'Silly Season' ou a busca da liderança perdida

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É comummente aceite que o período de veraneio é parco em notícias, limitado em inovação e bastante distante de reflexões aprofundadas. Daí a sua designação como silly season. Não caindo em exageros de linguagem, esta é “uma época de não notícias.”

A verdade é que quando assuntos da maior relevância nas relações internacionais não são tratados em locais institucionais públicos, quando vivemos ao ritmo de ultimatos fixados ao dia e a líderes de países europeus a desdizerem a presidente da Comissão Europeia sem que nada aconteça, talvez não tenhamos tempo para viver uma estação sem notícias. As notícias existem e não são boas.

Este ambiente geral de agressividade, intolerância e de exercício do poder sem respeitar regras ou princípios parece contaminar o ambiente político na Europa e em Portugal.

Este tempo de Verão é propício ao tempo longo, e só ele proporciona a reflexão, as posições sólidas, estruturadas e de longo prazo.

A sociedade confronta-se com desafios permanentes que não se podem esfumar numa noite de Verão e muito menos em acordos opacos e não explicados.

Quando a Europa acordou com as imagens de uma dirigente europeia a reunir com o presidente americano numa propriedade deste, os sinais de preocupação já eram fortes. Sim, a política, como todas as atividades humanas tem uma dimensão simbólica inultrapassável. E, aqui, foi claramente ultrapassada. Foi uma cedência sem sentido. Sem querer dizer demasiado, teve, de facto, um certo ar de capitulação.

Mas, o que se afigura especialmente preocupante é as autoridades europeias não explicarem adequada, transparente e claramente aos seus concidadãos a totalidade dos impactos do acordo alcançado.

Sabemos que os maiores países europeus têm opiniões não coincidentes. Enquanto os alemães o consideram um mal menor, os franceses entendem-no como desequilibrado e os italianos querem conhecer-lhe os detalhes!

Já o ditador húngaro entende, aparentemente com gáudio, que “Trump comeu Ursula ao pequeno-almoço”.

O líder da Comissão de Comércio do Parlamento Europeu também afirma que quer saber “qual o preço que os europeus vão pagar por este acordo”.

Por tudo isto os cidadãos europeus precisam de saber TUDO. Sabemos as tarifas, mas há compromissos quanto a investimento da EU nos EUA, há compromissos quanto à aquisição de produtos energéticos e nada sabemos se as áreas da defesa também estão abrangidas e em que termos.

Aqui chegados alguém nos consegue explicar onde fica o conteúdo do Relatório Draghi? Há meia dúzia de meses era o alfa e o ómega do futuro da Europa. E agora? Os investimentos na reindustrialização da Europa onde é que ficam?

Dissemos acima que a política tem uma dimensão simbólica que não pode ser negligenciada.

E este acordo fica marcado por uma frase da Presidente da Comissão Europeia - “Foi o melhor que conseguimos”.

Frase que, em si mesma, é a negação da liderança.

Desafio cada um dos leitores a aplicá-la a situações já vividas por todos nós e a tirar as suas conclusões, olhando para o longo prazo.

Advogado e gestor

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