Defesa. Ministro nomeia ex-chefe de gabinete de Azeredo para o Comando Operacional do Exército

O general Martins Pereira chefiava o gabinete do ministro da Defesa durante o processo de Tancos. Recebeu um 'memorando' que denunciava a encenação da PJM e não informou as autoridades. Foi ouvido como testemunha
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O ministro da Defesa Nacional (MDN) assinou esta sexta-feira o despacho de nomeação do tenente-general Martins Pereira, ex-chefe de gabinete de Azeredo Lopes, para comandante do Comando das Forças Terrestres o mais importante cargo operacional do Exército. A proposta foi do Chefe de Estado-Maior do Exército (CEME), tenente-general Nunes da Fonseca, confirmou ao DN fonte oficial do gabinete de João Gomes Cravinho.

Desde final do ano passado, conforme o DN noticiou, que o nome deste oficial general estava na 'corrida', uma vez que este comando é a única vaga atualmente disponível para oficiais de topo com esta patente de tenente-general, como é o caso.

Segundo fontes militares que estão a acompanhar o processo de colocação "a cerimónia de tomada de posse está marcada para as instalações do Comando das Forças Terrestres, na Amadora, no próximo dia 22". As mesmas fontes admitem que "o momento da nomeação pode não ser o mais oportuno", pelo facto de estar a decorrer a fase de instrução do processo de Tancos, durante o qual o nome deste general poderá ser de novo implicado por alguns dos arguidos - como é o caso do ex-diretor da Polícia Judiciária Militar (PJM), coronel Luís Vieira, que no seu requerimento desmente declarações de Martins Pereira. "Apesar de não ter sido constituído arguido, o seu papel neste processo nunca ficou claro para alguns setores militares e o nome deste tenente-general tornou-se, justa ou injustamente, tóxico", acrescentam.

Louvor de Azeredo

Martins Pereira cessou funções no gabinete de Azeredo Lopes em janeiro de 2018 - antes das detenções, realizadas a 25 de setembro, dos militares da PJM e da GNR por causa da investigação ilegal e da encenação da recuperação do material furtado. Azeredo Lopes, um dos 23 arguidos no inquérito ao furto e à recuperação das armas furtadas em Tancos, concedeu-lhe um louvor pelas "forma extraordinariamente competente e zelosa como, salvaguardando os interesses do País, do Ministério da Defesa Nacional e das Forças Armadas, exerceu as funções " de seu chefe de gabinete.

Foi a seguir colocado no Estado-Maior-General das Forças Armadas, como adjunto para o Planeamento e Coordenação. Trata-se de uma função de "colaborador imediato" do chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), a quem coadjuva em matéria de planeamento geral e coordenação". Estas funções cessam já no próximo dia 17, altura em que será substituído pelo Vice-almirante Gouveia e Melo, atual comandante Naval da Marinha.

O Comando das Forças Terrestres - a estrutura que dirige toda a componente operacional das missões do Exército - tem estado num impasse de liderança, desde o verão. Nessa altura, o então comandante, tenente-general Nunes Henriques, foi designado para representante de Portugal na NATO, em Bruxelas.

Deste aí tem sido o vice-chefe do Estado-Maior do Exército, tenente-general Guerra Pereira, a acumular as funções. É neste momento a única vaga disponível para um oficial da patente de Martins Pereira e a sua nomeação só poderia ser travada politicamente - embora sem uma razão de fundo, seria sempre contestada administrativamente.

Não "descortinou' o encobrimento

O ex-chefe de gabinete de Azeredo Lopes acabou por ter um papel decisivo para o Ministério Público (MP) na acusação ao ex-ministro. No processo de investigação ficaram registadas várias conversas e encontros de Martins Pereira com o antigo diretor da PJM, na fase em que a devolução do material de guerra já estava a ser negociada com o presumível mentor do assalto, João Paulino.

Contou que, a 20 de outubro de 2017, dois dias depois do 'achamento', o coronel Luís Vieira e o major Vasco Brazão (outro arguido no processo, que coordenava a investigação criminal da PJM e esteve à cabeça da processo paralelo) foram ao seu encontro, no Ministério da Defesa, para lhe entregar um memorando e uma fita de tempo da operação/farsa da recuperação das armas. Vieira nega perentoriamente no seu requerimento de abertura de instrução, conhecer ou ter entregado este 'memorando', acusando Martins Pereira de mentir.

O conteúdo deste memorando era suficientemente revelador de que a PJM tinha realizado uma operação à margem da lei, em acordo com um dos suspeitos do assalto, e que um comunicado oficial que tinha sido divulgado sobre o 'achamento' continha dados falsos. O general era obrigado a informar as autoridades, designadamente o MP e a Polícia Judiciária civil, que tinham a tutela da investigação ao furto.

Nas suas primeiras declarações sobre o caso, quando a entrega do dito memorando foi tornada pública, em outubro de 2018 - já depois da operação Húbris, na qual foram detidos os militares da PJM, da GNR de Loulé e João Paulino -, Martins Pereira afirmou que "nessa ocasião ou em qualquer outra não" lhe "foi possível descortinar qualquer facto que indiciasse qualquer irregularidade ou indicação de encobrimento de eventuais culpados do furto de Tancos".

Na comissão parlamentar de inquérito manteve esta posição: "Tal como já tinha dito, não descortinei ali nenhuma encenação. Para mim tratava-se de uma tática de investigação normal" e partiu do pressuposto de que "estava coordenada", com a PJ."Da leitura do documento não é visível isso. Sou das Operações Especiais, não da investigação criminal. Não consegui descortinar e não sou propriamente um indivíduo pouco inteligente", frisou.

O MP considerou na acusação que Martins Pereira, quando recebeu este memorando, "tirou fotografias aos documentos e enviou, por WhatsApp, as fotografias para o número de telemóvel do arguido Azeredo Lopes" . Mas Martins Pereira nunca confessou cabalmente esta ação. Nem quando foi inquirido pelo MP e pela PJ, nem na comissão parlamentar de inquérito, alegando não se lembrar se enviou ou não os documentos Azeredo Lopes. "Não me lembro, sinceramente. Mas o sr. ministro diz que nunca o viu. Confio ele. Provavelmente não o enviei." Uma versão que bateu certo com a do ex-ministro, que garantiu que só leu o dito memorando e a fita do tempo depois de terem vindo a público em outubro de 2018 - tendo pedido a sua demissão na sequência dessa situação.

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