O que está em causa

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Há muitos que, ainda, não perceberam o que está, verdadeiramente, em causa no Mundo, na Europa e em Portugal.

Pensam que o que está em causa no Mundo é o antagonismo entre o que se convencionou designar de capitalismo monopolista imperialista americano e o subdesenvolvimento e a pobreza terceiro-mundistas, optando pelos BRICS contra o Ocidente, mesmo que os ditos BRICS integrem países com regimes autocráticos e com sistemas económico-sociais profundamente injustos.

Mais, pensam que o “Novo Mundo” multipolar que colocaria a Rússia e a China ao mesmo nível que os EUA e a um nível superior ao da Europa Democrática seria, necessariamente, mais justo do que o actual.

Não percebem que esse “novo mundo”, em que se passaria do multilateralismo para o bilateralismo e do respeito pelo direito internacional para um “novo direito” ditado pela força, convidaria à substituição de valores por meros interesses instalados, dificilmente podendo ser mais “justo e perfeito” do que o actual.

E, na mesma linha, esses mesmos sectores da opinião pública entendem que a construção de uma Europa Unida, mais forte e determinada, não se apresenta essencial, sendo, até, inevitável que a mesma se vá debilitando, com a emergência de movimentos nacionalistas exacerbados.

Aliás, embora não o dizendo, vão alimentando alguma esperança em que esses mesmos movimentos radicais tendam a fortalecer-se, fazendo o “jogo objectivo” das potências totalitárias.

Cada vez que, na Europa, surge uma “nova Hungria” experimentam um “brilhozinho nos olhos”, o mesmo acontecendo de cada vez que Marine Le Pen vê melhorar as suas projecções de voto favorável.

Ao fim e ao cabo, sempre reconduziram a Europa e a social-democracia europeia a um “sub-imperialismo” subordinado aos EUA.

Logo, segundo eles, o que é preciso é que o eixo Rússia-China se vá reforçando, que Trump vá cedendo às exigências de Putin na Ucrânia e que a UE se vá “afundando” em sucessivas contradições internas.

E em Portugal?

Segundo esses mesmos teóricos, Portugal não deve preocupar-se com as potências totalitárias como, por exemplo, a Rússia e a China, as quais jamais tentarão invadir a referida Europa.

Portugal tem é que não alinhar com o discurso social-democrata europeu, ser exigente em matéria de défice orçamental e de dívida pública (contra a “ditadura do défice e da dívida”, como alguns dizem), não se envolver na política de Defesa Europeia e apostar nos aumentos salariais e na melhoria das condições de vida da população, bem como no investimento público, ainda que em detrimento da criação das condições propiciadoras ao incremento do investimento privado.

Nada de mais errado.

Trata-se de reconduzir a política progressista em Portugal a um mero sub-produto de um alinhamento com os projectos ditos “desenvolvimentistas” defendidos pelos teóricos da futura “centralidade mundial dos BRICS”, preferindo-se que no nosso País venham a emergir, cada vez mais, correntes nacionalistas exacerbadas, com manifesto prejuízo para as forças democráticas.

Hoje, mais do que nunca, é preciso estar-se do lado do multilateralismo, do Estado de Direito Democrático, do reforço do eixo federalizante da UE, do respeito pelo princípio da separação de poderes e, enfim, dos direitos e liberdades fundamentais, em vez de se optar por uma perspectiva ”negocista” ditada pela mera “análise de correlação de forças”.

Nem mais, nem menos…

PS - O autor do artigo interrompe a sua participação nesta coluna até 5 de Setembro próximo.

Economista e professor universitário

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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