O bloco central é que manda

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Em cima das eleições presidenciais surgiu o debate sobre a necessidade e o interesse em adiar a data da ida às urnas, mas tão depressa esse debate nasceu como morreu. A exigência de uma revisão constitucional relâmpago e o facto de nenhum dos candidatos ter demonstrado clara vontade nesse adiamento assim determinaram. Nessa altura se disse, no entanto, que era preciso pensar com tempo na data das autárquicas e em todo o processo eleitoral.

Foi bom generalizar o voto antecipado para toda a gente que o quisesse, mas também se percebeu que era preciso melhorar essa solução, aumentando o número dos locais de voto. De igual forma se discutiu, mas não avançou, a possibilidade de votar em mais do que um dia. E a tarefa atribuída às autarquias de recolher o voto em casa dos confinados ou dos idosos nos lares é evidente que desta vez não será possível. Alguém terá de o fazer, mas não as câmaras e as juntas de freguesia em eleições autárquicas.

O estado de emergência em que vivemos durante as eleições presidenciais impediu que se fizesse uma verdadeira campanha de esclarecimento nos moldes habituais, mas as televisões compensaram essa falta, o que se pode confirmar pelas audiências nos frente-a-frente em que participaram todos os candidatos. Se em setembro não tivermos atingido a imunidade de grupo, e se se mantiverem restrições aos ajuntamentos, as campanhas de esclarecimento em centenas de municípios e milhares de juntas de freguesia serão uma ficção e estaremos a atribuir a vitória na secretaria aos autarcas que se recandidatam, porque não haverá comunicação social para olhar muito para lá de Lisboa e Porto.

Melhorar o processo eleitoral parece ser consensual e aproveita a todos os partidos e candidatos independentes, mas adiar a data das eleições, dois meses como propõe o PSD, ou ainda mais para a frente se a pandemia estiver pior do que as atuais previsões para essa altura, é que divide os partidos, porque cada um pensa no seu próprio interesse. Quem corre atrás do prejuízo precisa de tempo, quem sente que pode perder o poder tem pressa.

O facto de ser preciso esclarecer os eleitores para que eles façam uma opção esclarecida passa para segundo plano. Para o PS, que se opõe a que esta discussão se faça desde já, os eleitores aparecem como um obstáculo a ultrapassar. Tivesse o PSD a maioria das câmaras e estaria a defender posição inversa à que agora defende, porque o interesse dos partidos aparece sempre como prioritário. E pouco importa saber o que pensa cada um dos outros partidos com assento parlamentar sobre o adiamento das eleições autárquicas, porque bastam PS e PSD para aprovar esse adiamento e basta que um deles não queira para que ele não aconteça.

O bloco central está mais presente nas nossas vidas do que imaginamos. A máquina que põe e dispõe tem para eleger quase seis dezenas de representantes numa dezena de entidades, ligadas às secretas, ao acesso a documentos administrativos, à ética, à educação... Estão há mais de um ano nisto, não se entendem e ninguém se pode entender por eles para tudo o que precisa de dois terços dos deputados. Se não se entendem na distribuição de lugares, não vale a pena esperarmos que se preocupem a sério com o esclarecimento dos eleitores, buscando um entendimento para melhorar o processo eleitoral. A começar pela data em que se vão realizar as eleições autárquicas.

Jornalista

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