China colocou doentes recuperados de quarentena. Portugal não cumpre essa indicação
Dois meses depois do surto, a China já está em condições de partilhar informações que resultaram no tratamento aos seus doentes. Foi o que fez neste sábado ao anunciar que, em certo momento, foi proveitoso o facto de se colocar em quarentena (14 dias) os doentes recuperados que tinham tido alta hospitalar com nova avaliação de um médico ao fim deste tempo. Tudo porque não se sabia se os doentes recuperados poderiam ter recaídas ou se a existência do novo coronavírus em lágrimas, sangue ou fezes, mesmo após a recuperação, ainda era um fator contagioso ou não.
Em Portugal, ao que o DN apurou, não há qualquer protocolo - regras gerais - definido para se aplicar aos doentes infetados que já tiveram alta e que poderão vir a ter nos próximos dias. Há um protocolo para sinalizar e encaminhar o doente, um protocolo de tratamento, de acordo com o que já se sabe sobre este novo vírus, embora não haja medicamentos específicos para o combater, um protocolo para assinar a alta, mas não há um protocolo definido para passar aos doentes que tiveram alta ou que venham a ter.
Até agora, só dois doentes tiveram alta hospitalar - um doente internado no Hospital de São João, que foi para casa na quinta-feira, e um outro internado no Hospital de Matosinhos que saiu da unidade neste sábado. Ambos depois de terem ficado sem sintomas e de terem realizado dois testes com resultado negativo à doença. E este é o protocolo seguido internacionalmente, por todos os países afetados pela doença.
Segundo o bastonário dos médicos, "é o que faz sentido". Miguel Guimarães explicou: "Se um doente tem dois testes negativos é porque o vírus está inativo e já não pode infetar ninguém." Portanto, "haver um protocolo para estes doentes ou quaisquer outras regras de restrição não faz muito sentido, embora neste momento saibamos que as vão ter, porque o país está todo a cumprir o isolamento social, mesmo que voluntariamente", argumentou.
O bastonário garantiu que os doentes que tiveram alta até agora levaram uma única orientação e, essa sim, "é importantíssima". Ou seja, "se voltar a ter sintomas contacte de imediato a Linha SNS24 ou o médico, porque se voltarem a ter sintomas há que avaliar e estudar a situação. Se se confirmarem situações em que os doentes voltam a ter sintomas, então talvez se deva equacionar fazer-se um novo teste ao fim de alguns dias da alta e da recuperação". O clínico explica ainda porque se utiliza a designação de doentes recuperados e não de doentes curados. "Não se pode dizer que estão curados, porque não há fármacos específicos para tratar este vírus, por isso se diz que recuperaram."
No caso da China, a decisão de controlo dos doentes durante mais 14 dias após a ausência de sintomas teve que ver precisamente com o relato do caso de um homem infetado, que foi tratado e que recuperou, mas que ao fim de duas semanas voltou a ter sintomas, fizeram-lhe o teste ao covid-19 e deu positivo. A situação deixou os médicos e os cientistas confusos e a imposição de quarentena com nova avaliação médica e a realização de um novo teste foi uma medida mais de precaução.
Mário Durval, médico e delegado de saúde pública da Região de Lisboa e Vale do Tejo, referiu ao DN que quaisquer orientações ou recomendações que não sejam a de voltar ao seu médico se tiver sintomas é puramente "uma decisão clínica". Cabe ao médico que acompanha o doente e que lhe dá alta avaliá-lo e decidir se é necessária alguma medida adicional.
O médico de saúde pública, que está a participar neste processo de combate à epidemia covid-19, desvalorizou assim o facto de não haver um protocolo sem ser o da alta, que está definido para todas as unidades de saúde. "Para o doente ter alta é necessário estar sem sintomas e ter dois testes à doença negativos. Isto é o suficiente para se saber que a infeção não está ativa."
Segundo este clínico, a alteração deste critério não está em cima da mesa, "que eu saiba não está previsto haver qualquer recomendação neste sentido por parte das autoridades de saúde". O DN questionou a DGS sobre esta questão, mas não obteve resposta.
Até agora, não há conhecimento que outros países estão a fazer o mesmo que a China. Na Europa, que está viver agora o pico da epidemia, os governos estão a combater a doença antecipando medidas restritivas. Espanha, por exemplo, que já vai com quase 300 mortes, decidiu neste fim de semana colocar o país em estado de emergência, impondo a quarentena e colocando as forças de segurança na rua.
Em Portugal, o Presidente da República decidiu convocar o Conselho de Estado para quarta-feira para decidir se deve decretar o estado de emergência ou não.