Trump na Ásia: antes de Xi, Takaichi

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Quando vejo os sorrisos amigáveis trocados entre Donald Trump e a primeira-ministra Sanae Takaichi durante a visita do presidente americano ao Japão, e as frases de ambos a enaltecer a aliança entre os dois países, só posso lembrar-me daquilo que um dia escreveu o diplomata e historiador Edwin O. Reischauer sobre a ocupação americana que se seguiu ao fim da Segunda Guerra Mundial: esta foi benigna ao ponto de “nunca um ocupante e um ocupado terem alguma vez tirado tanto proveito de uma tal situação”. Reischauer tinha tudo para ser o melhor dos observadores das transformações que estavam a acontecer desde 1945 na relação bilateral, pois nasceu em Tóquio filho de missionários, doutorou-se em Harvard com uma tese sobre história japonesa, ajudou no esforço de guerra ensinando japonês a militares americanos, e foi embaixador dos Estados Unidos no Japão.

Nenhum dos povos esqueceu Pearl Harbor ou Hiroxima, mas foram capazes no pós-guerra de forjar uma aliança que, com muitos altos e ocasionais baixos, dura até hoje; e que se, durante a Guerra Fria, tinha a União Soviética como a grande ameaça partilhada, agora direciona-se sobretudo para a China, cuja fulgurante ascensão no último meio século preocupa tanto Tóquio como Washington. É, aliás, interessante que numa altura em que Trump insiste num maior investimento japonês em Defesa, o grande entrave teórico seja ainda o artigo 9 de uma Constituição pacifista imposta pelos Estados Unidos em 1947, a mesma Constituição que ajudou o arquipélago a reconstruir-se não só como grande potência económica, mas também como democracia, durante décadas a única na Ásia Oriental.

Takaichi, a primeira mulher a chefiar um governo no Japão, tem tudo para se entender bem com Trump, afinal é uma espécie de herdeira política de Sinzo Abe, um antigo primeiro-ministro que pugnou pela necessidade de o país poder reforçar as suas forças armadas. Após a invasão russa da Ucrânia, e graças igualmente à pressão constante chinesa sobre Taiwan, o investimento em Defesa finalmente começou a aumentar, deixando o patamar do 1% que foi regra. Tal como no caso de Abe durante o primeiro mandato de Trump, Takaichi terá conseguido desenvolver uma boa química pessoal, e, para isso, além das palavras, terá sido decisivo todo o cerimonial montado em Tóquio para receber o presidente americano, desde o encontro com o imperador Naruhito à receção oferecida pela primeira-ministra no palácio Akasaka, onde terão sido servidos arroz e bifes americanos, com ingredientes japoneses também, a relembrar que na agenda do presidente americano a questão do comércio está sempre presente (com o Japão, os Estados Unidos evitaram uma guerra das tarifas através de negociações ainda no tempo do primeiro-ministro Shigeru Ishiba, concordando com 15%). Da visita presidencial ao Japão, realizada entre uma ida à cimeira da ASEAN na Malásia, e a participação na cimeira da APEC na Coreia do Sul, resultou também um acordo sobre as chamadas terras raras.

Se a aliança nipo-americana sai reforçada do encontro entre Trump e Takaichi, as atenções irão agora centrar-se no encontro que o presidente americano vai ter em Seul na quinta-feira com o seu homólogo chinês, Xi Jinping. Pequim esteve a acompanhar o que se passou em Tóquio, e o reforço da aliança entre o seu grande rival global e o seu grande rival regional nunca será visto com bons olhos, mesmo que seja no interesse dos três manter boas relações. Até porque neste périplo pela Ásia, Trump mostrou uma das grandes vantagens dos Estados Unidos na competição pela supremacia mundial: a capacidade de ter aliados remotos, desde os tradicionais como a Indonésia e as Filipinas, aos novos, como o Vietname, todos membros da ASEAN, a Associação das Nações do Sudeste Asiático; e, além do Japão, claro, a própria Coreia do Sul, que acolhe esta quarta-feira o fórum de Cooperação Económico Ásia-Pacífico, e ainda Taiwan, ilha que Pequim considera um território rebelde.

Um estudo do Instituto Pew, já de 2025, sobre os países que veem os Estados Unidos como o grande aliado, destacava a segunda e terceira posição da Coreia do Sul e do Japão, só atrás de Israel. Quatro em cada cinco japoneses olham para os Estados Unidos como o país com que contam para a sua segurança, estando incluído o guarda-chuva nuclear. Takaichi soube interpretar esse sentimento popular e Trump, satisfeito, apostou na reciprocidade, afirmando-lhe que os Estados Unidos estariam lá para “tudo o que quisesse, quaisquer favores de que precisasse, qualquer coisa... para ajudar o Japão”.

Diretor adjunto do Diário de Notícias

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