Os europeus dominavam o mundo no século XIX, devido a uma cultura escrita e de transmissão de saber e às máquinas; sobretudo às máquinas de guerra. As que lhes permitiram, a partir das bases de expansão na África e Ásia lançadas entre os séculos XV e XVII, submeter directa ou indirectamente parte das comunidades e populações desses continentes. Assim, nas vésperas da Grande Guerra, cerca de 80% do planeta era dominado por uma meia dúzia de nações da Europa Ocidental.Isso acabou. A Grande Guerra e as suas consequências, entre elas a revolução bolchevique na Rússia, trouxe um movimento de emancipação global que iria alterar a face da Terra. E se a Grande Guerra foi suicidária para os poderes europeus, a Segunda Guerra Mundial, uma espécie de segundo acto da Primeira, levaria ao fim do “imperialismo europeu”, começado com as velas e canhões portugueses e espanhóis no século XV.A China dos senhores da guerra passou à China do Kuomintag e depois ao nacional comunismo maoista; os ingleses, para contarem com os indianos nas suas fileiras na guerra com o Japão, em vez de os terem revoltados a ajudar os japoneses, tiveram de prometer a independência aos líderes nacionalistas. Entretanto, os princípios em nome dos quais se mobilizara o mundo contra os poderes do Eixo trariam os winds of change que Mac Millan reconheceria em Cape Town, muito depois de acabada a guerra.Neville Chamberlain, que está tão na moda vilipendiar para mostrar firmeza anti-Putin, teve alguma razão em assinar Munique: não só ganhou ano e meio, essencial para o Reino Unido se rearmar, como a sua ideia de que a guerra na Europa seria o fim do Império Britânico se revelaria correcta.A história da (talvez inevitável) decadência da Europa depois das guerras civis europeias da primeira metade do século XX reforça a constatação de que as retóricas de valores contraditórios, como Liberdade, Igualdade, Fraternidade, podem permitir ganhar tempo, mas acabam por contar pouco quando chega a hora de prestar contas à realidade.Os últimos actos desta história foram a Guerra Fria e o interregno pós-Guerra Fria, com a vigência da “ordem liberal internacional”. A Guerra Fria foi ganha pelo bluff reaganista da Guerra das Estrelas e a ilusão de Gorbachev de que a liberalização da União Soviética era possível e a poderiam tornar economicamente competitiva. Como se pudesse haver comunismo sem terror, sem polícia secreta, sem campos de concentração.A seguir, na arrogância da vitória, foi a vez dos anglo-americanos quererem impôr ao mundo, a todo o mundo, a democracia liberal e o mercado, como se ainda estivessem no século XIX, quando tinham o monopólio das máquinas de guerra. Falharam, mas entretanto despertaram medos que levaram à guerra na Europa.Ao seu modo triunfalista, directo, provocador e incorrecto, Donald Trump, discursando nas Nações Unidas, criticou a organização que nada fazia para ajudar a pacificar o mundo, ridicularizou os alertas climáticos com que entretinha e aterrorizava as hostes e disse aos europeus que, com a política de fronteiras abertas, estavam a dar cabo dos seus países.Em suma, para Trump, parado nas escadas rolantes por uma falha técnica e sem teleponto funcional, as Nações Unidas não só “não resolviam os problemas que deviam resolver” como “criavam novos problemas para nós resolvermos”.Talvez, como quase sempre, estivesse a exagerar… mesmo perante os evidentes fracassos políticos, as notórias falhas técnicas e a desordem da velha ordem internacional. Politólogo e escritorO autor escreve de acordo com a antiga ortografia