Ana Gomes: "Rui Pinto pode ser um delinquente, mas os grandes criminosos estão aí à solta"
"Acusar os whistleblowers de atividades criminosas é um clássico". É assim que Ana Gomes, uma das vozes que se têm levantado para defender Rui Pinto, reage às notícias de que o hacker terá acedido ao correio eletrónico de "largas dezenas de ofendidos", nomeadamente, magistrados do Ministério Público, elementos da Administração Interna, PSP, escritórios de advogados, FIFA, FC Porto, Nacional e Confederação Sul-americana de Futebol.
A notícia, avançada primeiro pela revista Sábado, e hoje pela Lusa, refere ainda que a invasão ilegal desses emails por Rui Pinto é o principal argumento que consta do despacho do Ministério Público no pedido que fez ao juiz de instrução criminal para que declare a especial complexidade do processo, o que dará mais seis meses à investigação e, consequentemente, poderá manter em prisão preventiva Rui Pinto (arguido por aceder ilegalmente aos sistemas informáticos do Sporting e da Doyen), pelo menos até 22 de março de 2020.
"As fontes dessa informação da Sábado só podem ser o Ministério Público ou a Polícia Judiciária. Se eles sabem disso e não têm pejo em expor a fragilidade do Estado português, então agora que tirem todas as consequências de toda a informação que têm", desafia a eurodeputada.
A ser provado que o hacker cometeu os crimes pelos quais está indiciado, isso não lhe retira o estatuto de denunciante, na opinião de Ana Gomes. "Rui Pinto é um whistleblower evidentemente, mesmo que tenha cometido alguns delitos. É um whistleblower e deve ser posto ao serviço do Estado, isto se o Estado quiser ir atrás da grande criminalidade", acrescenta a eurodeputada.
"Eu não sei se Rui Pinto cometeu delitos. É um assunto que a Justiça tem de apreciar. Aquilo que eu sei é que o Rui Pinto é uma pessoa com excecionais capacidades informáticas que colaborou com a Justiça de vários países. Não entendo como é que a justiça portuguesa não lhe pediu colaboração quando outros [países] o fizeram e por causa disso já recuperaram imenso dinheiro, de fuga ao fisco e branqueamento de capitais", repete Ana Gomes - esta tem sido a sua batalha desde que se soube da informação recolhida por Rui Pinto e após a sua extradição para Portugal.
"Rui Pinto pode ser um delinquente, mas os grandes criminosos estão aí à solta e não vejo as autoridades a atuarem contra eles", sublinha a eurodeputada, muito crítica das autoridades portuguesas que acusa de não pedirem a colaboração de Pinto "porque nunca houve uma atuação proativa, mas sim uma atuação seletiva para ir atrás de uns e encobrir outros".
Diz que não ficou surpreendida com estas novas suspeitas e garante que Rui Pinto também não estará. "Ele sabe que isto é um combate longo, difícil e duro, ele sabe disso perfeitamente, como eu sei disso e fico exatamente onde estou", garante a eurodeputada.
Ana Gomes esteve esta semana na Polícia Judiciária, uma visita confirmada ao DN. "Sim, é verdade, fui falar sobre vários casos que tenho acompanhado ligados principalmente a questões de terrorismo, mas também falámos de Rui Pinto, mas não vou dizer nem aquilo que falei nem o que fiz", afirmou.
Em abril, Ana Gomes visitou o hacker português na prisão para lhe entregar em mãos o prémio europeu para denunciantes. Mas conta voltar em breve. "Já pedi para ir visitar Rui Pinto outra vez", conta.
Ana Gomes chama ainda a atenção para o artigo escrito por Maria José Morgado, publicado no Expresso a 11 de maio, e intitulado "O amigo Hacker", no qual a procuradora assume que "há uma impreparação das autoridades para prevenir e reprimir uma grave criminalidade global, designadamente no mundo do futebol".
"Rui Pinto pode ser posto ao serviço das autoridades que não têm capacidades informáticas ou periciais nenhumas e é isso que a procuradora Maria José Morgado explica no artigo que escreveu", diz.
"A ser verdade que ele fez isso [invadiu os emails de magistrados e de elementos da Administração Interna] então o Estado português é manteiga e qualquer puto mais habilidoso pode entrar [nesses e-mails]", acrescentou a eurodeputada.
William Bourdon e Francisco Teixeira da Mota, advogados francês e português de Rui Pinto, respetivamente, acusam as autoridades portuguesas de estarem a levar a cabo uma "perseguição judiciária" ao hacker.
"Não há razão legal para manter Rui Pinto na prisão", disse Teixeira da Mota, citado pelo Le Monde.
"É espantoso que os dados [sirvam] para criminalizar pesadamente e de forma injusta Rui Pinto e não para criminalizar aqueles que são responsáveis: os grandes delinquentes do futebol português", disse William Bourdon ao mesmo jornal, acrescentado que "Rui Pinto é o alvo de uma perseguição judicial que se explica pelo poder do mundo do futebol português, [os seus] clubes e agentes. Desde o primeiro momento, Rui Pinto apenas quis esclarecer o mundo e o que ele descobriu ultrapassou os seus piores pesadelos. O que dará lugar dentro de alguns anos a grandes processos de fraude fiscal", acrescentou Bourdon.
Com a Fundação Signal Networks, para a qual trabalham os dois defensores de Rui Pinto, e outros parlamentares, a eurodeputada portuguesa Ana Gomes pediu para se encontrar com Francisca Van Dunem, para discutir o caso de Rui Pinto. O encontro está marcado para o dia 16 de julho.
"Esta será uma oportunidade para esclarecer porque é que Rui Pinto deve ser considerado e protegido como denunciante, em vez de sofrer o tratamento de criminosos perigosos. Já se passaram três meses desde que ele está detido em Portugal, sem qualquer acusação formal ", disse Ana Gomes ao Le Monde.