Zero quilómetros

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Na última semana chegou às escolas uma vaga de nov@s professor@s, recrutados em modo de desespero para simular que o governo tem a solução quase mágica para uma bomba-relógio montada nos últimos 15-20 anos e assim assegurar que os alunos estão a ter aulas. Há quem assim chegue, literalmente com “zero km” de rodagem na docência relembrando-me outros tempos, da dos anos 70 aos anos 80 do século XX em que algo parecido sucedeu, de início recorrendo a alunos do chamado Ensino Propedêutico e depois a recém-licenciados ou, como eu, a finalistas de cursos universitários para suprir carências mais ou menos temporárias.

Tal como então, chegam às escolas, fresquinhos, ainda viçosos, sem saber se é para permanecer ou para encarar como biscate, sem qualquer tipo de “profissionalização”, algo que amofina certas sensibilidades muito puristas da sua “formação pedagógica”, que não a minha, até porque, como escrevi, passei por algo parecido, como aluno e professor novato. Embora como aluno, verdade se diga, pouco de relevante tenha aprendido nas aulas asseguradas por quem andava no equivalente ao nosso 12.º ano e com muito pouco para ensinar.

Há, porém, diferenças importantes entre o que se passou, em especial nos anos 80, e o que se está a passar agora.

A primeira delas é que quando eu comecei a dar as minhas primeiras aulas, o “ofício” era basicamente o mesmo que tinha observado aos meus professores. O que fiz não diferia muito do que tinha visto fazer, porque era evidente. Agarrava-se no livro de ponto, ia-se para a aula e tentava-se ensinar o possível a quem o queria e o impossível a quem estava lá só para estragar o cenário. Com esta ou aquela variação de estilo ou materiais, estava quase tudo à vista. Agora não é assim e mesmo quem foi aluno do Secundário há um par de anos desconhece a enorme carga de trabalho (quantas vezes inútil, quantas vezes redundante) de bastidores que agora é exigida aos professores. E isso nota-se quando est@s nov@s colegas se deparam com tudo aquilo que os mais antigos têm para lhes transmitir em modo acelerado. E nota-se em modo muito rápido o espanto e desânimo que nós (os “velhos”) levámos uns anos a entranhar, após um intenso e inglório combate.

A segunda diferença, mais sensível a partir da segunda metade dos anos 80, é que a habitação suficiente exigia 12 cadeiras anuais para se entrar numa sala de aula (com um par de excepções), o que equivaleria a 144 ECTS nos dias de hoje. Chegava-se à sala de aula já com alguma bagagem de conhecimentos e isso ajudava a controlar a insegurança da curta idade e nula ou escassa experiência. A “profissionalização” não era o essencial. Importante era chegar-se com mais do que uma vaga ideia de boa parte do que se ia tentar ensinar. Porque uma coisa é chegar com zero km, outra é desconhecer o traçado e o estado do piso da estrada a percorrer.

Professor do Ensino Básico. Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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