O Natal de Rochdale. O que me move, o que nunca poderei trair

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Nevava no dia em que o cooperativismo moderno nasceu. A uma dúzia de quilómetros de Manchester, na cidade de Rochdale, faz domingo 181 anos, vinte e oito homens juntaram-se para, de uma vez por todas, encontrarem uma solução. O mundo estava a mudar, a inquietação e insegurança eram gerais, e aqueles homens, a maioria tecelões, não tinha dinheiro para que o seu Natal fosse parecido ao dos privilegiados. Marcaram encontro na loja de um deles em Toad Lane, transformada hoje num museu que celebra esse dia em que trabalhadores decididos inventaram um mundo novo.

Cada um deles estava à margem de uma revolução industrial que se anunciava, cada um dos nossos “pais fundadores” revoltou-se naquela noite de frio e neve contra a exploração, mas não contra o mercado. Queriam ser menos explorados, mas não menos capitalistas. Naquele dia de quase Natal não foi apenas o cooperativismo que nasceu, foi uma via possível para que o capitalismo pudesse ter um rosto humano, para que homens empreendedores pudessem juntar esforços a partir das suas carências, para que estas se transformassem em oportunidades.

Os pioneiros de Rochdale criaram um modelo que lhes permitiu comprar alimentos e produtos a preços justos, estabelecendo princípios de ajuda mútua, de equidade e de democracia plena. Não tinham recurso ao crédito, o mercado estava demasiado longe, o futuro parecia um lugar distante. Mas o futuro nunca é um lugar distante quando se acredita e se respeita o ciclo da vida.

Reparem, eles encontraram-se uns com os outros a uns poucos dias do Natal, mas isso não é o mais relevante. O que impressiona é a constatação de que se reuniram em pleno Solstício de Inverno, quando a noite é a maior do ano, quando todas as colheitas já foram recolhidas. Aqueles homens marcam o dia da revolução para que não se perca mais tempo, para que o reinício do ciclo da vida se faça sob uma nova ordem. Para eles, era decisivo trabalhar para que, no Equinócio daquele próximo março, quando a luz ameaça derrubar a escuridão e a vida volta a nascer nos campos, as suas famílias tivessem um melhor futuro.

Talvez não imaginassem que não eram apenas as suas famílias, mas milhares e milhares de famílias em todo o mundo. E neste tempo tão complexo, em que somos assolados por novas incertezas e revoluções imprevisíveis, é importante voltarmo-nos a juntar para que não se perca o que temos de verdadeiramente essencial e distintivo. Quando me perguntam qual é a minha batalha, a resposta é simples. É esta. A de juntar vontades, a de falar da neve de Rochdale quando vinte e oito homens não se conformaram com o seu destino.

O Cooperativismo é o modelo de negócio daqueles que odeiam a pobreza, a exclusão social e a falta de oportunidades e adoro o mercado como solução mais robusta, meritocrática para os problemas económicos.

Não é suportável que cooperativistas não saibam o que é o cooperativismo. Que seja suportável a alguns, aqui e fora daqui, que o modelo cooperativista traia os sete princípios da fundação, que acreditem que podem crescer sem uma boa governance, sem uma gestão democrática, sem equidade ou fraternidade, sem combater o individualismo, sem defender uma verdadeira proximidade.

Estar numa cooperativa é ser parte de um todo. Aceitar que todos nós controlamos e que essa é a primeira e mais eficaz regulação, que estamos perto de todos, que partilhamos os interesses de todos. Ser cooperativista é respeitar os ciclos da vida. É nunca nos esquecermos de que o capitalismo pode e deve ser humano, isso é hoje mais importante do que alguma vez foi. Não é admissível que administradores ou presidentes possam ganhar dez, vinte ou sessenta vezes mais do que o trabalhador menos bem pago, isso é uma traição ao nosso espírito. E também ao Natal.

A todos com todos um abraço fraterno.

Presidente da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras

manuel.guerreiro@ccamtv.pt

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