O capitalismo de Estado (V)

Publicado a

A terra movimenta-se com ciclos de rotação e de transladação. Um movimento previsível que nos traz os dias e as noites, as quatro estações e cada um dos 365 dias do ano. Cada manhã é um novo dia, uma nova oportunidade. Começo com um lugar-comum, mas que me permite ilustrar o óbvio que tendemos a não valorizar ou a confundir com uma espécie de compêndio de autoajuda.

Acabo de ler Portugal e a Europa, em Tempos de Mudança, um magistral exercício de inteligência e conhecimento de João Costa Pinto que descreve como poucos o desenvolvimento socioeconómico de Portugal. Mas mais do que isso, é um manual para se entender o Estado da Arte a que o mundo chegou na política, na geostratégia e na economia. Nas últimas semanas tenho escrito sobre a evolução histórica do capitalismo e, confesso, este “… Tempo de Mudança”, ofereceu-me ferramentas para aprofundar a razão de um regresso tão brutal ao Capitalismo de Estado. Influenciado pela sua experiência como governante em Macau, na Fundação Oriente ou na presidência do BNU, Costa Pinto reflete sobre o caminho chinês iniciado por Deng Xiaoping, na década de 1980, e continuado pelo presidente Xi.

Não resisto a citar uma breve passagem: “… Se por um lado, as conceções liberais criaram condições políticas que favoreceram a globalização e se, por outro, a inovação tecnológica acelerou a integração dos mercados mundiais, foi a abertura e a imersão da China como megapotência económica e político/militar que moldou o movimento de transformação da economia mundial”. Um movimento, acrescento, suportado pela identidade chinesa, uma espécie de herança genética que os deixa confortáveis com a férrea autodisciplina, com a capacidade de trabalho e a sua fortíssima densidade cultural.

É este movimento, metódico e acelerado, fortemente centralista e com resultados económicos exponenciais, que multiplicou respostas que moldaram os contornos de uma crise imprevisível. Um complexo caldo de culturas e ideologias que esqueceu as políticas sociais em nome de uma economia e de projetos nacionalistas que levam os estados-nação a responder com políticas protecionistas com o argumento de ser a forma de proteger o emprego, a criação de riqueza ou a sua base tributária. No fundo de Xi a Trump, passando por Putin a distância não é assim tanta.

É um movimento que, para os seus ideólogos é imparável. Mas sabemos que a história não é feita de pontos parágrafos, é feita de novas manhãs e oportunidades. É indiscutível que a Europa corre o risco de não estar à altura do desafio do que este tempo propõe. Mas é também indiscutível que a nossa identidade está ancorada nas ideias, na capacidade de inovar, no talento de sonhar e concretizar, na invenção de novos mundos, na qualidade do nosso ensino, na liberdade dos criadores. O futuro da Europa tem de passar por aí, pelo regresso dos nossos cafés, pela proximidade, pelo exemplo, por uma ideia de moral e de ética, por uma governance que possa ser um farol para o mundo.

Presidente da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras

manuel.guerreiro@ccamtv.pt

Diário de Notícias
www.dn.pt