Que elevador?

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A educação é campo fértil para o crescimento e maturação de um conjunto de mitos que procuram explicar a realidade, mas o fazem de forma errada e gerando equívocos que se prolongam no tempo, sem sequer quem os propaga ter o cuidado de verificar se o contexto que em tempos lhes deu origem não se terá transformado de modo radical.

Um desses mitos úteis, que continua muito presente em escritos sobre educação, é atribuir-lhe a responsabilidade e função de elevador social, em especial quando se pretende denunciar que está avariado, que não funciona, que fracassou, sempre que se pretende dramatizar um clima de crise educativa e justificar mudanças e reformas mais ou menos cosméticas, mais ou menos preocupadas em satisfazer aquele grupo de pressão.
Só que a analogia está errada, mesmo se parece evidente. Essa “evidência” deriva, em muito, de épocas em que era através do prosseguimento dos estudos que parte da população menos favorecida em termos sociais e económicos poderia aspirar a profissões melhor remuneradas e com maior prestígio social. Isso foi especialmente importante, por exemplo, nas sociedades ocidentais dos períodos pós-guerra do século XX ou, se quisermos recuar ainda mais, nas primeiras fases da industrialização. Foram momentos em que o desenvolvimento económico, em especial das sociedades mais avançadas, levou ao maior crescimento de sectores novos do mercado de trabalho, provocando uma pressão sobre a procura de mão de obra qualificada e elevando o seu valor no “mercado”.

Isso fez confundir o aumento das qualificações académicas com as consequências do desenvolvimento económico e com o aumento do poder de compra dos grupos profissionais em crescimento, aos quais acederam muitos filhos de famílias antes presas ao trabalho rural ou industrial não qualificado.

E aqui radica a confusão: se o aumento dos estudos foi condição necessária para os processos de mobilidade social, nunca foi condição suficiente. Porque o “elevador” só funciona se existir pressão do lado da procura de profissionais qualificados, porque só assim o valor destes aumenta e, ao mesmo tempo, a sua posição social.

A educação pode criar mão de obra qualificada, mas não tem a capacidade de assegurar que ela terá colocação adequada. A educação pode ensinar a usar o elevador, mas não é o elevador. Na escola os alunos podem (e devem) aprender a usar o elevador, mas… e se a zona onde vivem só tem escadas? Ou se tem elevadores apenas até ao 4.º ou 5.º andares? Ou se o elevador está sem manutenção?

O que assegura a efetiva mobilidade social são as oportunidades de usar um elevador que chegue bem alto. Ou mais alto. Oportunidades em termos de mercado de trabalho, por exemplo.

Por isso estão erradas as prosas que associam, de forma simplista, a falta de mobilidade social a qualquer “fracasso” da educação. Esse é o pretexto fácil de quem esconde os verdadeiros bloqueios de uma economia subsidiodependente e que (sobre)vive do encaminhamento afunilado das verbas europeias e de boa parte dos impostos. De quem prefere camuflar uma sociedade desigual e dual com eventuais inconseguimentos educativos.

O “elevador social” não avariou por causa da educação. A educação é que ficou bloqueada, porque o contexto envolvente não permite que muitos dos que nela apostaram tenham um futuro condigno. O “elevador social” falhou porque a sociedade falhou e a educação não consegue salvar tudo.

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