Uma “solução política rápida para a questão da Ucrânia”
Em termos globais, é pouco provável que a China altere a sua postura relativamente à Rússia. Por um lado, mantém o apoio à Rússia para que esta não fique demasiado fragilizada, enquanto beneficia do fornecimento vantajoso de bens (energéticos, metais críticos, agroalimentares) e tecnologia avançada. Por outro lado, a China mantém uma boa relação com uma parte significativa dos países ocidentais que lhe permite o acesso a mercados ricos e a tecnologia avançada, enquanto evita sanções financeiras. De caminho, reforça o seu soft power junto de países em desenvolvimento, como potencial pacificador de conflitos internacionais.
Até recentemente, era questionável que a China tivesse interesse no fim rápido da guerra da Ucrânia. Porém, a fragilidade russa leva Putin a reiterar a disponibilidade para um acordo de paz na Ucrânia. Além disso, à medida que a dependência da Rússia perante a China se aprofundou de forma inelutável, abriu-se espaço a que outras preocupações da China sejam colocadas na equação. É a esta luz que devem ser analisadas as declarações de responsáveis chineses antes e por ocasião da recente visita a Pequim do “lao pengyou” (velho amigo) Putin.
Um mês antes da visita merece destaque um artigo publicado por Feng Yujun, professor da Universidade de Pequim, em The Economist, cujo título é esclarecedor: A Rússia certamente perderá na Ucrânia. É pouco crível que um tal artigo tenha sido publicado sem a expressa concordância do Governo chinês, sendo provável que tenha sido feito a rogo. Nas palavras do prof. Feng Yujun, “observadores perspicazes observam que a postura da China em relação à Rússia passou da postura ‘sem limites’ do início de 2022, antes da guerra, para os princípios tradicionais de ‘não-alinhamento, não-confrontação e não-direcionamento de terceiros’.” E acrescenta que “ninguém deve duvidar do desejo da China de acabar com esta guerra cruel através de negociações.” Esse desejo, diz Feng, “mostra que a China e a Rússia são países muito diferentes. A Rússia procura subverter a ordem internacional e regional existente através da guerra, enquanto a China quer resolver as disputas pacificamente.”
A visita de Putin a Pequim serviu para os líderes da China e da Rússia mostrarem uma frente unida e celebrar vários acordos de cooperação. Mas é sobremaneira importante atentar numa “reunião restrita” em Zhongnanhai (a nova Cidade Proibida, em Pequim) entre Xi e Putin “durante a qual tiveram intercâmbios aprofundados sobre questões estratégicas de interesse comum”, como se escreve num comunicado da agência estatal Xinhua, colocada na página do Governo chinês. Nessa “reunião restrita” refere a Xinhua que “Xi disse que a China apoia a convocação de uma conferência internacional de paz reconhecida pela Rússia e pela Ucrânia num momento apropriado, com participação igualitária e discussão justa de todas as opções, de modo a pressionar por uma solução política rápida para a questão da Ucrânia”, e que “a China está pronta para continuar a desempenhar um papel construtivo a este respeito.”
O aviso constante do artigo do prof. Feng Yujun, e a exigência de “uma solução política rápida para a questão da Ucrânia” constituem uma evolução da posição chinesa que a Europa devia cavalgar para promover ativamente negociações realistas, i.e., com ambas as partes.