Embora seja um lugar-comum, os finais de ano convidam a balanços. Como muitos são penosos, o melhor é ficar pelas alegrias conseguidas através da leitura. Neste último texto de 2025, recordo os livros que me fizeram feliz aos longo destes 12 meses.Boa parte deles atestam o conselho dado pelo historiador Carlo Ginzburg aos jovens que desejam enveredar pelo ofício da História: ler muita literatura. De facto, a literatura chega a lugares vedados à História, à ciência política e à sociologia. Dá rosto a protagonistas anónimos, oferece superioridade estética a acontecimentos cuja descrição é soporífera, ilumina actitudes e emoções que de outra forma são incompreensíveis.Aqui fica a lista, na esperança de que seja proveitosa aos leitores do DN.Uma morte na UcrâniaEm 2023, Héctor Abad Faciolince visitou a Ucrânia no âmbito de uma iniciativa de solidariedade organizada na Colômbia – a sua terra natal – com aquele país em guerra. O desfecho foi trágico. A nossa hora, publicado pela Alfaguara, é o relato intímo dessa viagem. O objectivo declarado do autor, o de escrever para domesticar o trauma, perpassa o livro da primeira à última página. Discute a história e sociedade ucranianas, bem como a brutalidade criminosa da invasão russa. Oferece, sobretudo, uma leitura pessoal dos efeitos físicos e psicológicos da guerra. É um livro sobre viver e morrer. Talvez seja também uma reflexão sobre o Ocidente que a agressão russa pôs em causa.Não foi a primeira vez que Abad Faciolince escreveu sobre episódios autobiográficos dolentes que ajudam a explicar os males do mundo: Em Somos o esquecimento que seremos, livro que Mario Vargas Llosa colocou num pedestal, revisitou a violência política colombiana que lhe matou o pai.A memória, o passado e os efeitos da violência que se abate sobre indivíduos comuns são temas recorrentes na obra de Héctor Abad Faciolince, que por mérito próprio é um dos mais lidos e premiados escritores latinoamericanos.Dose tripla de Vázquez MontalbánO barcelonês Manuel Vázquez Montalbán foi romancista, ensaísta, poeta e jornalista, um escritor popular no período da transição democrática espanhola. Criou o magnífico Pepe Carvalho, detective e gastrónomo, personagem cínico e irredutível que antes de se dedicar à investigação crimes por conta própria militou no Partido Comunista de Espanha e foi espião da CIA – cartão de visita imbatível.Numa demonstração de grande apreço pelos leitores portugueses, a Quetzal publicou este ano três livros da longa série de romances protagonizados por Carvalho: Assassinato no Comité Central, Os Mares do Sul e A Solidão do Manager. Mais do que ficção policial, são ensaios astutos e desassombrados sobre a sociedade espanhola na etapa incerta entre a morte de Franco e a consolidação da democracia.Nada disto está datado. Aliás, Carvalho tem o hábito nada ortodoxo de queimar livros na lareira de casa, um ritual inventado por Vázquez Montalbán para se vingar de uma tradição académica e livresca que se distanciou da vida real, assunto cuja actualidade dispensa justificações.JulioA propósito de academia e actualidade: Rosalía, Björk, Childish Gambino e outros músicos célebres recebem o aplauso do público, mas também encómios vários por parte da academia e dos intelectuais. Contudo, Julio Iglesias, que os antecedeu e superou em notoriedade global, foi sempre recebido com manifesto desdém pelas elites ilustradas. Ignacio Peyró, um dos grandes ensaistas espanhóis contemporâneos, corrigiu esta injustiça ao escrever O Espanhol que Encantou o Mundo. Julio Iglesias, Vida e Época, publicado pela Zigurate. Já aqui escrevi sobre este livro. Limito-me a insistir que a prosa erudita e sagaz de Peyró rompe os esquemas habituais da biografia: itinerário vital do cantor romântico, latin lover por antonomásia, oferece uma pista onde aterrar a história recente (e os dilemas presentes) de Espanha.Democracias deslizantesOs males da academia não eliminam as suas virtudes e The Backsliders: Why Leaders Undermine Their Own Democracies, de Susan C. Stokes, publicado este ano pela Princeton University Press, é disso uma belíssima prova. O livro propõe-se a explicar a recente vaga de retrocesso democrático, argumentando que o aumento das desigualdades torna as sociedades vulneráveis a líderes com tendências autocráticas.Stokes olha para as tácticas, estratégias e motivações de políticos eleitos de forma democrática que, uma vez instalados no poder, se dedicam a minar o Estado de Direito. O lado inovador deste estudo não é tanto o ‘como’, mas o ‘quando’: porque razão este deslizamento autoritário ocorre agora? Inovador é também o facto de prestar a mesma atenção a retrocessos provocados por políticos de direita e de esquerda. Sendo um texto muito apoiado em trabalhos de ciência política, a sua leitura é bastante acessível, mesmo para quem não é versado nestas matérias. Entre outras coisas, conclui-se que os eleitores são muito mais racionais do que parece.Politólogo. Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico.