CGD denunciou transferência de milhares de euros para Sócrates
Uma comunicação da Caixa Geral de Depósitos (CGD) ao Ministério Público, alertando para a transferência de milhares de euros para a conta bancária de José Sócrates, a única que o ex-primeiro-ministro sempre afirmou possuir, foi o rastilho que levou o procurador Rosário Teixeira a analisar toda a vida financeira do antigo primeiro-ministro. O magistrado terá chegado à conclusão de que José Sócrates não tinha rendimentos que permitissem suportar as despesas que, publicamente, evidenciou no pós-governo. Daí, segundo soube o DN, José Sócrates ter sido, ontem, presente ao juiz de instrução Carlos Alexandre indiciado, sobretudo, por dois crimes: fraude fiscal e branqueamento de capitais.
Segundo informações recolhidas pelo DN, a denúncia da CGD chegou há mais de um ano ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). Em causa estavam várias transferências de uma conta da mãe de José Sócrates para o filho, algumas superiores a 200 mil euros. Tal terá ocorrido durante o tempo em que o ex-primeiro-ministro se encontrava em Paris a estudar Filosofia. As comunicações, como referiu a Procuradoria- -Geral da República em comunicado, foram feitas ao abrigo da lei de prevenção do branqueamento de capitais.
Perante estes dados e com a informação pública sobre o estilo de vida que levava em Paris, o procurador Rosário Teixeira e os inspetores de Finanças apenas se terão limitado, numa primeira fase, a seguir o rasto do dinheiro. E terá sido assim que foram bater a contas bancárias de Carlos Santos Silva, um ex-administrador do Grupo Lena e há muitos anos amigo de José Sócrates também detido, como a origem dos montantes transferidos.
As transferências em causa poderão ter tido origem na venda de três apartamentos que pertenciam à mãe de Sócrates ao empresário da Covilhã. Porém, depois da quebra do sigilo bancário decretado, terão sido descobertas mais ligações financeiras entre o empresário Carlos Santos Silva e José Sócrates. Durante vários meses, os investigadores terão detetado um esquema de transferência de dinheiro entre os dois, o qual terá permitido a José Sócrates viver durante um ano em Paris a estudar Filosofia, sem que lhe fossem conhecidas outras fontes de rendimento, além de um empréstimo junto da Caixa Geral de Depósitos que o próprio revelou ter feito para sustentar os estudos, a compra de um carro, um Mini, a renda do apartamento no quarteirão Passy, um dos mais caros da capital francesa, e o colégio de um dos filhos em Paris. Em julho, após uma reportagem da revista Sábado, garantiu à RTP: "Nunca tive contas no estrangeiro nem tenho capitais para movimentar. Em França tenho uma conta da Caixa Geral de Depósitos, sempre foi o meu banco. Só tenho uma conta bancária há mais de 25 anos. Não tenho nenhuma poupança."
Na capital francesa, Sócrates morou num apartamento avaliado em cerca de três milhões de euros. O antigo primeiro-ministro sempre fez crer que o imóvel era arrendado. Informações recolhidas na altura indicavam que a média praticada naquele bairro da capital francesa era de cinco mil euros/mês. O tal apartamento pode não ter sido arrendado, mas sim comprado. Resta saber se por José Sócrates ou se Carlos Santos Silva apareceu no negócio como comprador. Segundo informações divulgadas pelo jornal Sol, durante muitos anos, Carlos Santos Silva terá sido o testa-de-ferro do ex-primeiro-ministro, movimentando e gerindo dinheiro de Sócrates. Isto é, o antigo primeiro-ministro terá financiado o seu estilo de vida através de Santos Silva, não aparecendo a movimentar diretamente o dinheiro.
Uma das formas que terão sido encontradas para fazer o dinheiro chegar a Sócrates de forma legítima terá sido através da venda dos três apartamentos da mãe. Isto é , os negócios poderão ter sido uma forma de branquear o dinheiro, fazendo que este entrasse no circuito bancário com uma aparência de legalidade. Pelo contrário, o facto de João Perna, motorista de José Sócrates, ter sido detido na sexta-feira indicia que poderá ser suspeito de transportar dinheiro entre o empresário Carlos Santos Silva e o ex-primeiro-ministro.
O volume de circulação de dinheiro entre ambos terá sido de tal forma que ontem circulou a informação de que, depois do lançamento do livro A Confiança no Mundo, no qual Sócrates publicou parte da sua tese de mestrado em França, houve uma encomenda de 20 mil exemplares feita por Carlos Santos Silva e pelo seu advogado, Gonçalo Ferreira, outro dos detidos. Porém, em declarações ao DN, Paulo Teixeira Pinto, proprietário da editora Babel, que editou a obra, negou que alguma vez tivesse recebido uma encomenda de tal ordem.
Por isso, a atenção do procurador Rosário Teixeira está, por agora, centrada nos eventuais crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais. Só numa fase posterior é que poderá avançar para as suspeitas de corrupção, procurando estabelecer um nexo de causalidade entre atos praticados por José Sócrates no governo e eventuais benefícios dados, por exemplo, ao Grupo Lena, que foi alvo de buscas. Ontem, o ex-chefe de governo esteve durante a tarde no tribunal de instrução - depois de ter acompanhado os investigadores em buscas que estes efetuaram na sua casa -, onde terá começado a ser interrogado. Essa ação foi interrompida pelas 22.00 e o ex-primeiro-ministro passou a segunda noite nas instalações do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP. O interrogatório deverá continuar esta manhã.