Lavagem de dinheiro. Operações suspeitas triplicam, mas só 12% se confirmam

Em cinco anos foram comunicadas às autoridades mais de 17 mil operações financeiras suspeitas em Portugal. O número triplicou em cinco anos, mas os casos confirmados reduziram em um terço. Há 36% de entidades que não fazem controlo a políticos e seus familiares.
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As operações financeiras suspeitas triplicaram em cinco anos - de 2 168 em 2012 aumentaram para 5 368 em 2016 - mas aquelas que foram confirmadas e alvo de inquéritos crime diminuíram um terço (34%) no mesmo período.

Esta é uma das constatações de um estudo inédito e aprofundado realizado pela consultora EY, em parceria com a Polícia Judiciária (PJ), ao sistema preventivo de branqueamento de capitais e financiamento de terrorismo.

Várias organizações e entidades financeiras recebem alertas sempre que através delas se realiza uma transação financeira considerada suspeita, de acordo com vários parâmetros de risco predefinidos. São obrigadas a abrir averiguações e a comunicarem às autoridades. A Operação Marquês, que envolve o ex-primeiro-ministro José Sócrates, recorde-se, partiu de uma comunicação de um banco em relação a transferências suspeitas.

No período analisado houve mais de 28 mil alertas, que resultaram em 17 326 comunicações de operações suspeitas (COS), das quais foram averiguadas apenas 34% (5927), das quais cerca de 36% foram confirmadas - um total de 2167 - e reencaminhadas para investigações criminais. De 2012 a 2016 as comunicações aumentaram 148% e as averiguações 225%.

Prevenção eficaz

Do total de operações suspeitas, apenas 12% foram confirmadas como fazendo parte de ações criminosas. Ou seja, "um sinal da eficácia deste género de prevenção que consegue travar e dificultar este género de transações criminosas,", avança ao DN um investigador da PJ ligado a esta área.

A explicação para a discrepância, avançada pelos autores do estudo, também aponta para uma possível "redução significativa da propensão ao risco de branqueamento de capitais e financiamento de terrorismo", embora admita também que possa existir "um deterioramento da qualidade das COS e, consequentemente, da análise de risco subjacente, realizada pelas entidades obrigadas".

O DN tentou obter mais esclarecimentos junto à Consultora, mas não recebeu ainda resposta.

A análise dos dados do quinquénio conclui que a infração maioritária subjacente é a fraude fiscal, com 50% das suspeitas confirmadas, seguida da burla, com 12%, e do tráfico de estupefacientes, com 8%.

Os principais motivos de suspeita que levaram à elaboração de COS, que deram origem a suspeitas confirmadas, foram a utilização de conta particular, 30%, a proveniência dos fundos, 28%, o tipo de operação, 24%, e o destino dos fundos e referências criminais, com 7% cada. As transferências, 55%, e a utilização de numerário, 37%, foram os principais tipos de operação subjacentes às COS que deram origem a suspeitas confirmadas.

Controlo a políticos com falhas

Este estudo revela ainda que são os grandes bancos que comunicam a maioria das operações suspeitas (49%), e destas mais de metade são confirmadas (55%); 12,01% são comunicadas pelos pequenos e médios bancos, 4,14% pelas caixas económicas, e 1,45% pela Caixa
Central e Caixas de Crédito Agrícola Mútuo.

As instituições de pagamento reportaram 19,50% das COS; os conservadores 5,10%; as entidades de serviços postais 4,87%; e as instituições financeiras de crédito 1,64%.

Além de estarem obrigadas a comunicar as obrigações suspeitas, estas entidades e organizações estão também incumbidas de controlarem mais aprofundadamente as transações das chamadas "Pessoas Politicamente Expostas" (PEP), ou seja, aquelas que, segundo a definição do Parlamento Europeu, "podem representar um risco mais elevado de corrupção pelo facto de exercerem ou terem exercido funções públicas importantes", como chefes de Estado, chefes de governo, ministros, membros dos órgãos de direção de partidos políticos, juízes de tribunais supremos e deputados, assim como cônjuge, pais, filhos e os cônjuges destes últimos.

Sobre este controlo o estudo verificou que 36% das organizações (cerca de um terço), reconheceram "não possuir procedimentos" para a identificação das PEP, o que "dificulta a identificação deste tipo de contraparte que, por obrigatoriedade legal, deve ser considerada de risco elevado".

Ainda muito a melhorar

Entre outros pontos de preocupação que foram identificados nesta análise, está, por exemplo, o facto de 60% das organizações não propiciar formação aos responsáveis por esta prevenção ou fazê-lo apenas sem uma periodicidade definida.

O estudo refere ainda que em Portugal, apesar de terem sido estabelecidas novas obrigações e desafios na prevenção daquele problema, um terço das organizações nacionais não tem uma gestão de risco de branqueamento de capitais / financiamento do terrorismo "eficiente e eficaz" e 40% das organizações não possuem esta função alocada a áreas típicas destes fenómenos. O documento indica, por outro lado, que 43% das entidades não discutem o tema com uma "periodicidade regular" .

Entre as "ações prioritárias" recomendadas está a disponibilização à Unidade de Informação Financeira (UIF) da PJ, que faz todo o tratamento das suspeitas, "os recursos técnicos e humanos adequados, ao cumprimento efetivo das suas principais funções, centralização e avaliação de COS, e ao desenvolvimento de análise estratégica numa base contínua".

Outras prioridades elencadas pelo estudo são a realização "ações de sensibilização e formação sobre os riscos" destes crimes, " incluindo o dever de comunicação para as atividades e profissões não financeiras designadas, principalmente em setores de elevado risco"; bem como a atribuição de recursos " aos supervisores da atividades e profissões não financeiras designadas, responsáveis pelos setores de maior risco, proporcionais à respetiva exposição ao risco de BC-FT e à dimensão do setor supervisionado".

O Financiamento de Terrorismo (FT) é investigado como uma atividade criminosa autónoma, sendo conduzidas investigações financeiras paralelas às investigações de terrorismo, e os ativos e instrumentos de FT, são suspensos e apreendidos. Existem processos por FT iniciados, mas não houve condenações, até à data da avaliação.

Os montantes suspensos, quer relacionados com financiamento de terrorismo, quer com branqueamento de capitais, no período em análise, totalizaram cerca de 180 milhões de euros e 75 milhões e 700 mil dólares.

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