o seu grupo de amigos, está Helena Sousa, estudante de Medicina, de 27 anos. "Sei mais ou menos em quem vou votar. No Partido Liberal. Identifico-me com o que eles defendem no panorama atual. Eles focam-se mais na mensagem do que em mostrar rostos. É preciso mudar um pouco para que não sejam sempre os mesmos", diz ao DN esta jovem de Leiria, que vai votar pela primeira vez em eleições europeias. Tomou contacto com aquele partido pelas redes sociais. "O tempo de antena organizado à moda do antigamente não tem razão de ser. Talvez para as pessoas mais velhas. Os mais novos é tudo online", sublinha, enquanto os amigos dizem não se sentir preparados para falar muito sobre o tema e que ainda vão ter de se informar melhor.
Relvado a fora, muitas negas, todos sorriem, mas ninguém diz estar suficientemente informado para falar de europeias. Não sabem em quem vão votar. Apenas que o farão. Mas ainda falta uma semana. Ainda dá tempo. Dizem. Gonçalo Salgado é um oásis. Sorri, sim, mas aceita falar prontamente sobre as eleições para o Parlamento Europeu e a Europa. "Vou votar no PAN. Identifico-me com o que eles dizem sobre a imigração, no sentido da integração, a questão do clima também é importante", diz o designer de 21 anos, que também vai votar pela primeira vez em europeias. "Antes não me interessava tanto". Tomou mais consciência do que estava em causa através das redes sociais e também ele confessa que dá mais importância à mensagem do que ao mensageiro. "Já vi debates nas televisões. Não percebi nada. São só pessoas a gritar umas com as outras". A Europa é para ele um espaço de partilha. "Partilha de espaços profissionais, de amizades, quando digo que sou cidadão europeu isso quer dizer que sou igual em todos os países". Ao seu lado, uma amiga britânica, de férias em Portugal, não sabe muito sobre as europeias, mas sabe muito sobre Brexit. "Não, não quero que isso aconteça", afirma, sobre a saída do Reino Unido da União Europeia.
Nisto, chega Rui Tavares, candidato do LIVRE, vindo de um debate com outros candidatos organizado pelo Sindicato de Trabalhadores de Call Center. Repórteres do DN, SIC e RTP já o esperam junto à Torre de Belém. Vem distribuir panfletos, sensibilizar os jovens para exercerem a sua cidadania a nível europeu e explicar o que a Europa pode fazer por eles e eles por ela. "Nos call centers trabalha-se sem nunca ter férias. Cada empresa de call center tem duas ou três empresas de trabalho temporário. Estas contratam as pessoas, com contratos mensais e, dessa forma, elas nunca chegam a ter férias. Isso são empresas fantasma. E é preciso acabar com isso. Sou contra as empresas de trabalho temporário. Elas podem ser abolidas a nível europeu", nota o ex-eurodeputado, numa altura em que, pela Europa, o abusos dos contratos de trabalho temporário surgem em debates eleitorais como o principal obstáculo à qualidade de vida dos jovens e à impossibilidade de estes serem independentes e poderem formar família.
O candidato afirma ainda que defende o fim dos estágios não remunerados, sobretudo em instituições da UE, para que todos os jovens, não só os oriundos de famílias com mais posses, possam aceder a bons empregos. E ainda um rendimento horário garantido para pôr um fim aos falsos trabalhadores independentes a recibos verdes. "Eu apoio os cidadãos que queiram mover processos junto do Tribunal de Justiça da União Europeia por violação do direito do trabalho por exemplo", sublinha, dando o exemplo de Max Schrems. O estudante de Direito austríaco, hoje com 31 anos, processou o Facebook numa ação coletiva por violação da lei de proteção de dados da UE na Áustria. Em 2015, o Tribunal de Justiça da UE julgou que o tratado transatlântico de proteção de dados conhecido como Safe Harbour, no qual empresas como o Facebook se baseavam, era inválido, pois não protegia as informações privadas dos cidadãos. Em consequência disso o tribunal invalidou o acordo entre a UE e os EUA sobre a transferência de dados pessoais.
O candidato do LIVRE lamenta a falta de debate europeu na campanha para estas eleições em Portugal. "A abstenção é um sintoma das elites políticas que em Portugal nunca falam da questão europeia na vertente de um debate eleitoral esclarecido. Os partidos passaram a campanha a falar de casos numa espécie de aquecimento para as legislativas [de outubro]. Um país assim é um país que vai ser mais fraco na sua cidadania. Um país que não sabe que pode processar multinacionais, que não sabe que pode pedir documentos à Comissão Europeia, nomeadamente sobre os resgates financeiros internacionais. O LIVRE apresenta temas europeus. Há uma doença nos partidos do sistema. Mas a resposta não é votar nos nacionalistas e na extrema-direita. Essa é a resposta errada. Pois é estar a substituir os políticos do costume por meros vigaristas. Também é possível substituí-los pelo LIVRE".
Rompendo perante a multidão, com os jornalistas atrás, é cumprimentado por um jovem com chapéu de palha. "Finalmente alguém que fala de Europa e está a receber atenção mediática", diz a Rui Tavares, que lhe aperta a mão e agradece o apoio. Na procura por uma garrafa de água, depara-se com uma fila considerável para as bebidas, mas também aí vê oportunidade de campanha. "Já que estão na fila, tomem lá um folheto do LIVRE, sobre uma Europa democrática, social e ecológica". Os festivaleiros em estágio no Out Jazz aceitam, apreensivos, mas aceitam. Mais uns panfletos a outro grupo de jovens deitados no relvado, a outro e outro. Após um breve intervalo, a animação segue a cargo do trompetista francês Antoine Gilleron, ali em versão DJ set. Rui Tavares também toca um instrumento de sopro, o trombone, mas logo baixa expectativas dizendo que toca muito mal. "A única vez em que me aplaudiram a tocar trombone foi quando Portugal ganhou o Euro. A seguir ao golo do Éder fui para a varanda tocar. E eles aplaudiram. Mas nesse dia acho que estavam capazes de aplaudir qualquer coisa mesmo", assinala, entre risos.
Rui Tavares considera que a Europa só se salvará se for verdadeiramente democratizada. E que para se passar de uma política egoísta para uma política de generosidade é preciso demonstrar às pessoas, caso a caso, como é que isso se faz. É preciso acautelar também que não há governos fraudulentos e antecipar as jogadas daqueles a quem chama vigaristas. Foi isso que diz ter feito em 2013, quando era eurodeputado em Bruxelas e Estrasburgo, com um relatório a alertar para a deriva autoritária de Viktor Orbán, o primeiro-ministro e líder do partido Fidesz que, contra tribunais, jornalistas, trabalhadores, académicos, filantropos, ONGs e até a própria UE, diz ter criado, na Hungria, uma democracia iliberal. "Durante muito tempo a única pessoa que falou do meu relatório foi o próprio Viktor Orbán. Queixava-se dele. Eu fui buscar votos de apoio ao centro contra ele. Eu sei como derrotar Viktor Orbán no Parlamento Europeu", garante, esclarecendo que fez o relatório "não por causa de ser um governo de direita, mas porque ele estava a ameaçar efetivamente o Estado de direito na Hungria".
Hoje, os Viktor Orbán multiplicam-se, degeneram em Matteos Salvinis e etc... Mas não só. "A cumplicidade do Partido Popular Europeu (PPE) em relação a Orbán levou a um efeito de contágio, de país para país, de partido para partido. O vice-chanceler do governo austríaco que agora se demitiu foi apanhado no vídeo a dizer à interlocutora russa que queria uma paisagem mediática como a de Orbán", afirma, referindo-se a Hanz-Christian Strache, líder do partido de extrema-direita FPÖ, que governava coligado com os conservadores do jovem chanceler austríaco Sebastian Kurz. E entre os cúmplices de Orbán no PPE, Rui Tavares vê desde logo o candidato do partido à presidência da Comissão Europeia, Manfred Weber, mas também dois nomes portugueses: Paulo Rangel e Nuno Melo, eurodeputados e cabeças de lista do PSD e do CDS-PP, respetivamente.
"Paulo Rangel e Nuno Melo deixaram-no cooptar a justiça, fechar universidades, o governo húngaro até já foi condenado por não alimentar refugiados, praticar uma política da fome, que é coisa que já não se via. Nem PSD, nem CDS-PP fizeram nada, nem em 2013, nem em 2014, nem em 2015, nem até agora. Agiram tarde e a más horas, para pôr Orbán atrás de um biombo, até as eleições passarem", assinala o cabeça de lista do LIVRE, referindo-se ao facto de, só em março deste ano, o PPE ter decidido suspender o Fidesz de Orbán por violação dos valores do partido e dos princípios do Estado de direito. O primeiro-ministro húngaro fez saber entretanto que, dependendo do resultado das europeias, decidirá se fica no PPE ou se se alia ao novo grupo de Salvini, Marine Le Pen e outros populistas, nacionalistas e extremistas de direita.
A saída do Fidesz de Orbán poderá causar um rombo ainda maior do que o já previsto pelas sondagens para o PPE. As mesmas antecipam uma subida dos aliados de Orbán e Salvini, por um lado, por outro lado dos centristas, liberais e verdes. Se for eleito, aceitaria Rui Tavares ingressar o grupo político centrista e progressista idealizado pelo presidente francês Emmanuel Macron em defesa do que este diz ser o Renascimento da Europa? A resposta é não. "O LIVRE irá para o grupo dos verdes europeus. Defendemos a criação de um grupo de esquerda europeia e verde, que pode, acredito, ser o terceiro grupo no Parlamento Europeu. Quero pôr fim ao predomínio do PPE nas instituições europeias. É importante uma esquerda verde forte".
E como vê o facto de o Conselho Europeu estar a preparar-se para não escolher para presidente da Comissão Europeia nenhum dos candidatos nomeados pelas principais famílias políticas que têm realizado debates entre si? "Vejo mal. Mas isso é o reflexo de não termos formalizado ainda uma democratização europeia. Se a Europa for capaz de ser uma democracia transnacional será a primeira do género no mundo e a segunda maior democracia do mundo a seguir à Índia".
Antes de partir para o próximo compromisso, Rui Tavares tenta ainda ali, no Out Jazz, convencer um possível eleitor da Aliança Democrática a trocar o partido de Paulo Sande e Santana Lopes pelo LIVRE. "O nosso partido foi o primeiro a ter listas paritárias e em que qualquer cidadão pode candidatar-se sem ter que estar à espera de ser designado por um aparelho partidário". Fala-lhe do direito a recorrer ao Tribunal de Justiça da UE, do caso do jovem austríaco que processou o Facebook, da importância de cursos para a cidadania. Da ideia de ter Universidades da União Europeia. Daniel, assim se chama o apoiante de Sande, responde: "Eu ouvi o debate dos partidos não representados [atualmente no Parlamento Europeu] e gostei de o ouvir. Achei-os diferentes do PS e do PSD. Talvez todos consigam eleger pelo menos um". Rui Tavares assente: "Os partidos dominantes que usaram esta campanha para falar de tudo menos da Europa não merecem ser premiados. Vale a pena alargar o leque de vozes de Portugal na UE".
Rui Tavares sai apressado do Out Jazz, em Belém, para a sede do LIVRE, na Praça Olegário Mariano, em Arroios. A partir daí faz um live no Instagram. Dura uma hora. Entre as 21.00 e as 22.00. Já fez um live no Facebook e há-de fazer outro no Twitter. Na primeira rede social o LIVRE conta com 1750 seguidores, na segunda com 17866 e na terceira com mais de 10 mil. As perguntas vão-lhe chegando diretamente através de comentários e Pedro Rodrigues, o assessor que, como todo o resto da equipa, é voluntário, vai tomando nota. Às vezes são muitas pessoas a interagir em simultâneo. E é para as questões não se perderem.
Uma das primeiras prende-se com a sua proposta de um Green New Deal para a Europa. "O Livre é um partido que, a cada contra, acrescenta sempre um como. O Green New Deal, para uma transição energética, pode criar empregos com uma economia verde, por exemplo na reflorestação, no cuidado das florestas para que não ardam todos os anos, todos esses são empregos que, no futuro, podem ter utilizações económicas interessantes, investir nas infraestruturas, isolar bem os edifícios, de habitação e de locais de trabalho, para que as pessoas, sobretudo os idosos, não sofram tanto com a diferença de temperaturas", diz o candidato, que fala para a câmara do telemóvel com o mesmo empolgamento que fala com os jovens do Out Jazz.
O cabeça de lista do Livre sublinha ainda o compromisso do seu partido na luta contra todo o tipo de discriminação. "A diretiva anti-discrimnação está bloqueada há 11 anos no Conselho Europeu. Ela proibiria os empregadores de discriminar as pessoas por deficiência, sexo, etc... O Livre promete fazer avançar esta diretiva tanto a nível nacional como do PE. A nível do PE, fazer troca por troca, como se fez com a diretiva sobre a proteção de dados, entre o PE e o Conselho. Portugal, que tem eleições legislativas em outubro, será presidência da UE em 2021 e o Livre, na Assembleia da República, não viabilizará nenhuma maioria que não se comprometa em fazer avançar esta diretiva anti-discriminação. Queremos que Portugal fique conhecido por respeitar os direitos dos trabalhadores e não pelos Porreiro, Pá! de outras negociações de bastidores", diz, referindo-se ao que José Sócrates disse para Durão Barroso quando em 2007 se chegou a acordo sobre o Tratado de Lisboa - sucessor da malograda Constituição Europeia - na capital portuguesa.
Recorde-se que a número 2 do LIVRE a estas europeias e número 1 às legislativas é Joacine Katar Moreira, investigadora do ISCTE, presidente e fundadora do INMUNE - Instituto da Mulher Negra em Portugal. Este foi lançado em outubro do ano passado. É uma entidade feminista interseccional, anti-racista e que promove o empoderamento, a participação social e política de mulheres, a igualdade de direitos, a paridade e a justiça social em Portugal.
Confrontado com o facto de em 2014, quando não conseguiu ser reeleito, o LIVRE ter posto em causa o euro, diz: "Uma coisa é discutir se Portugal deveria ter entrado no euro nas condições em que entrou. Uma saída do euro seria um erro trágico para a economia e para uma ideia de modernidade em Portugal. Entrar no euro não é o mesmo do que sair do euro. Não é o mesmo do que abrir uma porta e de fechar uma porta. Não há um tratado para sair do euro. Só é possível sair do euro saindo da UE, isso sim está previsto nos tratados. Só dois países têm uma exceção de não aderir ao euro: Reino Unido e Dinamarca. Mas isso foi aceite pelos outros países e está nos tratados. Para sair do euro é preciso sair da UE. Olhem para o Brexit e vejam que sair da UE também não é fácil. Será que a desvalorização da moeda tem ganhos ou tem, a nível externo, o mesmo efeito que teve, a nível interno, o que aconteceu durante a troika, ou seja, cortes nos salários? O livre não defende nenhuma desvalorização nem a nível externo nem a nível interno. A linha do Livre nunca mudou em relação a isto mesmo nos tempos em que podia ter aproveitado uma ambiguidade como aconteceu noutros casos".
Durante o live de Instagram, Rui Tavares foi também desafiado a dizer no que é que o LIVRE é diferente do Bloco de Esquerda, partido pelo qual foi eleito eurodeputado em 2009, mas do qual saiu, dois anos mais tarde, em rutura com Francisco Louçã, a quem acusou de ser incapaz de lidar com independência e opiniões contrárias. "Pois, depende do dia em que pergunta, pois o BE nuns dias diz que a UE é irreformável, não tem futuro, é impossível uma democracia para além dos Estados nação, noutros dias diz que nunca defenderam a saída do euro. O problema do BE é não se saber o que o BE vai defender amanhã. O Livre tem um discurso pró-europeu, ainda que antiausteritário. Apesar das críticas, o Livre sempre manteve as mesmas ideias com consistência, há outros partidos que não podem dizer o mesmo. O Livre sempre disse que o PE tinha que impedir o Tratado Orçamental de entrar no direito europeu. O BE prometeu um referendo, que sabia que era inconstitucional porque em Portugal não se pode referendar tratados europeus, mas nos últimos quatro anos [leia-se período da Geringonça] ninguém os ouviu falar disso".
Apesar destes lives, imprescindíveis na era das redes sociais e da vida toda online, o europeísta ribatejano diz que durante a campanha passa mais tempo nas ruas a contactar com as pessoas do que a fazê-lo pela internet. "Nos call centers os jovens precisavam de exteriorizar aquilo que são as condições em que trabalham, a falta de pausas para ir ao WC, as cadeiras onde se sentam que não são apropriadas para os trabalho que têm que fazer, os contratos mensais que fazem com que, num ano, nunca tenham direito a férias. As ambulâncias estão de forma recorrente à porta dos call centers. Há casos de burnout. É um cenário de capitalismo selvagem do século XIX só que com a capa do século XXI. Ora este é o tipo de coisas que não é possível ouvir através do contacto virtual", exemplifica, o candidato do LIVRE, confessando-se indignado.
O terceiro e último ato desta reportagem passa-se, na segunda-feira ao fim da tarde, numa das salas do número 6 da Rua das Gaivotas, em Lisboa, sede do Teatro Praga. Depois de um dia passado a gravar Podcasts, primeiro o de Daniel Oliveira na TSF, depois o da Rádio Comercial, Rui Tavares organiza, a título académico e não enquanto cabeça de lista do Livre, um debate por ocasião do lançamento internacional de uma versão acrescentada do livro "Por um Tratado de Democratização da Europa". Isto depois de ter ido já buscar o filho mais velho à escola. O escritor tem dois filhos. Um menino de 18 meses e uma menina de dois meses.
O ex-eurodeputado português tem uma participação na versão acrescentada do livro de Stéphanie Hennette, Thomas Piketty, Guillaume Sacriste e Antoine Vauchez, agora editada pela Harvard University Press, sobre como democratizar a Europa sem ser preciso mudar os tratados. "Eles propunham criar um Parlamento da Zona Euro. Ora isso, visto a partir dos países pequenos, não tem uma proporcionalidade correta, dada a dimensão de países como a França e a Alemanha. O que eu digo, no meu capitulo, é que a forma correta de se democratizar a UE é através do Conselho, que é uma instituição bicéfala, com o Conselho Europeu e o Conselho de Ministros da UE. As negociações nos Conselhos são feitas por embaixadores que estão nas representações (Reper). Eles negoceiam coisas importantes, como o orçamento da UE, por exemplo, fazem tarefas de legisladores e, por isso, devem ser eleitos. E como é que isso pode ser feito sem alterar os tratados? Cada Estado membro deve decidir eleger os seus embaixadores a nível nacional. A UE é um clube de democracias, mas isso é diferente de ser uma verdadeira democracia, o que se pretende é criar, de facto, a primeira democracia transnacional do mundo".
Para participar no debate, Rui Tavares convidou António Sampaio da Nóvoa, embaixador de Portugal na UNESCO e ex-candidato à presidência da República, a economista Susana Peralta e o investigador universitário Bernardo Pires de Lima. A sala está composta, com cerca de duas dezenas de pessoas. Atrás dos oradores umas letras em latão formam a palavra Old. Na parede lateral, outras letras de néon vermelho dizem New. Um debate que ocorre entre o velho e o novo. Mas de forma livre.
"Revejo-me mais no caminho do Rui Tavares, de não ser preciso alterar os tratados, do que na tese inicial do livro. Este peca por não falar do lugar da Europa no mundo. Para a maior parte do mundo a Europa já não é aquilo que nós achamos que é. Tudo isto tem que ver com a luta contra as desigualdades a todos os níveis", afirma Sampaio da Nóvoa, também ex-reitor da Universidade de Lisboa.
Tocando precisamente no ponto da desigualdade, Susana Peralta constata: "As pessoas estão fartas da desigualdade e usam aquilo em que são iguais - o voto - para dar cabo disto tudo". E questiona: "O mundo integrado será assim tão bom? O comércio internacional está a criar bolsas de pessoas que estão a perder para a globalização. É preciso compensar essas pessoas. E como? É preciso cobrar impostos. Na UE os impostos deviam avançar por maioria qualificada. É preciso retirar a lógica do veto. No livro sugere-se a criação de vários impostos para investir em bens públicos europeus, ou seja, investimentos que apesar de localizados num país, beneficiam todos. Mas isso parece-me que é um truque conceptual a nível económico, que depois é um pouco difícil de gerir a nível politico".
No passado dia 15, no debate entre os seis candidatos à sucessão de Jean-Claude Juncker na presidência da Comissão Europeia, todos concordaram na necessidade de acabar com os paraísos fiscais e obrigar as grandes empresas a contribuir, com o pagamento de impostos, para as sociedades em que estão inseridas. Questionada sobre o que é um paraíso fiscal, a candidata dos liberais e atual comissária da Concorrência, a dinamarquesa Margrethe Vestager, respondeu, com humor: "Um paraíso fiscal é um sítio onde toda a gente paga impostos".
Bernardo Pires de Lima, por seu lado, entende que "há muito mais a criticar na UE do que a não democratização das suas instituições". O argumento de que a génese dos problemas está na falta de democratização das instituições "é algo que nos enreda num debate que eu acho que é a machadada final na UE. Nós tivemos o debate institucional depois da rejeição do tratado constitucional e tudo estava absorvido por isso. E entretanto rebenta a bolha. A Hungria não cumpre os tratados porque não os fazem cumprir. Depois da crise financeira, houve uma crise de coesão, de diretos humanos, na questão dos refugiados, de nacionalismos. Houve um conjunto de crises que põem em causa o multilateralismo. Isso sim".
O especialista em Relações Internacionais nota que tem havido "dificuldade dos partidos pró-europeus em defender a camisola". Mas defende que nada está perdido. "Nem todos os debates estão afastados da Europa. Veja-se o que se passa na Polónia, no Reino Unido, em França. Nós em Portugal é que temos uma dificuldade paroquial em falar da Europa. Quando vejo milhares de pessoas a querer votar antecipadamente é porque há algo a acontecer. Não vamos cair em fatalismos. É preciso ver que os liberais e os verdes estão a crescer. Os verdes estão a substituir os sociais-democratas. As suas mensagens estão a chegar às novas gerações. As redes sociais servem para muito mais do que mensagens simplistas e nacionalistas. Não estou descrente nos millennials. Há uma transformação nas lideranças dos partidos verdes mais adequadas às inquietações de uma geração sub-35. O que preocupa estas gerações é o planeta, as tecnologias e a qualidade de vida. Ora, eu não vejo isso na agenda dos grandes partidos".
Também Rui Tavares recusa baixar os braços em relação a estas eleições. E em relação à Europa. "Não tem que estar garantido que o grupo de extrema-direita será o terceiro maior grupo no Parlamento Europeu. O terceiro maior grupo eu acho que pode ser o da esquerda e dos verdes", diz ao DN, à margem do debate sobre o livro em que participa. E que durou sensivelmente duas horas. Terminou já passava das 21.00. Autor de uma outra obra intitulada 'A Ironia do Projeto Europeu', não considera que uma das ironias desse projeto europeu é que um terço do próximo Parlamento sejam deputados populistas, nacionalistas, eurocéticos e de extrema-direita? "É uma ironia porque os Le Pen e os Farage só existem porque o Parlamento Europeu e a UE são mais democráticos, proporcionalmente, do que os seus próprios países. Devem isso ao Tribunal de Justiça da UE, que decidiu que as eleições europeias tinham que ser proporcionais. Eles conseguem resultados que não conseguem em França, com o sistema de duas voltas nas legislativas, ou no Reino Unido, com o sistema do first-past-the-post. Eles têm a vantagem de não terem o desgaste da política nacional e podem tornar-se reacionários profissionais. É isso que querem ser para minar a UE. Eles devem a carreira política a uma UE para a qual não querem trabalhar. Vão lá só buscar o salário. Isso é uma ironia sim".