Xi e o momento certo para a guerra em Taiwan

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"No piso de baixo do edifício adjacente à igreja presbiteriana Ché-lám, no centro de Taipé, os ‘alunos’ escutam com atenção um formador que aponta para uma mira telescópica projetada no ecrã. Ao seu lado, um mapa mostra a ilha de Taiwan e o estreito que a separa da China continental.” Começava assim a reportagem que publiquei há dois anos, após uma ida a Taiwan em que assisti a uma aula de “Guerra Moderna”, da Academia Kuma. Na altura, a invasão russa da Ucrânia, meses antes, tinha gerado novos receios que em Pequim o presidente Xi Jinping pudesse imitar o “amigo” Vladimir Putin e mandasse invadir a ilha que o regime chinês vê como província rebelde. 

O que não imaginávamos era que dois anos depois a guerra na Ucrânia continuaria, com uma impressionante capacidade de resistência dos ucranianos. Taiwan, no entanto, é diferente, como recordava há dias Luís Cunha, até diplomaticamente. O especialista em Estudos Asiáticos lançou o livro Taiwan - Paz e Guerra na Ásia e, apesar de garantir que “a Ucrânia vai ser fundamental para entendermos o que se passará em Taiwan”, também recorda que “Taiwan não é a Ucrânia. A geografia manda”. Não só Taiwan é reconhecida apenas por uma dúzia dos países da ONU como ser uma ilha traz fragilidades. 

Mas se Xi Jinping joga a imortalidade na resolução da questão de Taiwan, os EUA, maiores aliados de Taiwan, apesar de desde 1979 reconhecerem a República Popular da China, jogam a sua credibilidade na Ásia Pacífico. Com uma incógnita: em janeiro, Donald Trump sucede a Joe Biden na Casa Branca e o republicano estará menos disposto do que o democrata a envolver meios militares no terreno em caso de invasão.  

E os taiwaneses, no meio disto? Os 24 milhões de habitantes da ilha onde em 1949 os nacionalistas de Chiang Kai-chek se refugiaram após a derrota frente aos comunistas de Mao criaram uma democracia moderna e uma economia vibrante - a 22.ª do mundo. Ao mesmo tempo, o Museu do Palácio Nacional exibe uma impressionante coleção de artefactos imperiais chineses levados por Chiang, a população é esmagadoramente de maioria han (como do outro lado do estreito), a gastronomia tem influência de toda a China continental e até a escrita se faz em caracteres chineses - os tradicionais. Mas a verdade é que os habitantes da ilha se veem cada vez mais como taiwaneses e não chineses, sobretudo os jovens. E isso não vai mudar, goste ou não o presidente chinês. 

Xi sabe que identificar a janela de oportunidade é importante. Fala-se em várias datas para a invasão, uma é 2027, centésimo aniversário do Exército de Libertação Popular. Mas e se Xi surpreender - apanhando os EUA entre um presidente de saída e um que ainda não entrou - e agir já? Lidar com mais uma guerra é a última coisa que o mundo precisa. 

Editora executiva do Diário de Notícias

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