O nome da coisa

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Agora que já passaram uns dias sobre o período áureo da medíocre discussão pública sobre a nova modalidade da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento e nos habituámos à poeira tóxica que levantou, gostava de destacar alguns pontos sobre o assunto, até porque até a leccionei alguns anos e escrevo com algum conhecimento de causa, certamente um pouco superior à larga maioria das figuras que o apareceram a comentar nas televisões e jornais.

Antes de mais, uma declaração de interesses: sou contra a existência da disciplina, desde a sua criação, por achar que os temas mais importantes que passou a incluir eram e são passíveis de ser abordados de modo muito mais contextualizado em outras disciplinas, sejam a História, a Geografia, as Ciências (Naturais/da Natureza, conforme os ciclos) ou o Estudo do Meio no 1.º ciclo, para além de que este foi apenas mais um exemplo de fragmentação curricular, quando tanto se criticava isso mesmo e se defendia a necessidade de agregar áreas disciplinares no Ensino Básico.

Mas comecemos por um dos aspectos mais caricatos da “discussão pública” que inflamou páginas e ecrãs: se a maioria dos intervenientes nem sabia o nome exacto da disciplina, querem que acredite que leram os seus documentos “de referência”, em vigor ou os agora propostos, os “referenciais”, os conteúdos, domínios ou metodologias de avaliação? Ouvi de tudo um pouco, de Educação Cívica a Educação para a Cidadania, passando pela Formação Cívica e outras formulações fora de uso; os mais prudentes ficaram-se apenas por “Cidadania”. Percebi mesmo que há professores e opinadores que não fazem ideia de que a disciplina não existe no Ensino Secundário. Será que o responsável parental que apareceu a falar na competência dos docentes da disciplina sabe que até existem critérios para o perfil do “coordenador de Cidadania e Desenvolvimento”?

Outra situação caricata foi a quase completa redução da disciplina aos conteúdos relacionados com a Sexualidade (de forma explícita) e a Identidade de Género (de forma mais dissimulada), tanto pelos apoiantes, como pelos detractores. Entres estes, à Direita, foi notória a ignorância de que alguns desses conteúdos entraram no currículo da então chamada Educação para a Cidadania no mandato de Passos Coelho, com Nuno Crato como ministro, não sendo uma tenebrosa conspiração de radicais esquerdistas, promotores de todos os males bíblicos relacionados com o Sexo.

Mas foi divertido ler e ouvir tanta gente a quem abomina que se fale de Sexo, Sexualidade e Educação Sexual a falarem e escreverem sobre isso mesmo, como se esses fossem os únicos domínios a abordar e existisse oportunidade para mais do que superficialidades, atendendo aos tempos lectivos disponíveis.

Resumindo, mais do que a disciplina de nome variável, estiveram em confronto os preconceitos e traumas individuais ou de grupo, dos dois lados da trincheira.

Professor do Ensino Básico.

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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