Lítio. O "petróleo branco" está a dividir o país

Uma bênção ou uma maldição? Portugal é o país europeu com maiores reservas de lítio, mas a exploração deste material, imprescindível a telemóveis, computadores e à mobilidade elétrica, está longe de ser pacífica.

O que é o lítio?

É o metal mais leve de toda a tabela periódica, tão antigo quanto o universo - o lítio formou-se na explosão do Big Bang, ao mesmo tempo que o hélio e o hidrogénio. Foi identificado pela primeira vez pelo químico sueco Johan August Arfwedson, em 1817, mas foi o inglês Humphry Davy que conseguiu isolar o lítio em estado puro através da eletrólise, método ainda hoje usado.

O lítio (que tem metade da densidade da água) começou a ser usado comercialmente em 1923, na cerâmica e na medicina, mas ganhou grande preponderância nos últimos anos enquanto elemento essencial à armazenagem de energias renováveis, e na produção de baterias para carros elétricos, computadores e telemóveis - é a estes dispositivos que é destinada, atualmente, mais de metade da produção mundial.

Portugal tem grandes reservas de lítio?

De acordo com dados do Serviço Geológico dos Estados Unidos, Portugal é o país europeu com maiores reservas de lítio e o sexto a nível mundial, embora a grande distância dos países que lideram a tabela. A América do Sul é a região do globo com maiores reservas, em particular o Chile, Argentina e Bolívia (área conhecida como o "Triângulo de Lítio"), que terão 70 a 80% das reservas mundiais. E com a particularidade de o lítio se concentrar em lagos salgados, de extração mais barata, o que se traduz numa importante vantagem competitiva face à mineração.

Em Portugal, as reservas serão na ordem das 60 mil toneladas. As seis principais ocorrências de lítio em Portugal localizam-se na serra de Arga (dividida pelos concelhos de Caminha, Ponte de Lima e Viana do Castelo), em Covas do Barroso (Boticas), Barca d'Alva (Figueira de Castelo Rodrigo), Guarda, Mangualde e Segura (Idanha-a-Nova).

Como se faz a extração de lítio?

O lítio é extraído em minas a céu aberto, através de equipamento pesado que extrai a rocha do solo. O lítio não existe na natureza em estado puro, pelo que se trata de explorar jazigos minerais de petalite, espodumena, lepidolite e fosfatos de lítio, para citar alguma da mineração que já é feita em Portugal. É a partir destes compostos que, mediante tratamento químico, se chega ao carbonato de lítio ou hidróxito de lítio.

Porque é que a extração de lítio está a causar polémica?

O grande motivo de críticas à extração de lítio tem a ver com as implicações ambientais da atividade mineira, não só pelos danos provocados na paisagem, mas sobretudo pela possibilidade de contaminação de águas, pela exploração de enormes recursos de água e pela previsível degradação do ar nas zonas adjacentes à exploração. O ministro do Ambiente e da Ação Climática, José Pedro Matos Fernandes, já veio dizer que a extração de lítio não será em nada diferente de uma pedreira normal."Em que é que a exploração de lítio é diferente da de feldspato? Em nada. Trata-se de uma pedreira, onde se faz o desmonte de pedra e uma parcela dessa pedra é minério de lítio", afirmou o ministro, em finais de agosto. "Existem em Portugal 56 pedreiras feldspato que são exatamente iguais às pedreiras de lítio", voltaria a insistir, algumas semanas depois.

Mas, no caso de Montalegre (Vila Real) não se trata apenas disso, mas de suspeitas de ilegalidades na atribuição da concessão para exploração de lítio, atribuída a uma empresa constituída três dias antes da assinatura do contrato com o Estado, com um capital social de 50 mil euros - isto num negócio que poderá vir a atingir valores na ordem dos 380 milhões de euros. Segundo uma reportagem emitida pela RTP, três meses antes da atribuição da concessão a empresa - a Luso Recursos Portugal Lithium - contratou como consultor financeiro o ex-secretário de Estado da Internacionalização, Jorge Costa Oliveira, que rejeita ter tido qualquer interferência no processo de concessão.

Na última segunda-feira, no programa da RTP Prós e Contras, o secretário de Estado adjunto e da Energia, João Galamba, disse que o Governo estava obrigado a dar a concessão à Lusorecursos, na medida em que "a empresa detentora de prospeção e pesquisa tem o direito de requerer a exploração".

É verdade que o governo estava obrigado a dar a concessão da exploração de lítio em Montalegre à Luso Recursos?

O decreto-lei 88/90, que regulamenta o exercício das atividades de prospeção, pesquisa e exploração de depósitos minerais, estabelece que, uma vez concluído o processo de prospeção, a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) tem um prazo máximo de 120 dias para submeter o pedido de exploração "a decisão do ministro", já com o parecer da DGEG.

A lei acrescenta que, caso "sejam reconhecidos a existência de um depósito mineral e o preenchimento de todas as condições exigíveis, o ministro outorgará a concessão requerida, mediante a celebração de contrato administrativo". Ou seja, se estiverem preenchidas todas as exigências - e só nesta circunstância -, o executivo está obrigado a viabilizar a exploração.

Quando é feito o estudo de impacto ambiental?

É nesta fase, após a celebração do contrato de exploração. O estudo de impacto ambiental é feito pela empresa requerente e depois apresentado a várias entidades públicas, entre elas a Agência Portuguesa do Ambiente. Se o estudo de impacto ambiental não for aprovado, o projeto não pode avançar.

Qual a posição das associações ambientalistas?

A Quercus já veio exigir a suspensão imediata da estratégia do governo para o lítio, defendendo que a extração mineira pode comprometer as metas assumidas por Portugal no que se refere à descarbonização da economia. De acordo com um estudo promovido por esta associação, por cada mina de lítio explorada serão emitidos mais 1,79 milhões de toneladas métricas de dióxido de carbono por ano.

Já a associação ZERO recusa qualquer exploração em zonas protegidas. No resto do território, a análise deve ser feita caso a caso. A ZERO exige também uma Avaliação Ambiental Estratégica (que considere o todo do país), que até agora não foi feita.

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