Portugal fica mais Portugal com empatia. E com leis bem feitas

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Nesta última semana de outubro seria expectável escrever sobre o Orçamento do Estado, que acabou de ser aprovado na generalidade e que entra agora no processo de especialidade no parlamento. E bem gostaria de o fazer: de escrever sobre medidas orçamentais que têm impacto na vida de todos nós, no preço das casas e do que comemos, dos recursos para o Serviço Nacional de Saúde e para a Educação funcionarem, de como transformamos o país numa economia próspera e que funcione para todas as pessoas. E escreverei, em breve. Não o faço hoje porque outra aprovação aconteceu esta semana no parlamento: as alterações à lei da nacionalidade. Aliás, nem foi apenas na mesma semana, foi no próprio dia de debate e votação do Orçamento do Estado, o que é em si é bastante revelador de como as prioridades do governo e do PSD estão.

É revelador mas não é surpreendente. A proposta de alterações à lei da nacionalidade foi a primeira proposta do governo enviada à Assembleia da República logo após a tomada de posse. Foi a proposta número 1 de um governo de um país com uma crise da habitação gravíssima, onde tantas pessoas vivem a lutar por sobreviver até ao fim do mês e onde o Serviço Nacional de Saúde falha em dar a resposta que todas as pessoas merecem. E as números 2 e 3 são sobre estrangeiros. E todas tiveram uma discussão muito curta, atropelada, sem o tempo nem a disponibilidade necessários para ouvir as entidades, as pessoas, as associações que têm sempre de estar envolvidas em alterações de leis que as afetem. Sabemos bem de onde vem esta ânsia do governo e do PSD: vem de uma tentativa de ocupar um espaço que o chega criou. O problema é que esse espaço é um de ódio e de divisão, que deveria ser rejeitado por qualquer partido democrático e humanista. Mas não, o PSD tenta ocupar esse espaço e, pior, alia-se ao chega para o alargar. Com a contribuição dos restantes partidos de direita.

A Lei da Nacionalidade é demasiado importante para ser tratada assim. Esta semana foi aprovada uma lei que, além de ser injusta e fomentar o preconceito, está mal feita, tal a ânsia da sua aprovação.

Esta nova lei tem vários problemas mas vou-me debruçar apenas num aspecto. Há uma regra base que acho que devia nortear qualquer ação política, seja qual for o quadrante político em que nos encontramos: que nenhuma criança seja desprotegida ou veja diminuídos os seus direitos. Essa regra foi aqui várias vezes quebrada: seja porque torna mais difícil uma criança nascida e que viva vários anos em Portugal (não conhecendo outro país) tenha a nacionalidade portuguesa, seja porque não atribui automaticamente a nacionalidade portuguesa a crianças adotadas por pais portugueses – contrariando aliás a equivalência que deveria sempre acontecer entre filiação e adoção. As crianças ficam mais desprotegidas com a nova lei. Mas mais do que isso: as crianças ficam desprotegidas pela forma como esta lei foi feita com quem não tem pudor em usar nomes de crianças para lhes dizer que não são bem-vindas a Portugal, com quem não tem pudor de encher o país de outdoors que transmitem a qualquer criança cigana ou de família com origem no Bangladesh que o lugar delas não é aqui.

Um país e uma nacionalidade não se constroem a atacar e a desproteger crianças. O ministro Leitão Amaro dizia que, com a aprovação desta lei da nacionalidade, Portugal fica mais Portugal. Lamento mas não. O meu Portugal é o Portugal da empatia, da entreajuda entre vizinhos, da responsabilidade coletiva pela infância de cada criança.

Líder parlamentar do Livre

Diário de Notícias
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