Movimentos antirracistas voltam à rua este sábado
"Bateram numa de nós, bateram em todos nós! O racismo não passará", lê-se no texto da convocatória para as manifestações marcadas para este sábado, a partir das 15 horas, em Lisboa, Porto e Coimbra - numa referência ao recente caso de Cláudia Simões, na Amadora. Na capital, os vários movimentos antirracistas e antifascistas que integram a organização partem do Marquês de Pombal e descem a Avenida até ao Rossio.
Ainda com as imagens de há um ano bem frescas na memória, quando uma manifestação, também na avenida da Liberdade, contra o racismo - na sequência de agressões no bairro na Jamaica - acabou com pedras e tiros, a PSP prepara-se com cautelas para a operação de segurança.
"Prevemos alguns milhares de manifestantes e o dispositivo será o adequado para garantir a segurança dos manifestantes e de todos os outras pessoas que se encontrarem naquela zona. A PSP existe para garantir a segurança interna e assegurar os direitos, liberdades e garantias de todos os cidadãos", disse ao DN um oficial da PSP que está envolvido nesta operação. Numa primeira linha não estarão as chamadas 'tropas de choque', do Corpo de Intervenção, para evitar reações adversas dos manifestantes, mas estarão na retaguarda prontas a atuar em caso de necessidade.
Porta voz oficial da PSP acrescentou que o dispositivo policial será "o habitual para um evento deste tipo, com necessidade de corte e desvio de tráfego", adiantando que "atendendo à temática [da manifestação], não se esperam problemas".
A organização conta também com uma "grande mobilização" nas três cidades, embora Lisboa seja sempre o centro das atenções. "Pessoalmente, enquanto cidadã, sinto-me chocada e ofendida com qualquer manifestação de racismo e portanto apoio condenações ao racismo e à xenofobia. E o Bloco também", assinalou ao DN a deputada do BE Sandra Cunha, que confirmou a sua presença no protesto.
Lúcia Gomes, uma advogada ativista de Direitos Humanos, que defendeu os seus jovens da Cova da Moura no processo contra os 18 polícias da esquadra da PSP de Alfragide, vai estar na manifestação em Coimbra. "Tendo em conta o que temos assistido nos últimos tempos, com declarações xenófobas na casa da democracia, e com dirigentes de um partido a elogiarem regimes fascistas, temos de marcar uma posição firme contra esta deriva que aumenta", declara, referindo-se às declarações de André Ventura e de Abel Santos do CDS. "Ainda por cima, as instituições oficiais continuam a ignorar os sucessivos alertas de relatórios da Comissão Europeia, para o racismo e a infiltração da extrema direita nas polícias", sublinha ainda. Lembra "o caso de Alfragide" e não entende "como continuam a acontecer falsificações de autos, violência policial. Não é admissível".
SOS Racismo, Instituto da Mulher Negra em Portugal, Brutalidade Policial, Consciência Negra, Frente Antifascista, Djass - Associação de Afrodescendentes, são alguns dos movimentos e entidades que integram a organização da manifestação.
Consideram que o caso de Cláudia Simões "é mais um episódio de violência racista às mãos da polícia, uma violência que resultou muitas vezes em homicídio e que acontece há já várias décadas sem quaisquer consequências efetivas para estes criminosos fardados. Uma violência que é sistemática nos territórios habitados por pessoas não brancas, principalmente nos bairros periféricos da Área Metropolitana de Lisboa e Porto, usada para reprimir e aterrorizar, para subalternizar e desumanizar pessoas negras, ciganas e pobres, obliterando e violando os seus direitos humanos mais básicos, a sua dignidade, cidadania plena, capacidade de organização social e agenciamento político".
Num comunicado que chegou ao DN esta sexta-feira, dizem que "Portugal não tem sido um país seguro para negros, negras, ciganas e ciganos, estando listado entre os estados membros da União Europeia como o país da Europa Ocidental com o maior número de casos de violência policial, segundo dados do Comité Anti-tortura do Conselho da Europa de 2018".
Acusam os meios de comunicação social e "diferentes membros do Governo" de serem "negacionistas em relação ao racismo", permitindo que "estes casos fiquem impunes e muitas vezes sejam arquivados sem qualquer consequência ao nível jurídico". Assinalam que os " os relatos de abuso policial quotidiano (nas ruas, estações de comboio, autocarros, casas privadas), de discriminação nas escolas e de estigmatização territorial (a classificação de diversas zonas habitadas por negros como "bairros sensíveis" (e que recebem um tratamento "especial" das forças de segurança) continuam a ser considerados incidentes pontuais e excecionais".
No entanto, alegam, são "parte do quotidiano da vida de milhares de cidadãos e cidadãs não brancos que têm de provar diariamente que merecem ser tratados com dignidade e respeito, e que não são cidadãos de segunda classe nem de segunda geração neste país".