'Shutdown'. A América em suspenso outra vez

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Quando cheguei a Washington naqueles meados de janeiro de 2019 não era só uma mega tempestade de neve que me esperava. Logo no aeroporto, as filas ainda mais gigantescas do que o habitual para o controlo do passaporte deixavam adivinhar que algo anómalo se passava. E o mau humor do funcionário que me atendeu não se devia só ao mau tempo lá fora, afinal havia quase um mês que o governo dos EUA entrara em shutdown e que os funcionários federais - mesmo os considerados essenciais, como os das fronteiras, chamados a comparecer ao trabalho, mas só remunerados quando a crise termina - não eram pagos.

Ao todo, naquele inverno, foram 35 dias de bloqueio do Governo federal, devido a um braço de ferro entre democratas e republicanos em torno do financiamento para o muro na fronteira com o México. A situação acabou por se resolver, após a intervenção do presidente Donald Trump, que declarou emergência nacional para financiar o seu projeto. Mas para quem passeava pelo Mall da capital federal americana, nem a beleza do manto branco de neve que cobria a Casa Branca, o Capitólio, o Monumento a Washington ou o Memorial a Lincoln conseguia disfarçar a tristeza de ver todos os museus Smithsonian encerrados.

Na noite da passada terça para quarta-feira, a América voltou a ficar em suspenso. Desta vez, na origem do shutdown esteve a recusa dos democratas em apoiar um projeto de lei de última hora para uma breve prorrogação do financiamento, argumentando que não abordava as suas preocupações sobre cortes nos programas de saúde. Enquanto isso, o presidente Trump ameaçou usar a paralisação para fazer demissões em massa. Resultado, republicanos e democratas vão trocando acusações, culpando-se mutuamente pelo impasse.

Depois de um interregno durante o mandato do democrata Joe Biden, o shutdown volta assim a deixar a América em suspenso - e 750 mil funcionários federais não essenciais de licença sem vencimento. Mas não será só o bolso destes trabalhadores americanos a sofrer com este bloqueio do Governo. Segundo o Gabinete Orçamental do Congresso (CBO), a paralisação de 2018-2019 reduziu a produção económica em cerca de 11 mil milhões de dólares, incluindo três mil milhões que nunca foram recuperados.

Desta vez, os analistas estimam que a paralisação poderá reduzir o crescimento económico em cerca de 0,1 a 0,2 pontos percentuais por cada semana que durar - embora grande parte disso possa ser recuperado. Um impacto que pode parecer menor, mas que a juntar ao impacto das tarifas alfandegárias e ao adiamento da divulgação dos muito esperados números do desemprego, prevista para hoje, só traz mais incerteza. E quando a primeira economia do mundo é afetada, já se sabe que o resto do mundo também vai pagar a fatura.

Editora-executiva do Diário de Notícias

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