Costa desiludido se só pudesse contar com o BE e o PCP nas "vacas gordas"

O primeiro-ministro afirma, em entrevista à Lusa, que ficaria muito desiludido se concluísse que só podia contar com Bloco e PCP em tempo de "vacas gordas" e defende que o combate à crise da covid-19 até aproximou os partidos.
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"Sabem que a vida política significa, por exemplo, a necessidade de recuperação económica e social do país, que exige, de facto, um esforço coletivo. Ficaria, aliás, muito desiludido se tivéssemos de chegar à conclusão que só podemos contar com o PCP e com o Bloco de Esquerda em momentos de vacas gordas e em que a economia está a crescer", diz o primeiro-ministro, em entrevista à agência Lusa, publicada este sábado, quando questionado se espera poder contar com os parceiros de esquerda do PS quando o Governo tiver de reorientar as suas opções como resposta à crise económica e social do país.

Além do mais, segundo o líder do executivo, "convém não esquecer que a mudança de política económica adotada, em conjunto com o PCP e com o Bloco de Esquerda, foi essencial para o crescimento económico, para a melhoria dos rendimentos e para a melhoria das condições sociais no país".

"Em sede de concertação social e em sede de sistema político, temos todos de fazer um esforço para podermos conseguir desenvolver um plano de recuperação económica que não seja de conflitualidade", defende.

Segundo António Costa, a pergunta feita tem vários preconceito subjacentes, que já elencou, mas há mais. Outro é o de que o Governo "tenciona aplicar no futuro a mesma receita que há dez anos foi aplicada para enfrentar a crise", o que rejeita.

"Mas podem estar seguros de que não adotarei a mesma receita, não só porque já na altura não acreditei nela, como, sobretudo, porque a doença agora é claramente distinta da anterior. Não há atualmente uma doença das finanças do Estado, que, felizmente, conseguiu sanear as suas finanças públicas. Esta crise é uma crise económica, global, que resulta de uma crise sanitária. Portanto, querer aplicar a mesma receita que já se demonstrou errada há dez anos seria agora duplamente errado", reforça.

Interrogado sobre um cenário de regresso de um Governo de Bloco Central, juntando PS e PSD, António Costa entende que "a crise não alterou aspetos que são fundamentais" no sistema político português.

"Na questão do Bloco Central, há uma notável coincidência entre os líderes do PSD e do PS de que essa não é uma boa solução para o sistema político, porque enfraquece os polos naturais de alternativas - e a democracia exige alternativas e precisa de alternativas. Por isso, é bom e útil que, quer o PS, quer o PSD, possam manter a sua capacidade de desenvolver e liderar alternativas", reitera o primeiro-ministro.

Na sua perspetiva, no momento presente "o sistema político-partidário demonstrou uma capacidade de se unir para enfrentar em conjunto este desafio" da pandemia de covid-19.

"Claro que não estamos de acordo sobre tudo, até porque não há nenhum vírus que mate as diferenças ideológicas que existem, isso seria mesmo abolir a democracia", ressalva.

Confrontado com o elogio feito pelo chefe do Governo espanhol, Pedro Sánchez, à atuação do líder do maior partido da oposição em Portugal, Rui Rio, o primeiro-ministro responde: "Não tenho nenhum rebuço em dizer - tenho-o dito, aliás - que o sistema político português revelou uma extraordinária maturidade perante esta situação de crise".

Sem se referir especificamente ao presidente do PSD, António Costa prossegue: "Conseguimos ter o estado de emergência sem suspender a democracia, conseguimos ter uma concentração perfeita entre Presidente da República, Governo e Assembleia da República, conseguimos ter os partidos políticos mantendo a sua diferenciação ideológica, mas sabendo convergir num esforço de unidade nacional para enfrentar esta pandemia e conseguimos ter consensos políticos alargadíssimos nas medidas muito duras de restrição das liberdades que o estado de emergência impôs".

"Temos conseguido demonstrar que, numa situação de grande pressão, tensão e grande dificuldade tem havido uma capacidade de pactuação, de negociação e de convergência no conjunto da sociedade portuguesa, designadamente ao nível do sistema político, que é absolutamente notável", considera.

Mais à frente, o primeiro-ministro fala então de Rui Rio, declarando não ter "o menor rebuço em dizer" que o presidente dos sociais-democratas, "como líder da oposição, tem sido um bom exemplo do espírito colaborativo".

"Tem discordado das medidas que entende discordar, mas em nada se pode apontar, nem a ele nem a qualquer outro partido, que tenha agido de uma forma que contrarie o esforço de unidade nacional para enfrentar esta crise", acrescenta.

Relativamente à atuação de PCP e Bloco de Esquerda, em comparação com o PSD, no atual contexto, António Costa advoga que "nestes meses difíceis" tem havido "um grande empenho e uma grande convergência da parte de todos".

"Mesmo o PCP, que ainda não votou favoravelmente nem o estado de emergência nem a sua renovação, também não deixou de apelar ativamente ao cumprimento dessas medidas e tem tido uma postura muito construtiva em todo este processo. Portanto, acho que a crise não nos afastou e tem-nos aproximado a todos, o que tem sido muito positivo e que tem contribuído bastante para a confiança na sociedade portuguesa. Mas estar a fazer futurologia sobre a vida política é a última coisa que neste momento as pessoas estão preocupadas", conclui.

"No final de maio, ou princípio de junho, o país poderá estar numa situação muito distinta ao nível da pandemia"

Sobre o momento de abrandar o estado de emergência, António Costa garante que, quanto ao regresso à normalidade, não há ninguém mais ansioso do que ele.

"Pode discutir-se se Portugal já chegou ou não ao planalto [na trajetória do número de casos de infeção pela covid-19], mas o que é certo é que não começou a descer do planalto para o sopé. Se houver agora algum abrandamento, corremos o risco de perdermos tudo aquilo que já conquistámos até agora", diz António Costa.

Para o primeiro-ministro, ainda é cedo para se poder decidir a reabertura da atividade económica, na medida em que se está numa fase em que continuam a registar-se casos novos e é possível começar a ter um aumento do número de mortos.

"Se havia dúvidas no momento em que foi decretado o estado de emergência, agora não pode haver dúvidas de que este não é seguramente o momento de deixarmos de o ter, seria um mau sinal", afirma.

Apesar disso, o primeiro-ministro concede que "é credível poder-se trabalhar como cenário na ideia de que, no final de maio, ou princípio de junho, o país poderá estar numa situação muito distinta ao nível da pandemia".

"Mas não quero estar a adivinhar, porque até agora não temos qualquer evidência científica de que assim seja", ressalva.

"No dia em que começarmos a aligeirar as medidas de contenção, inevitavelmente vamos ter de novo um crescimento do nível de contágio", diz António Costa.

Portugal tem, neste momento, 15472 pessoas infetadas como o novo coronavírus e 435 mortes, segundo o boletim da Direção-Geral da Saúde desta sexta-feira.

O primeiro-ministro, António Costa, afirma que, como toda a gente, tem medo de ser contaminado pelo coronavírus, mas ainda não fez nenhum teste, e conta que não vê a mãe e os filhos há várias semanas. "Tenho obviamente o temor de que todos temos, mas confio mais naquilo que são as recomendações das autoridades de saúde", diz o líder do executivo em entrevista à agência Lusa.

"O teste é uma questão absolutamente de pura lógica, que nos diz qual é a nossa condição no momento em que fizemos o teste. Nada garante que cinco minutos depois, mesmo um nanossegundo depois, a nossa situação já não seja distinta", justifica.

Internet e equipamentos informáticos para todos no próximo ano letivo

Durante a mesma entrevista, o primeiro-ministro afirma que no próximo ano letivo haverá acesso universal dos alunos dos ensinos básico e secundário à Internet e a equipamentos informáticos, considerando que este investimento avultado é essencial face aos riscos de pandemia.

Questionado se cada aluno vai ter um computador, retomando-se uma medida tomada pelos governos de José Sócrates no âmbito do programa "Magalhães", o líder do executivo responde que "é muito mais do que isso".

"É muito mais do que ter um computador ou um tablet. É ter isso e possuir acesso garantido à rede em condições de igualdade em todo o território nacional e em todos os contextos familiares, assim como as ferramentas pedagógicas adequadas para se poder trabalhar plenamente em qualquer circunstância com essas ferramentas digitais", adianta.

Confrontado com o facto de se tratar de um investimento avultado e a concretizar já no início do próximo ano letivo, António Costa defende que esse investimento "é essencial e é uma medida de prevenção do risco de pandemia".

Interrogado se se trata de um programa "Magalhães 2", agora mais ambicioso, o primeiro-ministro reage com uma nota de humor: "Para sermos generosos com os nossos vizinhos espanhóis até podemos dizer que é um programa [Juan Sebastián] Elcano, porque completa a viagem iniciada".

Segundo António Costa, a atual crise provocada pelo surto do novo coronavírus "demonstrou uma extraordinária capacidade de adaptação das escolas a uma nova situação".

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